Concorda com o Ygor...?

Ygor Coelho

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Amante da minha língua portuguesa e fã de linguística.Atualizado 2 anos

Qual língua não latina é a mais parecida com o português? Qual é a mais fácil de aprender?

Originalmente respondida: Qual língua não latina é a mais parecia com o português? Qual é a mais fácil de aprender?

Sem dúvidas é a que, por sorte nossa ("nossa" que eu digo é em referência a todos os falantes de línguas latinas), tornou-se a língua franca global depois da 1ª Guerra Mundial: a língua inglesa.

É uma língua germânica, mas, sobretudo no vocabulário menos popular, mais erudito ou técnico-científico, é profundamente influenciada pelo francês e, através da elite anglófona, mas bastante "romanófila" da Renascença para cá, e de contatos com românicos desde a Antiguidade, também pelo latim, de modo que no cômputo total cerca de 50–60% do léxico total do inglês é em última instância de origem latina (até termos que à primeira vista não parecem sê-lo ou nem lembramos que são bem semelhantes a palavras das línguas latinas, como to blame, que é cognato de blasfemar pelo francês antigo blasmer, e very, do francês antigo verai, com o sentido original de "realmente, verdadeiramente", além de exemplos bem interessantes como wall e street, que provêm diretamente do latim de fins da Antiguidade ou início da Idade Média e são nítidos cognatos das palavras vala e estrada no português).

Além disso, a gramática do inglês moderno:

simplificou vários aspectos complexos da gramática do inglês arcaico;

reduziu muitíssimo o uso da umlaut nos substantivos e verbos (presente só em resquícios no idioma, como man x men, e em sing x sang x sung);

regularizou um bocado de mecanismos morfológicos (por exemplo, o plural em -s na imensa maioria dos casos, por total coincidência o mesmo plural em -s que também foi regularizado como regra geral nas línguas neolatinas, pois esses -s, o germânico e o latino, não têm a mesma origem imediata);

abandonou quase totalmente, com poucas exceções (em geral quando se antepõe um advérbio na frase, e.g. never before did I see such a scene) a famosa ordem frasal V2 (ou seja, um verbo vem obrigatoriamente em 2º lugar na estrutura da frase) típica dos idiomas germânicos;

adotou como padrão usado na avassaladora maioria das situações a ordem frasal SVO (sujeito + verbo + objeto), assim como também fizeram as línguas neolatinas (a ordem frasal típica do latim era SOV);

desenvolveu, como outros idiomas germânicos, formas analíticas de tempos verbais muito parecidas com as que também surgiram independentemente nas línguas neolatinas e também não existiam originalmente no latim.

Enfim, o inglês moderno, ao abandonar, modificar e regularizar muitas coisas do inglês arcaico, e as línguas neolatinas, ao abandonarem, modificarem e regularizarem muitas do latim popular mais arcaico, ainda próximo do latim clássico erudito usado nos textos escritos da Roma antiga, acabaram em muitíssimos aspectos convergindo, formando quase que um Sprachbund da Europa Ocidental (ou seja, uma área de coexistência de idiomas muito distintos, com origens diferentes, mas que acabam evoluindo de forma convergente e tornando-se menos diferentes ao longo do tempo por causa de contatos e influências recíprocas muito frequentes).

Nesse aspecto, nenhum idioma aproximou-se tanto da família românica quanto o inglês, a tal ponto que alguns linguistas já chegaram a cogitar que o inglês moderno fosse uma versão "crioulizada" do inglês arcaico sob profunda influência francesa (para profunda discordância da grande maioria dos demais linguistas, mas tem ao menos um fundo de verdade, convenhamos).

Por isso, embora haja notáveis diferenças, é no geral quase "intuitivo" para um falante do português, espanhol ou francês "captar" a lógica do funcionamento da gramática inglesa. Muitas frases podem até ser traduzidas quase que literalmente, por exemplo: The man called his wife yesterday to say something very important. = O homem chamou sua esposa ontem para dizer algo muito importante. A estrutura frasal e a forma de construir a relação entre o sujeito e o predicado e determinar o tempo e o modo verbais são muito parecidas, e sempre haverá várias palavras que soam pelo menos um pouco familiares.

Um adendo final: até mesmo em questões mais específicas de organização da estrutura frasal há uma proximidade especialmente grande entre a gramática do português e a do inglês, mesmo em relação a outros idiomas românicos. Por exemplo, em espanhol o muito comum e até mais gramaticalmente correto é utilizar-se um objeto indireto ou objeto direto preposicionado (o chamado acusativo preposicional ou acusativo pessoal), sobretudo quando este faz referência a um ser humano ou pelo menos algum ser animado, repetindo-se então o objeto com um pronome-cópia: e.g. Yo le dije a Juan que no lo hiciera e Él no lo ha visto al doctor. Isso não existe ou pelo menos é muito incomum e desnecessário no português, assim como no inglês: Eu disse a João que não o fizesse (equivale totalmente ao inglês I told John not to do it) e Ele não viu o doutor (equivale ao inglês He didn't see the doctor).

Outro ponto em que o português naturalmente corresponde mais ao esperado na construção de frases do inglês é nas orações causativas, graças ao infinitivo pessoal do português. Por exemplo, em espanhol você diria Juana hizo limpiar la casa a Gabriel, com o uso da preposição direcional a para indicar quem foi forçado a fazer algo, enquanto em português a frase é exatamente igual, estruturalmente, ao inglês Joan made Gabriel clean the house, isto é: Joana fez Gabriel limpar a casa.

Ygor Coelho
Enviado por Paulo Miranda em 17/04/2023
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