Conversa entre mulheres

Sábado à tarde minha neta costuma vir me ver. Mexer nas gavetas, passar os perfumes, lambuzar a boca com batom, calçar os sapatos mais altos, tirar todos os brincos das caixinhas e admirar-se em frente ao espelho. É sua diversão preferida.

Adora contar as novidades da escola. É claro que a vida é bem mais divertida e surpreendente do ponto de vista de uma menina com cinco anos.

Eu me lembro que também gostava de entrar no quarto da minha avó para bisbilhotar. Casablanca era seu perfume.

Mas naquele dia havia algo diferente quando ela chegou ligeira e um tanto misteriosa chamando por mim: _ Vó! Ô vó! Cadê você?

_ Estou aqui no quintal.

Recolhia as roupas do varal. A tarde prometia chuva forte.

Lavínia se aproximou segurando o decote. Olhos arregalados e sorriso maroto (nariz bem feito tem essa menina). Parecia esconder algo debaixo do vestido lilás com margaridinhas brancas na barra.

É sempre uma alegria vê-la chegar tão bonita e brejeira. Eu só tive filhos: quatro. Todos fortes e bonitos. Muita meia e cueca nos varais. Quando ela nasceu pude, enfim, comprar todos os lacinhos, vestidinhos e calcinhas cor-de-rosa. Netos são recompensas especiais que Deus nos oferece!

Não era um sorriso comum o dela. Havia uma inquietação,um brilho no olhar, um certo ar de descoberta.

_Vó! Adivinha o que eu tenho aqui? Perguntou-me ansiosa para dar a resposta.

_ Não sei! O que você tem aí, minha linda?

Ela puxou levemente o decote do vestido e me mostrou a peça branca.

_ To de sutiã, vó! E me presenteou com um sorriso de pura satisfação.

_ Quem lhe deu esse sutiã?

_ A minha mãe, né! Meu pai que não podia ser porque ele é homem e homem não entende disso. Vó! Quando eu vou usar um igual ao seu?

“ O primeiro sutiã a gente nunca esquece!” dizia a propaganda.

Não esperou a resposta. Saiu correndo pelo quintal a cantarolar. Com cinco anos e já se sentindo uma mulher.

Minha mãe sorriu e disse:

_ Nunca pensei que veria uma bisneta. Menina vaidosa e inquieta! Ela me lembra você quando ficava em frente ao espelho cantando e dançando feito artista de televisão. Os dias parecem longos, mas o tempo passa rápido demais.

A gente é tão inocente na infância... Intensa na juventude. Pressa em viver, em descobrir, em amar...

Agora, com cinquenta e quatro anos, quase não tenho mais pressa. Saboreio a vida aos pedacinhos como quem come goiabada com queijo branco, encostada na porta da cozinha olhando a chuva forte que cai no quintal.

Quero vê-la crescer e se tornar uma linda moça e, se ela quiser, compartilharemos os segredos do universo feminino.

Existe uma menina dentro de cada mulher. Cada idade tem sua beleza. Efêmera, um dia ela se vai, mas a alma nunca envelhece.

06-12-2011

Maria Negro
Enviado por Maria Negro em 23/08/2023
Código do texto: T7868358
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