AS RADIONOVELAS DE JANETE CLAIR

 

 

Meus avós paternos, Mariquinha e Horacides, moravam em uma casa nos fundos da nossa, em Curitibanos – SC. Havia uma cerca a separar os dois terrenos, com um portão que tornava nossa comunicação muito facilitada. De tanto que nós crianças, meus irmãos e eu, íamos e voltávamos da casa dos avós, formou-se uma trilha onde não nascia mato e nem se formava lama, era terra pisada.

 

Eu, sendo a mais velha das crianças e já na pré-adolescência, ia muitas vezes pernoitar na casa deles. Vovó mimava-me fazendo pipoca ou batendo uma gemada com leite quente à noite. Além da companhia, sempre carinhosa de vovó, vovô e tia Nahir, havia outra motivação que me levava até lá. Não existia televisão, estávamos na era do rádio e as novelas faziam muito sucesso. O rádio ficava sobre uma cômoda, ao lado da cama que era arrumada para mim. A avó deitava-se na outra cama, titia vinha com uma cadeira e sentava-se perto. Bem cedo fiquei fã de Janet Clair e passei a familiarizar-me com esta novelista e seu marido, o grande Dias Gomes.

 

O rádio me fascinava pois não tendo imagens fazia-nos dar asas à imaginação. E, imaginação não me faltava. A primeira radionovela que acompanhei foi O Direito de Nascer, do cubano Felix Caignet (1892/1976), traduzida para nosso idioma pelo português Eurico Silva (1900/1973) - Fonte: Wikipedia. Acompanhei os mais de 100 capítulos com o entusiasmo de minha fase juvenil.

 

No lar dos avós não havia banheiro dentro de casa. Para banho usava-se uma grande bacia de aluminio que ficava pendurada em um gancho na parede de um quartinho com porta de taramela e minúscula janela. E era só. No quarto, uma jarra com água e bacia, ambas de louça, serviam para a lavagem das mãos, do rosto e da escovação dos dentes, antes de dormir e ao levantar. Sob a cama o urinol de ágata, um tanto descascado, dava conta das necessidades noturnas, principalmente em noites chuvosas. Durante o dia usava-se a privada, uma casinha de madeira a cerca de 50 metros da moradia, nos fundos do quintal. Tarefa nada agradável era descartar o conteúdo do penico, na privada, pela manhã, e depois fazer sua higienização para voltar, limpo e sem cheiro ao seu lugar em baixo da cama. A água usada em todas as atividades da casa era de poço, que retirávamos com um balde que descia por corda movida a manivela, e que alimentava outros baldes que eram levados para uma mesa a um canto da cozinha. A roupa era lavada no tanque, ao lado do poço, em uma dependência coberta. Secava no varal, ao sabor do sol e do vento. O ferro de passar, de metal muito pesado, recebia brasas que, às vezes, produziam cinzas que sujavam a roupa limpa e seca. Vovó costumava soprar as brasas para avivar sua quentura e dispersar as cinzas. Fazia isso lá fora e voltava para a faina de passar.

 

Assim era a vida naqueles idos de 1950 e início dos 60. Não me parecia primitiva. De fato, era pobre, simples, porém tinha encanto, apesar da trabalheira e do parco conforto. O principal era o afeto, que não tem preço e havia de sobra.

 

 

 

 

Aloysia
Enviado por Aloysia em 16/01/2024
Reeditado em 10/11/2024
Código do texto: T7977632
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