Brasiliano x Brasiliense / O gentílico que não veio.
Caros e caras, eu gostaria de compartilhar uma curiosidade bem interessante com vocês. Há poucos dias, eu estava observando uma discussão num fórum virtual e o tema debatia-se em torno do nosso gentílico, no caso, 'brasileiro'. Para quem não sabe, gentílico é o termo utilizado para definir a origem das pessoas, ou seja, de qual cidade elas são, de qual estado, qual país nasceram, vivem ou estabelecem algum vínculo/relação, mas não apenas para isso, há gentílicos até para torcedores de clubes (São-Paulino, Vascaíno, Palmeirense ,Botafoguense, Santista, Flamenguista, Corintiano).
O fato é que existem gentílicos específicos para determinadas regiões. Desta forma, o gentílico para quem nasce em São Paulo é paulista, já quem nasce no estado de Pernambuco, o gentílico é pernambucano, quem é do Ceará, seu gentílico é cearense. Então, temos sufixos específicos para designar gentílicos, ou adjetivos pátrios, sendo os mais comuns (ano), (ense), (ês) e (ista) este último, no caso dos paulistas, também incomum (entre nações), já que o gentílico paulistano é adotado apenas pelos nativos da capital.
O ponto de conflito, lá no fórum, era o seguinte: deveria o brasileiro ter como gentílico o sufixo (eiro)? Ou seja, na opinião de alguns membros, brasileiro não deveria ser utilizado como gentílico nacional. E, de fato, (eiro) é um sufixo usado para determinar profissões, muitas delas são braçais e serviçais, o trabalhador que trabalha com pedra é o pedreiro, já aquele que trabalha com ferro é o ferreiro. Assim temos o marceneiro, o carpinteiro, funileiro, e por aí em diante. O fato é que (eiro) é, geralmente, determinante de profissões e não de gentílicos.
Mas por que, então, brasileiro? Caros, eis aqui a curiosidade a ser compartilhada com alguns de vocês. Claro, nada relevante, mas a cultura é sempre bem-vinda e cai bem para todos nós. Para quem ainda não sabe, esse termo (brasileiro) tem origem nos primeiros trabalhadores extratores de pau-brasil. Sabemos que foi a primeira grande matéria-prima a ser explorada por Portugal, por essa razão, assim como havia o pedreiro, o ferreiro, o carpinteiro, o brasileiro era, então, reconhecido como o trabalhador que extraía o pau-brasil.
Isso diz muito sobre a nossa formação como povo, isso diz muito sobre nós. Levando ao pé da letra, quando somos denominados como brasileiros, por parte de Portugal, somos, de certo modo, vistos (nas entrelinhas) como serviçais, não como uma nação. Diferente de outros países e seus idiomas, no italiano, por exemplo, somos ‘brasilanos’, no francês, brésilien (brasilienses), no inglês, somos chamados de ‘brazilian’ (no caso, diferente do que muitos pensam, o (Z) não é invenção de inglês, mas uma herança do português antigo, Brasil também era escrito com Z em português). É possível observar que houve uma adaptação, pode-se também dizer um reconhecimento, por parte de outros idiomas, mas Portugal continuou a nos rotular como serviçais “brasileiros”, pessoas inferiores, meros trabalhadores a serviço da coroa.
Penso que os colonizadores portugueses apenas fizeram a sua parte, esperar cair do céu um reconhecimento por parte da Matriz, como identidade, ou valorização nacional/cultural, seria um pouco demais da nossa parte. O que quero dizer é que isso deveria, de fato, ter partido de nós, talvez ao final do século XVIII, ou no início do século XIX, seria o momento mais oportuno, aproveitando toda aquela onda de movimentos libertadores e identidade nacional, como a Inconfidência Mineira, a Conjuração Baiana e a nossa própria Independência em 1822, havia toda uma atmosfera mais apropriada para estabelecer um adjetivo verdadeiramente pátrio, não serviçal, mas sabe-se lá por qual razão, não foi feito.
Dito isso, que fique bem claro, não há problema algum em usarmos o gentílico ‘brasileiro’. Na verdade, não há uma regra específica, mas uma mera convenção linguística. Gentílicos fora do convencional, como Gaúcho ou Capixaba, por exemplo, não se caracterizam como um desvio gramatical, tampouco linguístico, são plenamente reconhecidos pelas academias, dicionários e normas da nossa língua. Ser diferente também é interessante! A discussão que se dá, em torno do nosso gentílico nacional, é que literalmente somos uma pátria cuja sua origem adota o termo “trabalhador” como identidade, em tese, “deveríamos ter orgulho” disso. A reflexão que fica é a seguinte: O brasileiro é, de fato, um povo orgulhosamente trabalhador, ou historicamente marcado pela exploração do trabalho? Reflita e tire as suas próprias conclusões.
Obrigado pela leitura.