Tabus Linguísticos (por Caetano de Sousa J. Cambambe)

Muitas vezes fomos repreendidos por termos usado expressões ou palavras que a sociedade conotou como sinónimo de falta de educação, moral, ética, mas que a gramática, nalgumas excepções, pouco as alia a isso, demonstrando que não há nada de errado ao falar assim, embora ao nível social possa ser visto como uma grosseria.

Palavras há que, quando bem contextualizadas, deixam de ser ofenças e sinónimo de falta de educação, e passam, à semelhança doutras, a assumirem também um valor gramatical.

Como exemplo disso, temos as seguintes:

a) merda;

b) caralho;

c) puta;

d) foda-se;

e) porras; etc.

Essas palavras, como todos nós sabemos, por uma questão de boa educação, a sociedade proíbe e condena o seu uso, alegando que sejam pejorativas, ofensivas.

A sociedade acerta, por um lado, quando afirma isso, e erra, por outro lado, quando só vê negatividade nessas palavras. Se figurarem como nomes ou adjectivos (a depender do contexto, pois há contextos em que, embora figurem como nomes ou adjectivos, não transmitem ofenças), sim, passa a ser pejorativo; mas se figurarem como interjeições, não, não passam, a partir do momento que o falante saiba adequar o que fala à circunstância comunicativa.

Alguns falantes, instruídos como não, as utilizam não necessariamente com o objectivo de "ofender", conforme diz a sociedade, mas sim para exprimir as suas emoções, sentimentos, já que tradicionalmente é o que desempenha as interjeições, mas só que esse sentimento ou emoção passa a ser ver visto e analisado de acordo com o momento de enunciação ou circunstância comunicativa.

SOBRE ‘’PUTA’’

"Puta", enquanto adjectivo de dois géneros (dois números), ‘’é um termo que se emprega antepositivamente como hiperbolizante, no sentido de grande, enorme, fantástico, excelente, sensacional'’, etc. (Cf. Dicionário Houaiss)

Exs.:

(i) Deu uma PUTA festa de aniversário; (apud Houaiss)

(ii) Ela é uma PUTA amiga; (idem)

(iii) Fazíamos umas PUTAS farras na casa do Laurindo.

Sobre "CARALHO"

O vocábulo acima mencionado, ‘’caralho’’, para além de ser conhecido pelo seu sentido pejorativo (enquanto um nome masculino), hoje vamos aprender umas das suas demais acepções:

Em certos casos, ele pode ser entendido como uma interjeição, remetendo-nos para as ideias de ‘’admiração’’, ‘’entusiasmo’’ ou de uma ‘’indignação’’.

Eis os exs.:

(iv) Caralho, que dia triste!;

(v) Caralho, hein!

Caralho (para ou p'ra caralho), enquanto uma locução, indicará os seguintes valores semânticos: muito, demais, extremamente, em grande quantidade, etc. (idem)

Exs.:

(vi) O Gustavo gostou do meu livro p'ra caralho;

(vii) Veio gente p'ra caralho à apresentação; (apud Houaiss)

SOBRE PORRA

De a cordo com o Dicionário Houaiss, eis as acepções do vocábulo ora mencionado:

• Substantivo feminino: algo muito ruim; porcaria; merda.

(viii) Vou jogar fora esta porra deste telefone celular.

• Interjeição: expressão de surpresa; espanto; etc.

(ix) Porra! que carrão você comprou!

Expressando uma reacção de dor ou aborrecimento:

(x) Porra! quem deixou essa pedra no caminho?

Houaiss (s/d) afirma ainda que ‘’no Brasil, esta palavra tabuística é mais típica da linguagem masculina informal e usa-se:

1) No final de uma frase como recurso enfático, para dar mais força ao enunciado.

(xi) Justina, faz o que eu disse, porra!

2) Como marcador frasal, colocado no final de certas unidades, como orações, frases, períodos, sem finalidade de ênfase’’.

SOBRE MERDA e FODA-SE

Merda e foda-se, como interjeições, também têm sido utilizadas com quase os mesmos valores de "porras" e "caralho", exprimindo, nos contextos em que aparecem, os sentimentos de indignação, surpresa, espanto.

Como nada na língua é por acaso e que tudo na língua vale alguma coisa, isto a depender da situação, em contextos informais de comunicação, já que a própria língua admite os registos linguísticos, não há erro algum (ou falta de educação) ao utilizar aquelas interjeições, embora já tenhamos sido habituados pela sociedade a olhar para isso como um ‘’tabu linguístico’’ (algo que não se diz), como sinónimo de falta de educação ou letramento.

Há níveis de língua, sobretudo os formais, em que não se admite isso. Mas como o que não vale num nível pode valer noutro, então pode ser utilizado, desde que saibamos adequar o que falamos à situação comunicativa (cf. Competência comunicativa).

Dizer aquilo vale? Sim, vale, no momento certo e com pessoas certas. Num encontro de amigos da nossa inteira intimidade e ao nível informal (contexto em que não se exige muita correcção e pureza gramaticais), podemos, por exemplo se a nossa equipe estiver a perder, dizer:

‘’Porras, meu D' Agosto não pode fazer isso comigo!’’

Reparemos que "porras", naquele contexto, é uma interjeição. E como todos nós sabemos, essa classe de palavras exprime algo e, consequentemente, "porras" aí não foge à regra, que passa a exprimir "indignação" ou "aborrecimento" pelo facto de o clube de alguém estiver a perder.

Em suma, adequando o que falamos ao meio e às pessoas, a noção de grosseria, erro, falta de educação, etc., passam a ser inexistentes.

CaetanoCambambe
Enviado por CaetanoCambambe em 01/10/2017
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