Preguntar é português? Sim, é português (por Caetano de Sousa João Cambambe)

Estava, embora não seja habitual, na rua conversando com algumas vizinhas. No diálogo, havia uma que repetia sempre "pReguntar", "pReguntar", enfim.

Na qualidade de estudante e professor de Língua Portuguesa, percebi o que na realidade queria dizer: perguntar. Não me pus a sorrir, tal como fazem os outros, simplesmente quando alguém apresenta um falar diferente.

A pessoa que falava aparentava ter trinta e tal anos de idade, de escolaridade e status social baixo. Sei que pessoas do tipo dela, diante dos mais escolarizados, mais bem sucedidos economica e academicamente, sofrem preconceitos: social, económico, escolar, cultural, enfim; porém, o que as pessoas menos dão credito, leitores, é o preconceito ‘’linguístico’’.

Como tenho estudado afincadamente os processos fonéticos que contribuiram para formação do português padrão a fim de compreender a fala, notei que a metátese, naquele caso, se fez presente. Além disso, tenho um irmão que diz "dRomir" em vez de "doRmir". Nas duas palavras, como se pode imaginar, ocorreu aí um processo fonético chamado metátese.

Vamos tentar explicar o fenómeno linguístico:

Em pReguntar, verifica-se um deslocamento de um seguimento fónico, uma alteração, na estrutura real da palavra, para um outro lado. O R deslocou-se do seu lugar a fim de aparecer antes do E. Por exemplo, em peRguntar, nota-se que o R está depois do E (peR), assim fica na estrutura normal. Todavia, na fala, às vezes se faz a deslocação do R para antes do E (pRe), alterando a sua estrutura inicial, ficando, na pronúncia, pReguntar. A esse deslocamento de um seguimento fónico para o outro, dá-se o nome, como já vimos, de metátese. O mais surpreendente é que, embora se diga pReguntar, os falantes não registam tal vocábulo no plano gráfico da língua.

Em dRomir acontece o mesmo. Em vez do R aparecer depois do O (doR), aparece antes dele (dRo). Ou seja, passou a perna ao O. O o, coitado, passou a ver fumo, pois a sua posição foi "usulpada", "ocupada", etc., pelo general R.

Fenómenos como esse, amigos, verificou-se na fase em que a língua portuguesa autonomizava-se, ou seja, quando saía do latim a fim de se tornar uma língua independente, autónoma, etc. Embora estejamos numa época em que o português seja moderno, ainda é recorrente, na fala do angolano e não só, os processos pelos quais passou no passado.

CaetanoCambambe
Enviado por CaetanoCambambe em 05/11/2016
Código do texto: T5814042
Classificação de conteúdo: seguro