Linha do Tempo
Eu não tive linha do tempo, também não tive pai e minha mãe não tinha tempo para perder com brincadeiras ou rir de nossas besteiras infantis. Muito cedo me foi dito, cuide si mesma e se arrumar confusão lá fora por lá resolva, se trouxer pra casa apanha. Joguei bola de gude com os moleques da rua e com meus sobrinhos soltei pipas e joguei pião. Meus dentes de leite arranquei com minhas próprias mãos. Corri pique bandeira, joguei queimada, roubei jamelão e goiaba dos quintais vizinhos. Mas nunca prendi passarinhos. Deles eu queria as asas pra conhecer mundo novo, fora do chão de barro e da infância com mofo. Fui menina moleca, subia nas árvores e não tinha bonecas. Gostava das histórias de terror e das crendices da mula sem cabeça, do saci que nunca vi, do velho do saco. De tantos bichos do mato. Viver na roça era assim, ônibus de hora em hora levando o passageiro embora, deixando poeira pelo caminho, por isso que não vi a linha do tempo e caminho não tive. Zoiava o mundo com zóios inocentes e pra quem tudo tava bom. Não tinha ainda modernidade nem mesmo ainda orelhão. Esse quando chegou eu já tinha mais de 12. Da infância tinha 2 fotos com 2 anos apenas. Estava sozinha em ambas, em uma eu estava chorando em preto e branco. Com o tempo e a idade outras fotos tenho guardadas em álbuns que nem sei se ainda existem. Do passarinho não consegui o voo, nem asas... Tão pouco um ninho pra chamar de casa. Ninho vazio qualquer vento derruba. A Linha do tempo arrebentou faz Tempo, ôpa, não tive uma. Ainda assim com meus filhos fui moleca correndo com eles na rua, ensinando a andar de bicicleta, descendo a rua no carrinho de rolimã, fazendo roupas de boneca, contando histórias na hora de dormir, mas nada disso me impediu de ruir e falhar como ser humano. E a vida segue seus planos e caminhos diferentes e a linha do tempo? Ela é daqui pra frente!