Recortes do tempo: Izolina Seba
Conforme o relato de seu filho, Odir Seba, ao neto, Adson Luan Duarte Vilasboas Seba, no vigésimo dia de outubro de 2023, na calorosa Cáceres-MT, Izolina Seba veio de uma região de sítios entre a cidade de Barra do Bugres e Cáceres. Não se sabe exatamente a data e o nome do local onde ela nasceu. Sabe-se que Izolina foi adotada por seus pais de registro João Sebastião da Silva e Paulina Pinto de Castro, os quais viveram na cidade de Acorizal. Especula-se que ela era filha biológica de indígenas umutina, por conta de seus traços fenóticos evidentemente relacionados aos povos originários, reforçados pela definição de Odir “Índia legítima”.
Na adolescência, com cerca de 12 anos, Izolina foi convidada a trabalhar na casa de dona Natália Castrillon para ajudá-la nos afazeres domésticos. Infelizmente, esse trabalho não era remunerado, pois, era comum, naquela época, famílias bem abastadas “resgatarem” crianças em situação de vulnerabilidade social para servi-las domesticamente, em troca de alimento e "um par de roupas". O trabalho de Izolina nessa casa era cuidar de um familiar de Natália que estava enfermo. Essa casa, onde Izolina serviu, ficava na Rua Coronel Faria, no Centro de Cáceres.
Luiz Seba, seu esposo, era um comerciante ativo na cidade — fazia juz à fama “turca” de bom negociador. Eles se conheceram em um momento em que Luiz foi oferecer alguns de seus produtos a Nathália e seus familiares. Eles se casaram por volta de 1940 e alugaram uma pequena casa na Rua 15 de Novembro, nas proximidades do quartel. Odir Seba, nosso narrador, lembra-se desses detalhes, pois foi nessa casa que, aos 3 anos, se queimou com um lampião à querosene que estava em cima de uma mesa, evento que deixou uma cicatriz em seu cotovelo.
Segundo o lúcido narrador, posteriormente, o jovem casal alugou uma casa perto de dona Nathália, a benfeitora. Ali, Luiz Seba abriu um pequeno botequim. Odir Seba aponta que, nesse período, ele tinha 5 anos. Ele confirma essa informação, pois, lembra-se que em um dia o pai gritou: “O presidente Vargas morreu”, então, infere-se que a vivência nesse local foi por volta de 1954. Após esse episódio, o irmão de Luiz, tio Ibrahim, arrendou-lhes uma casa perto do Hotel Caiçara, na Rua General Osório. Esse tio era bem abastado, também era comerciante e vendia secos e molhados na Rua Tiradentes, próximo ao grupo escolar Esperidião Marques. O segundo filho de Izolina e Luis, Vicente (dico) trabalhou junto ao tio que não teve filhos com a Esposa Ana. Inclusive, como gesto de gratidão às ajudas recebidas pelo cunhado, Izolina deu-lhe uma filha, Maria Nadir Seba, a qual foi criada como filha pelos tios.
Adiante, a família mudou-se para uma vila na mesma rua, cujo proprietário também era o tio Ibrahim. Depois, Odir conta que se mudaram para uma casa nas proximidades da Rua dos Operários e da Rua Padre Casemiro. Moraram muitos anos ali. Ademais, o casal se mudou para Várzea Grande, onde Luiz trabalhou como "contínuo", isto é, moço-de-recados, exercendo variadas tarefas, como o transporte de correspondências, documentos, objetos e valores.
A vida lá não foi fácil. Odir recorda que onde moravam não havia qualidade de vida, faltava cuidados básicos como água potável. A família, então, retornou para Cáceres. Na volta, moraram no início da Rua 7 de Setembro, próximo à Rua Joaquim Murtinho, onde hoje fica o Salão de Cabelereiros do Canhoto. Por conseguinte, o casal ganhou um terreno na Rua Lavapés, presente de um fazendeiro chamado Doningé, que se compadeceu com a força de vontade de Luiz Seba. Odir conta que morar no subúrbio não foi fácil. O bairro era muito longe, o que dificultava o trabalho de Luiz, que passava de casa em casa vendendo seus produtos.
Após a estadia nesse local, se mudaram diversas vezes, tantas que ele nem consegue se lembrar. Odir contou que seu pai era meio cigano. Comerciava não só em Cáceres, mas também ia para as glebas e comunidades tradicionais para vender e trocar produtos com os tropeiros. Entretanto, a última moradia desse episódio foi uma casa na Rua Joaquim Murtinho, um terreno de uso comum. Nessa etapa, Izolina já era falecida. Odir relatou que a prefeitura derrubou essa casa por questões de infraestrutura. Então, a família se deslocou para outra região do mesmo terreno e construiu a nova casa, a qual foi o leito de morte de Luiz Seba.
Cabe destacar que, foi na Rua Joaquim Murtinho, que o patriarca conseguiu se estabilizar. Construiu um farto comércio e vendia produtos como mandioca, batata, arroz, feijão, produtos que vinham diretamente da morraria. Luiz comercializava com tropeiros do Taquaral, Retiro e Pau Furado, Cachoeirinha, Bezerro Branco, Formiga, Exu e Monjolo. Quando os tropeiros vinham para comerciar na Avenida Sete de Setembro, o terreno de Luiz Seba era local de acampamento e descanso, uma parada obrigatória. Esse registro é confirmado por um dos últimos tropeiros ainda vivos, Jorge Dias, morador da comunidade Luzia do Retiro e amigo pessoal de Adson Seba.
Apesar de termos ricos detalhes sobre a localização e vida do casal em Cáceres, pouco se pode falar sobre a fisionomia e a personalidade de Izolina. Infelizmente, ela morreu muito jovem, aos 30 anos— vítima de tuberculose. Seu leito de morte foi em uma casa localizada na Rua Padre Casemiro, em frente ao que hoje é o Clube Nipo, ainda no momento das andanças do casal que ia para lá e para cá.
Odir relata com carinho que, fisicamente, ela era magra, tinha cabelos compridos, pele parda e ascendência indígena. Era uma pessoa calma e uma boa mãe. Um episódio marcante para Odir era que ela o abraçava pelos ombros e iam até um botequim comprar doces, como língua de sogra e bocaiuvinhas, que vinham da Bolívia. Odir conta que ela sempre usava vestidos longos, alguns deles floridos e outros escuros.
Assinam esse relato, Odir Seba e Adson Seba, com saudosismo e felizes por revisitar memórias. Cáceres, MT, 20 de outubro de 2023.