O oprimido voluntário
O opressor português percebeu, desde o início, a importância que as línguas têm na formação do imaginário colectivo. Assim, não foi por mero acaso a proibição, em 1921, do uso de todas as línguas que se achavam no espaço que hoje se chama Angola, excepto a língua portuguesa, claro. Tudo isso fazia parte de uma agenda colonial, de exploração, de separação e de extinção da cultura dos povos autóctones.
Entre aprender as línguas dos autóctones ou lhes impor um novo código linguístico — a língua portuguesa, no caso —, a segunda opção pareceu ao colonizador português muito mais conveniente do que a primeira, já que estava em conformidade com os seus interesses imperialistas. Além disso, sendo a língua um elemento identitário, não faz sentido, na lógica do opressor, adoptar o código de um povo (supostamente) "inferior", "bárbaro", "inculto", entretanto, o inverso acontece. Ou seja, o opressor não toma como sua a língua dos povos supostamente "inferiores", no entanto, estes, os "inferiores", achando um falso prestígio na língua daqueles, sem resistência adoptam-na como seu referencial.
Não é sobre "aprender" uma língua, é sobre controlar o imaginário colectivo dos oprimidos, dando-lhes a falsa sensação de estarem a ser representados pela língua de quem os oprimiu ou oprime. O oprimido, que aqui chamaremos de "oprimido voluntário", não mais se interessa pela dimensão espiritual da sua língua, julgando ser possível que a língua de quem o oprime ocupe tal espaço. Não é sobre "oficializar" uma língua, é, portanto, sobre adoptar a cosmovisão portuguesa.