A gente fala latim sem notar (por Caetano de Sousa João Cambambe)

Não tenho assim tanto domínio da língua latina. Mas pelo que aprendi com o Dr. Talango e por intermédio de algumas pesquisas feitas sobre o funcionamento da língua latina, qualquer coisa deu para captar.

Alguém aí sabe orar o pai nosso (pater noster) em latim? Se sabe, você lembra-se das palavras "tuum", "adveniam", "panem"? Como é que se pronunciam?

Depois do poder marítimo, qual foi a denominação que o exercíto romano atribuiu ao mar mediterrâneo? Você sabe como pronunciar aquelas palavras em latim?

Como se diz, em latim, humano? Você sabe?

Como se pronunciam ‘’litterarum’’, ‘’copiarum’’, ‘’bellum’’, ‘’angustiarum’’, ‘’puellarum’’, ‘’dominum’’, etc.? Você sabe?

Embora a maior parte das palavras acima tenha(m) as desinências em UM, AM, EM, na pronúncia, acrescenta-se um E no final de cada palavra.

Todas aquelas palavras são pronunciadas com um E (às vezes com o valor fonético de I) no final da palavra, como se tivessem, na escrita, grafadas com o E no final.

Assim, prosodicamente, temos: ‘’tuumE’’, ’’bellumE’’, ‘’maremE’’, ‘’humanumE’’, ‘’nostrumE’’, ‘’copiarumE’’, ‘’dominumE’’, enfim. Reparem que na escrita aquelas palavras não são grafadas com E final, porém, na pronúncia, faz-se questão de as pronunciar como se tivessem escritas com um E final.

Com tudo isso, simplesmente queria dizer-vos que, no português falado em Angola, há uma tendência de se aplicar uma vogal (a, e, u, i, ) no final de certas palavras que, graficamente, não a possuem. Portanto, acontece mais com verbos no infinitivo. A título ilustrativo, temos:

IrE;

IncendiarE/i;

BeberE;

ChuparE;

FalarE;

DarE/i;

AmarE.

Em certos casos em que acontece isso, a gente até chega a falar latim sem perceber. Para comprovar, vamos colocar as mãos na massa:

Você conhece, por exemplo, aquela música de Ary Homem com a participação de Edmi(í)lson Lagueta? Vamos mandar aí um excerto para vermos se vocês podem reconhecê-la:

(...) more

Vamo só se amare (...)

(...)

Ora, no excerto acima, é possível encontrarmos o verbo amar, pois não? Embora em português no infinitivo tal verbo não tenha desinência em E, já no excerto musical, a gente encontra a presença de E. Assim, aquele verbo deixa de pertencer à nomenclatura verbal portuguesa, passando a fazer parte dos verbos latinos. Em outras palavras, o verbo amar, em latim, é ‘’amare’’. Como se denota acima, aquele músico, sem saber, já estava a falar latim em vez de português, por ter simplesmente empregado um E final no infinitivo daquele verbo.

Morfologicamente, em latim, o verbo ‘’amare’’ é constituído pela seguinte estrutura:

Am > radical; a > vogal temática; re > desinência verbal.

Portanto, ao analisar casos como esses, há que se levar em conta muito do que se disse aqui, para que não se faça correcções à toa. É necessário explicar o fenómeno que se faz presente, compará-lo com outras línguas. Outrossim, o português ainda é, nos dias de hoje, um latim mal falado.

CaetanoCambambe
Enviado por CaetanoCambambe em 05/11/2016
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