Cartas de MJR - ao Pai

São Gotardo 20/05/91

 

Pai

 

Algo dentro de mim, segreda-me que algum dia hei de vencer as dificuldades da vida, pois o primeiro passo está dado desde o momento que sai de casa para este mundo cruel. Sinto saudades de você pai e é inútil negar que sofri quando os deixei... Nada me aconteceu de importante depois que sai de casa, continuo sozinho levando a vida, mas embora a distância nos separa sinto como se estivesse a meu lado pois você é meu pai. Pai as comemorações que tive hoje ao receber a carta da Nega e da mãe foram uma das mais importante para mim, porque a carta me trouxe um ótima notícia, a de que o pai havia parado de tomar cachaça. Confio em você e sei que é forte e que conseguira esta vitória, vai vencer e eu sinto muito orgulho de ser seu filho. Quero que saiba que eu o considero o melhor pai do mundo. Pai recebe de seu filho a gratidão de ter me entendido no momento que sai de casa. Um abraço de seu filho que o estima admira e o ama muito. Saudades. Milton.

Acho que irei até aí no fim do mês. Escreva-me!

 

Depois de receber esta carta e outra em setembro de 1991 solicitando ao pai escrever, meu pai escreveu a única carta na vida de próprio punho. E ela começava assim: "filio mio, te esgrevo poucas palavras porque muitas eu não sei escrever" e imediatamente após escreveu mais umas linhas sobre seu trabalho de pedreiro - era descendente de italianos e por isso o "filio mio". Sim, sou italianinha. 

 

A frase de meu pai mostra de onde meu irmão e eu herdamos a veia poética. Meu pai era artesão das pedras. Há um poema em meu perfil denominado O Poeta das Pedras em homenagem a ele que fabricava e escrevia em lápides de cemitério, anjos, flores, vasos, palmas de cimento em formas de gesso para os túmulos dos falecidos. 

 

MJR faleceu dois anos depois com apenas 23 anos. Então a carta foi escrita quando ele tinha 21.