O Drama Diário do Angolano: pensar numa língua, agir noutra
É indiscutível a pertinência das línguas na circulação dos diversos saberes dentro de uma sociedade. Além disso, no entanto, elas são, segundo o linguista Vaz (1981), veículos por excelência da cultura de um grupo, de um povo.
Mais do que a necessidade humana de se estabelecer contacto, uma língua também diz respeito à essência, à história, à natureza, à realidade, à vida, etc., dos que a usam. Neste caso, concordamos com o postulado de Labov (1972) segundo o qual ela [a língua] não pode ser desassociada dos seus falantes, justamente por fazer parte das suas vidas.
Em Angola, entretanto, as políticas linguísticas caminham, lamentavelmente, numa direcção oposta. Ou seja, há, naquele país, pessoas que pensam e compreendem as leis da natureza nas línguas nacionais, como o Umbundu, o Kikongo, o Kimbundu, etc., porém, por imperativo das instituições monolingues do Estado, são forçadas a materializar as suas ideias numa outra língua. Dito de outro modo, são forçadas a pensar numa língua, o Kimbundu ou outra língua nacional, e executar noutra, o português, única língua oficial e de ensino.
Assim, você já deve ter percebido, querido(a) leitor(a), que essa (triste) realidade constitui um problema que acaba por se reflectir, negativamente, no processo de ensino-aprendizagem, além de perpetuar a exclusão social e a desvalorização das línguas nacionais.
O município de Luquembo, província de Malanje, particularmente nas comunas de Capunda e Caionde, é uma das provas do que se disse acima. Naquelas localidades (aliás, esta é uma das características das zonas rurais de Angola), há muitos estudantes que não se comunicam em português e são forçados, directa ou indirectamente, sobretudo pelas instituições monolingues do Estado, a agir numa língua estranha à sua realidade, ao seu contexto, facto que também acaba por afectar no desenvolvimento do próprio país.
Por outro lado, os professores também enfrentam sérias dificuldades no que ao ensino da Língua Portuguesa diz respeito, visto que têm por missão ensinar uma língua (uma norma, entenda-se) que nem os seus estudantes, nem a população utilizam no dia-a-dia, o que faz com que muitos desses profissionais transformem a aula de Língua Portuguesa num tedioso e infrutífero exercício de ditado gramatical.
Diante de tudo o que se disse, questionamos: como é que haverá direitos iguais se as máquinas burocráticas do Estado são, desde a "independência", monolingues? Como é que se pode falar de qualidade de ensino, sendo que as nossas políticas linguística e educativa são concebidas, desde 1977, para as metrópoles? Com um Estado e suas instituições monolingues, como é que as oportunidades serão dadas justamente?
São questões muito importantes, mas que, infelizmente, não são tratadas, nem na Constituição da República de Angola, no seu artigo 19.°, muito menos na Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino, artigo 16.° (mesmo na suposta revisão), com o rigor que se exige.
Portanto, pelos motivos citados acima e não só, pensamos ser necessário substituir a política linguística vigente por uma que dê valor a todas as línguas existentes no território angolano, e não apenas à Língua Portuguesa, como se verifica desde o tempo em que Angola era colónia de Portugal, pois, se assim não for, continuaremos a verificar este abismo que impede qualquer país de ter um sistema de ensino inclusivo e, consequentemente, desenvolver.