AMO-TE vs. TE AMO: quem deve amar mais?
As línguas tendem a variar quando são faladas por pessoas distintas, tal como aconteceu, por exemplo, com o português em Angola. Nota-se, aqui, um claro distanciamento entre a norma eleita como modelo linguístico e a norma (funcional) que o estudante (e não só) utiliza dentro e fora do ambiente escolar, facto que acaba por influenciar, negativamente, no processo de ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa.
Esta nossa posição está alicerçada, sobretudo, nas teorias labovianas, segundo as quais não existe um falante-modelo, ou seja, não há quem use, em todos os momentos, todas as regras prescritas na gramática normativa. E, para o caso de Angola, também pensamos que "o ideal linguístico, no sentido das regras e princípios que regulam o funcionamento da língua, muitas vezes sem se proporem a fornecer uma explicação[...], nunca é integralmente abarcado e dominado pelos falantes, mesmo pelos mais cultos e literatos" (Adriano, 2015, p. 51).
A partir do que se disse acima e tendo em conta as conclusões do censo de 2014, é lícito afirmarmos que muitos estudantes em Angola, na aprendizagem da norma-padrão, entram, constantemente, em conflito cognitivo, psicológico, sociocultural, enfim, por se verem forçados a usar uma norma que lhes é estranha, que não configura, em última instância, as realidades sociolinguística e sociocultural em que pertencem.
Na escola, o estudante aprende que só se deve dizer, a título de exemplo, "AMO-TE", com o pronome depois do verbo, enclítica, e nunca o contrário, TE AMO, mormente nas frases sem os famosos atractivos pronominais. Todavia, essa é uma regra que contrasta com a realidade linguística do nosso país, logo, não faz sentido exigir que todos falem, em todos os momentos, daquela forma.
Os guardiões dessas regras esquecem-se, grosso modo, de que (i) a língua deve ser contextualizada, (ii) essas regras foram concebidas por pessoas antropológica e linguisticamente diferentes das que as aprendem hoje e que (iii) não existe quem as use, da mesma forma, em todos os momentos, portanto, é preciso cautela no seu ensino.
Precisamos de rever as metodologias aplicadas ao ensino da Língua Portuguesa em Angola, precisamos de reconhecer que os actuais métodos não reflectem a realidade, o contexto de quem aprende. A regra mencionada acima, que já não faz muito sentido no Brasil (na escrita e na fala), como afirmam vários linguistas, dentre eles Bagno (2003) e Perini (2005), diz respeito, para o nosso caso, à teoria, ao ideal linguístico, como se disse acima, uma vez que tudo é completamente diferente no plano funcional da língua, aquele que envolve o estudante (e não só) dentro e fora do ambiente escolar.