IMAGINANDO UM FUTURO COLORIDO, ADORMECEU

Eu nem quero mais beber, eu só preciso de um amigo — Rehab

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As pessoas riam como se estivessem numa espécie de plateia circense.

Algumas zombavam. E, outras boas almas tentavam ajudá-la a cantar.

A jovem mulher suspira fundo enquanto seus olhos assistem a si própria na

tela do notebook. Toma um gole da taça de vinho e admite a si mesma que ali

naquele vídeo seu estado era mais do que decadente; era lamentável, deprimente e extremamente embaraçoso. A banda até tentava acompanhá-la em seus deslizes vocais. Mas naquele dia estava sendo praticamente impossível. Estava mais perdida do que tudo.

No passado o mundo inteiro assistiu o quão baixo ela tinha descido. Inevitável, sempre fora uma pessoa intensa. Contudo, definitivamente, o momento mais angustiante de toda a sua carreira sem dúvidas foi aquele ali gravado para sempre naquele vídeo. Sua última performance na capital da Sérvia, Belgrado.

Era uma tragédia anunciada, desde o início.

A cantora coça os olhos tentando ajustar a visão. Faria quatro dias que assistia a vídeos de si mesma na internet. Não soube o porquê, mas sabia que iria encontrar comentários maldosos. E não deu outra. Ela nem deveria mais se importar com aquilo. Em toda a sua carreira a insensibilidade das pessoas esteve presente, não poderia ser diferente agora.

Os comentários dentro da rede mundial de computadores eram o de menos, a maldade estava mesmo estampada nos tablóides e jornais. Na tevê também encontravam brecha para fazerem chacota de sua figura. Eram incontáveis o número de stands up feitos em sua “homenagem”, e celebridades que haviam usado sua imagem de maneira repugnantemente depreciativa.

Deveria ter seguido com o sonho de ser garçonete. Às vezes amaldiçoava o pai por fazê-la crer que aquele caminho era o certo, odiava-o por fazê-la acreditar que a fama e o sucesso lhe trariam um bom retorno. Bem, o único retorno que recebeu foram dores e mais traumas talhados no livro de sua trágica vida. Nunca passou pela sua cabeça que algum dia chegaria ao ponto de culpar a música por todas as desgraças que vinham acontecendo em sua vida.

Quando foi que cantar havia se tornado tão doloroso e insuportável? Em qual

momento exatamente perdeu as estribeiras e se deixou afogar no oceano de

destruição?!

Ela nota que a taça jaz vazia. Xinga baixo e se levanta da cama. Corre até a

cozinha. O segurança mal percebe sua presença perambulando pela pequena casa. Traz consigo mais duas garrafas de vinho. Fecha a porta de seu quarto e enche novamente a taça. Obstinada, toma um grande gole que desce quente em sua garganta.

Mas, de repente, sente falta de algo. O vinho é bom mas não parece ser o suficiente naquela noite. Sente falta de algo o qual nunca mais teve contato. Algo que naquele momento seria a solução mais que perfeita para aliviar a solidão e afastar os fantasmas que assolavam sua mente. Ironicamente, aquele “algo” era uma das principais assombrações que lhe perseguia; talvez, o fator fundamental de seu declínio.

365 dias se completariam desde a última vez que seu organismo teve contato com as drogas; o que estava deixando-a enlouquecida. A abstinência parecia ser o próprio inferno na terra. E mesmo que fosse verão, sentia calafrios horrendos por todo o corpo.

Poderia pôr um fim àquela agonia. Conhecia vários contatos que não pensariam duas vezes antes de lhe entregar o que mais almejava no momento. Sabe que há um cara por aquelas bandas que poderia ser sua salvação naquela noite.

Ela cata o celular da mesinha sem raciocinar direito. Entra quase que desesperadamente na lista de contatos e procura pelo nome preso em sua mente. Os olhos vagueiam por vários e vários nomes. Um lhe chama a atenção.

Blake.

— Mas que maldição…

Tinha excluído aquele contato. Tinha a mais absoluta certeza! Ainda se lembra da última briga tempestuosa que ambos tiveram e, que a fez cortar todo tipo de contato que poderia ter com ele. Mas ali estava o número do celular de Blake, exatamente como ela se recordava, ainda com o nickname carinhoso que ela costumava chamá-lo.

Um misto de emoções repentinamente a invadem, e dessa vez, vira a taça de

uma única vez em sua boca. É demais para sua cabeça.

Será que deveria ligar para ele?

Afinal, fazia tanto tempo que não se falavam. Muito provavelmente ele estaria dormindo a uma hora daquelas…

Amy sacode a cabeça, confusa, as lágrimas a ameaçando. Toda vez que se lembra de Blake sua mente revira de ponta a cabeça; era o efeito colateral dele nela. Não sabia pontuar se sentia ódio ou amor por aquele homem. Obviamente, sentia sua falta.

Tentando se manter racional, põe a taça de lado e, em seguida, leva toda uma garrafa aos lábios trêmulos.

Havia custado muito a cair a ficha que ele havia sido uma das partes mais destrutivas de toda a sua história. Seu amável Blake, seu odiável Blake; sua salvação, sua perdição. Blake, seu pequeno pedaço de céu e inferno mútuo. Amor e ódio, admiração e repulsa, tudo mesclado num emaranhado de fios bagunçados.

A jovem cantora, dona de uma das mais emblemáticas vozes já ouvidas, se coloca a observar um ponto fixo na parede. Em sua mente se passam informações e imagens que ninguém nunca poderia compreender. Fica ali por umas boas horas em pé. Os calafrios descem por sua pele como lâminas afiadas, lembrando-a de sua batalha constante contra as malditas drogas.

Nesse meio tempo nem se dá conta que já não havia mais vinho a ser bebido; todas as garrafas se encontram vazias.

Cansada, decide que é uma boa hora para dormir. Assim, se joga pesadamente na cama, nem ao menos se dando o trabalho de retirar os calçados. Deita-se de bruços, desajeitada.

Amy se remexe e respira fundo, puxando o ar com certa dificuldade.

Amanhã será mais outro dia de luta. Outro dia em que poderia tentar melhorar e quem sabe, recomeçar: afinal, ela está realmente tentando. Acredita que conseguirá.

— Não quero morrer — tinha confessado, temerosa, a sua médica três dias atrás.

Pois, no fundo, tinha medo da morte.

Por um breve momento, encolhida na cama antes de adormecer, tenta pensar positivo. Por algum acaso divino havia encontrado um homem maravilhoso. Um homem bondoso que estava fazendo-a enxergar o que de fato importava na jornada da vida. Um homem que estava conseguindo trazer a tona o melhor dela para fora.

Amy Jade suspira, sentindo o corpo cada vez mais cansado. E ainda assim sua mente consegue se lembrar dos cabelos sedosos daquele que é seu novo namorado; se recordando do sorriso galanteador que ele lançava para ela discretamente entre conversas, e do quanto era gentil e compreensivo.

— Quero uma família com ele — revelou um dia a um de seus amigos.

Porque parecia certo; ele sim era o tipo de homem que a fazia sentir que realmente valia a pena largar de vez a velha pessoa que ela fora no passado.

Amy sorri atoa, ruborizada, contra o travesseiro.

De todas as fases de sua vida, aquela parece ter mais sentido e significado. Ou melhor, ganhou um ressignificado. Se fosse forte o suficiente, poderia ter um bom futuro, apesar de tudo.

E é pensando em todas as coisas positivas que poderiam ainda acontecer em sua vida que Amy sente sua respiração ficando cada vez mais letárgica, aos poucos começando a perder a consciência.

Em questão de segundos, adentrou o portal da inconsciência em um sono profundo, que nada aparentava ser um estado incomum. No entanto, havia algo se desenrolando dentro de seu corpo; o organismo sucumbindo ao colapso, lenta e fatalmente.

E desta forma, Amy Jade Winehouse adormeceu, pensando em um futuro colorido e alegre, sem sequer desconfiar que jamais voltaria a acordar.

Ansyel Violet
Enviado por Ansyel Violet em 19/09/2023
Reeditado em 14/10/2023
Código do texto: T7889679
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