Algumas memórias acerca da Irmã Afonsina, MSCS

"Ela fazia o que tinha de fazer sempre louvando a Deus"

Na vida religiosa da cidade de São Bernardo uma figura se destacava: a de Zulmira, ou Irmã Afonsina, seu nome religioso. Era a filha mais velha de Liberato e Corina, oriundos da Itália. Ela nasceu em Monte Mor/SP, em 08 de fevereiro de 1899. Foi batizada na Solenidade principal de São José daquele ano.

Ainda menina, por si só, resolveu se tornar religiosa. Mesmo a contragosto, o pai a levou a um convento de irmãs franciscanas. Tinha 12 anos de idade. Naqueles tempos difíceis não havia meios de transporte adequados. A pequena Zulmira foi mandada para o Rio Grande do Sul, no lombo de burros. Voltou doente - e, certamente, não mais para morar com a família, que havia se mudado para São Bernardo.

Não tendo se efetivado o ingresso entre as franciscanas, tornou-se religiosa na Ordem dos Scalabrinianos. Recebeu, então, o nome de Irmã Afonsina. Assim também era chamada pelos pais e irmãos.

Nós, que convivemos com ela nos "tempos de abertura" do Concílio Vaticano II, pudemos chamá-la de tia Zulmira. Ela era baixinha, magra, com profundos olhos azuis, tinha voz bem aguda, além de ser delicada e carinhosa no jeito. Mesmo quando nos visitava em casa, vestia-se com o hábito e véu brancos. Para dormir usava uma touca amarrada ao pescoço. Às vezes, ao sair, usava um hábito e véu negros.

Visitávamos a tia freira, já idosa, no asilo de velhos de Itatiba, do qual era diretora, e no convento das irmãs scalabrinianas do bairro Colônia, em Jundiaí, do qual foi superiora (se não me equivoco).

Essas visitas à tia Zulmira eram verdadeiras viagens; eram casos à parte. Meu pai, que tinha uma pequena fábrica de móveis, colocava tábuas na carroceria de um caminhão, que tinha uma cobertura improvisada, o conhecido "encerado". E lá ia a família toda - a tia Carmela levava comida para um batalhão. A Coca-Cola e as melancias eram degustadas em temperatura ambiente, isto é, mornas...

Do que nos passaram os que com ela conviveram no asilo de Itatiba e no convento de Jundiaí, nossa tia foi sempre diligente, correta e bondosa. Sempre enfatizaram a excelente influência que exercia sobre os mais jovens. Auxiliava as postulantes nos estudos. O Pe. Emir Filter, seu pupilo (já falecido também), dizia que a tia Zulmira auxiliava os noviços que moravam na paróquia local. Padre Emir foi coadjutor na Matriz de São Bernardo nos anos 1980.

Ela ensinou a nós, seus sobrinhos, a cantar centenas de cantos religiosos e a ler bons livros, inclusive nos presenteando com vários deles, acompanhados com muitos livros de oração.

Tia Zulmira vinha a São Bernardo para agradar a todos os parentes, e passava horas em nossas cozinhas. Fazia crostoli na casa da tia Carmela, canudinho na casa de minha mãe, ajudava o nono Giácomo a esmagar uvas para fazer vinho, e fritava dezenas de coxinhas (e fazia tudo isso sem tirar o hábito branco).

A criançada ia atrás dela, de cozinha em cozinha, afinal morávamos todos no "Beco", ou Rua do Beco, como era conhecida a Travessa Marechal Deodoro. Presenteava as sobrinhas com cadernos de receitas - muitos deles de grande proporção, pois fazia comida no asilo e no convento. Essas preciosidades guardamos com enorme carinho.

Ela vinha a São Bernardo raramente, uma vez por ano. Passava alguns dias e, ao tempo de minha adolescência, vinha apenas quando os parentes podiam buscá-la de carro.

Vinha gemendo, com dores a cada solavanco (não só porque aquelas estradas eram outras, mas porque a tia tinha pedras na vesícula). Chegando aqui, enfiava-se na cozinha, fazia quitutes, cantava e rezava cercada pela criançada, saindo apenas para ir à igreja.

Viveu até idade provecta, nos deixando num sábado (tradicional dia de Nossa Senhora), em 05 de março de 1988. Como verdadeira esposa de Jesus, nunca buscou ser conhecida ou lembrada. Fez apenas o que tinha de fazer, feliz, cantando, sempre louvando a Deus.

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Artigo publicado no "Diário do Grande ABC", de 25 out. 2010. Essa versão do texto apresenta algumas alterações e acréscimos.

Agradeço à prima Mírian esses singelos parágrafos sobre a Irmã Afonsina, tia dela e minha tia-avó materna. Fica aqui também meu obrigado à prima Ester pela pesquisa. Não mereço a Irmã Afonsina como parente, mas a aceito de bom grado, claro. Obrigado, Senhor!

Rafael Aparecido
Enviado por Rafael Aparecido em 17/01/2024
Reeditado em 29/02/2024
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