RECORDAÇÕES ESCOLARES parte 3

Lembrar dos tempos da Escola Afonso Pena, no bairro do Andaraí, de 1959 a 1962, requer uma referência aos livros utilizados pelos alunos em sua marcha inicial para o aprendizado. Este narrador somente poderá citar algumas dessas obras, pois demorou mais do que deveria para tratar do assunto, o que prejudica um melhor trabalho de compilação.

Certo é que, na primeira série, a meninada teve, como livro-base, Vida de Criança, de Theobaldo Miranda Santos. A obra anunciava “histórias maravilhosas, conhecimentos gerais e matemática”. Em classe, as crianças liam tais histórias, faziam exercícios e ainda levavam tarefas para executar em casa.

De maneira similar, na terceira série, o livro Infância Brasileira, de Ariosto Espinheira, oferecia textos diversos, como lendas (café, algodão) e fábulas em formato resumido, além de exercícios relacionados às histórias lidas.

Já na quarta série, As Mais Belas Histórias, de Lúcia Monteiro Casasanta, consistiam em um compêndio de narrativas célebres (O Gato de Botas etc.), com base nas quais cabia à diligente professora Nylza Miscow formular questões para testar o conhecimento de seus pupilos. Ainda passava lições de casa, de português e de outras matérias.

Além dessas obras, os estudantes tiveram ocasião de ler, durante as aulas, sob a orientação da “fessora”, o célebre Cazuza, de Viriato Correia. Muitos outros livros foram lidos ao longo desse quadriênio, trazidos pelos próprios alunos para o intercâmbio de leituras entre si.

Os livros bem cumpriram sua função de despertar a curiosidade infantil sobre o mundo ao redor de si e pouparam-nas, em boa medida, do excesso de “fake news” propiciadas pela moderna tecnologia de celulares e afins.

D. Nylza não se limitava, entretanto, à rotina básica de leituras, perguntas e respostas. Dava tratos à imaginação para organizar outras atividades que motivassem todos a ser participativos. Convidava a garotada, por exemplo, a fazer apresentações musicais para seus colegas, o que sempre estimulava quase todos a demonstrar seus dotes artísticos.

Numa dessas apresentações, Osvaldo e Fernando Jacques improvisaram uma dupla na hora e propuseram-se a cantar marchinha de carnaval bem popular na época, cuja lírica dizia:

“Garota, você é uma gostosura!

Foi proibida pela Censura.

Sai de perto de mim, olhar pra você eu não posso.

Me segura que eu vou ter um troço!

Me segura que eu vou ter um troço!”

Óbvio que a zelosa Nylza vetou, no ato, a proposta dos dois espevitados, que tiveram de contentar-se em desafinar a manjada e ultra-repetida (nas rádios e em classe) canção do neném:

“Silêncio! Ele está dormindo.

Vejam como é lindo,

Sua Majestade, o neném”.

Valéria e Lília deram, a seguir, uma “prévia” da canção que vinham treinando para a festa das mamães, programada na classe para o mês de maio naquele ano de 1960. Afinadas e em nítida sintonia, arrancaram aplausos dos coleguinhas ao cantarem a última estrofe que falava do “avental todo sujo de ovo” e arrematava: “se eu pudesse, eu queria outra vez, mamãe, começar tudo, tudo de novo”. A festa prometia ser um sucesso e assim foi, como de hábito.

Ademais da comemoração anual do Dia das Mães, a dinâmica professora organizava festas para saudar a chegada da primavera. Toda a turma sabia, de cor e salteado, a bela canção que ela ensinou e era entoada como se fosse um hino:

“Lá vem a Primavera espalhando as suas flores

E traz, no meio delas, borboletas de mil cores.

Como é bonito ver o botãozinho abrir,

Depois levar a flor pra mamãe sorrir”.

Havia representações na ocasião e mesas enfeitadas. Os pais ajudavam os filhos a preparar e levar cestinhas com flores para os festejos. Numa dessas ocasiões, a Elizabeth de Paula entusiasmou-se e quis dançar e espalhar as flores de sua cesta pela sala. D. Nylza disse-lhe inicialmente que não, mas, depois, como compreendia as crianças como ninguém, aceitou que a Beth espalhasse algumas, desde que não todas. Afinal de contas, as cestinhas deveriam ser colocadas como enfeite na grande mesa primaveril e, vazias, não serviriam como decoração.

As festas juninas também eram muito aguardadas e curtidas pela criançada. Algumas vezes, realizavam-se no próprio pátio defronte ao lindo casarão em que funcionava a escola. Noutras, as professoras conseguiam o apoio de clubes no Andaraí ou no bairro vizinho do Grajaú, os quais emprestavam suas quadras para a armação de barraquinhas e a dança da quadrilha.

Os pais ajudavam na preparação dos seus “caipiras” de ocasião. Pintavam bigodes, barbichas e costeletas nos meninos, sardas nas meninas. Pregavam remendos nas camisas xadrez e nas calças de brim Coringa (antecessoras tupiniquins das calças norte-americanas da marca Lee, que virariam moda entre os adolescentes no final da década dos 60).

Dava gosto ver a animação da meninada! Colocar-se em fila para cair na dança deleitava todos muito mais do que fazê-lo para entrar na sala de aula (embora gostassem bastante, sem qualquer margem de dúvida, tanto da escola quanto da professora). Cantava-se com gosto e cada qual se esmerava no acompanhamento de quem comandava: óia a chuva! Damas ao centro! Cuidado com a cobra!

Este narrador costumava dançar a quadrilha com outra Elizabeth, a Richard, apelidada de Pituchinha por ser a mais pequenina da turma, mas houve ocasiões em que cedeu a beldade a outro dos seus colegas baixinhos, ficando com par distinto. Maria Alice e Nádia eram outras miúdas da ala feminina.

Concluída a dança, todos se divertiam nas barracas de pescaria, nos jogos com maçãs, nas comilanças e demais entretenimentos típicos de um bom arraial. Certa vez, um dos garotos frustrou-se após pelejar para fisgar seu presente na pescaria. O pobre coitado tirou um laço de cabelo de menina e ficou bravo! Largou o dito cujo no chão, sem mesmo lhe ocorrer a alternativa de ofertá-lo como prenda às atrativas caipiras que circulavam por ali. Na vida, nem tudo é festa, pois não?

Opa! Hora do quentão! Depois, conto mais.

Brasília, outubro 2023.