Por que não falo sobre o "certo" e o "errado"? (por Caetano de Sousa J. Cambambe)

Tem sido um prazer enorme, pelo menos para mim, estudar a língua viva, acompanhando a sua mudança, variação e as novas normas utilizadas. Ao contrário de muitos, quanto à língua falada, o meu estudo é baseado na Linguística Descritiva, Gramática Descritiva e na Sociolinguística, que são ciências da linguagem, a fim de estudar e descrever as novas tendências sociolinguísticas e comunicativas dessa nossa bela e amável língua, marcado também com um pouquinho de tolerância linguística.

Por que estudo descritivo?

Já não me sinto na qualidade de estar a falar do correcto & errado. Sinto ser uma noção dicotómica muito cômoda, limitada, que não nos permite analisar os primeiros princípios linguísticos até às causas últimas de certas realizações linguísticas. A resposta que obtemos da detentora do correcto & errado, ilustre senhora Gramática Normativa, quanto ao uso da língua falada, é muito pobre, vazia de argumentação, é superficial, que não nos permite ir além dessa barreira correcto|errado, e disso eu e a ciência não queremos.

Por que estudo descritivo?

Em termos de Ciência da Linguagem, Angola, diante do Brasil e Portugal, encontra-se numa posição muito ínfima: quase nada se produz a respeito. Devo dar os meus parabéns aos cientistas Márcio Undolo e Paulino Soma pelos bons trabalhos descritivos colocados à nossa disposição - estávamos mesmo a precisar. Além disso, os estudos aqui feito, uma vez que me parece haver mais estudantes preocupados com a reprodução das regras baseadas no português europeu (falado por indivíduos cujos modificador gentílico é "portugueses/Português") e tentar tapar o sol com a peneira no que à realidade sociolinguística angolana diz respeito, são mais normativos (não científicos) que descritivos (científicos), o que não seria assim, daí a contradição entre quem analisa a língua num prima científico e quem está mais preocupadado com o certo & errado. O que se deve fazer, e concordo com os linguistas Amélia Mingas e Paulino Soma, são estudos descritivos, isto é, recolher, tratar e analisar a língua falada em Angola, que nunca foi portuguesa (no sentido de pertença), devido a "n" situações de ordens social, económica, cultural, etnolinguística, etc., locais. Deve-se fazer um levantamento sobre a língua falada pelos Angolanos, como falam, que regras usam, enfim, a fim de conhecermos a língua portuguesa falada em Angola e pelos indivíduos que cá vivem. A ser assim, como angolano que sou, meu grande objectivo é estudar, conhecer, compreender, analisar e, quando me for solicitado, tentar explicar esse jeito diferente, o que não erro, de os Angolanos falar.

Por que descritivo?

Angola não é um país monolingue. É, e todos sabemos disso, um país multilingue. Com isso, pretendo dizer-vos que a Língua Portuguesa, em Angola, não é a única. Ela vive com as verdadeiras línguas de raízes angolana(s): falo-vos das Línguas Bantu de Angola, aquelas línguas que a Língua Portuguesa, ao instalar-se aqui, as encontrou. Dito isso, há uma tendência enorme de existir, por intermédio do contacto entre essas línguas - já que vivem no mesmo território, um uso linguístico condicionado. Isto é, algumas línguas se vão interferindo nas outras, desviando-a da sua Norma Oficial já estabelecida, terminando muitas vezes, diante da sua gramática externa, um pouquinho diferente. Assim sendo, notar-se-á interferências ao nível sintáctico, morfológico, semântico, prosódico, lexical, pragmático, etc., resultando da mistura de 9 línguas numa só: são tantas gramáticas sobrepondo-se às regras de uma língua.

Estabelecendo tudo isso, é-me complicado falar do correcto|errado, mormente na fala, uma vez que uma boa parte de nós, sendo falante ou não de línguas bantu, devido à nossa educação não formal linguística, tem um pouquinho de algumas interferências das línguas bantu.

Por exemplo, é comum ouvirmos PLURAL vs. SINGULAR (os menino), FEMININO vs. MASCULINO (caixa preto), SUBSTANTIVO PLURALIZADO vs. ADJECTIVO SINGULARIZADO (casas bonita, filhas linda, roupas cara, saias curta, sapatos preto, casas feia... ), etc., denunciando um atropelamento das normas de concordância do português, mas que em bantu se fala assim, se fala!, e que nenhum erro há, não há!

E é assim que a nossa língua portuguesa se vai sendo falando: dividindo a mesma gramática com as outras. E essa forma diferente de falar carece de estudos. E quem a vai estudar?

CaetanoCambambe
Enviado por CaetanoCambambe em 08/03/2017
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