Variação adverbial negativa em Angola: não, nu, nó e num (por Caetano Cambambe)
A partícula adverbial negativa "não", nalgumas partes de Angola, parece que se está tornar variável na fala.
Por que variável?
A Norma Oficial decreta que se deve falar e escrever "não", e isso, segundo o que temos constatado, tem-se dado mais crédito, segundo o falar de alguns, à ortografia em detrimento da fala. Ou seja, escreve-se NÃO, todavia, nalguns contextos e por alguns falantes, fala-se uma outra coisa que chega a ser diferente da escrita.
Como não existe uma única norma para fala, pensamos ser normal que exista, no nosso país, diferentes formas de falar uma só palavra, embora a escrita seja a mesma, uma vez que, segundo Mia Couto (apud Cavacas e Gomes, 2005, pág. 102) ) e referindo-se ao português falado em Moçambique, ‘’o meu país [à semelhança de Angola ] é um território de muitas Nações. O idioma português é uma língua de uma dessas nações - um território cultural inventado por negros urbanizados [...]‘’.
Servindo-me das palavras dele, apraz-me dizer que a Língua Portuguesa falada em Angola reflecte cada cultura, cada educação e realidade etnolinguística dos utentes que a utilizam, demonstrando algumas interferências gramaticais dessas línguas bantu locais no português falado e escrito no nosso país, já que o português é, e isso é verdade, uma das demais línguas existentes e faladas em Angola, embora gozasse de prestígios por questões políticas.
Sendo-a, deve ser moldada e ensinada de acordo com a realidade social e etnolinguística dos falantes dessa terra chamada Angola, e não de acordo com indivíduos que não vivem num continente como África, Europeus, e num país como Angola, Portugal.
No Norte do país, aquele advérbio tem sido desnasalado, chegando a variar, na fala de alguns, em ‘’nu’’ e, às vezes, ‘’num‘’ - e com uma nova nasalisação.
Já no Sul do país, a realidade é outra, pois, e talvez uma grande influência do umbundismo, alguns falantes tendem a dizer ‘’nó’’, isto é fechando-o , ao contrário de "nu", que é aberto no Norte.
É muito comum, nalguns falantes do grupo etnolinguístico Ovimbundu, ouvirmos o seguinte:
- Nó sei;
- Nó quero.
Já nos do grupo Ambundu, o seguinte:
- Nu sei;
- Num quero.
Como referem Edite et al (2014, pág. 317):
‘’As questões da <correcta pronúncia colocam-se num plano diferente da correcta grafia>. O código da escrita difere do código da oralidade. Mais exigente o primeiro [o escrito], mais flexível o segundo [o oral] (...)‘’.
Já que existe uma diferença entre as regras da escrita e da fala, convém-nos dizer que, quanto à fala, devemos ser tolerantes, uma vez que não existe uma regra exacta para uma prosódia gramatical, tal como salientam aquelas autoras, até porque concorrem inúmeros factores de ordens biológicas, regionais e psicológicas nas nossas falas.
Portanto, podem existir inúmeras formas de falar/pronunciar, mas que, quanto à escrita, deve existir (unica e simplesmente) uma só forma, pelo simples facto de se querer preservar o código ortográfico oficial (válido mundialmente) e facilitar a transmissão de uma comunicação gráfica.