Rotacismo: o que é? (por Caetano de Sousa João Cambambe)

O correcto de ontem é o errado de hoje. O errado de hoje será o correcto do amanhã!

Ouve-se, em Angola, sobretudo em pessoas de classe escolarizada alta e não só, a troca de L, por exemplo, por R. Algumas pessoas quando se deparam com isso, é o caso dos mais escolarizados, tendem a rir e desrir como se de um filme de comédia ou de uma peça de teatro cómica se tratasse.

‘’Tenho-me esforçado por não rir das ações humanas, por não deplorá-las nem odiá-las, mas por entendê-las. ’’ - Espinoza

É comum, e essa é a nossa realidade, julgarmos as pessoas por um simples ‘’abrir a boca’’. A fala, actualmente, desempenha um papel bastante assustador para classificação de qualquer indivíduo. Pessoas preconceituosas têm isso como um objecto principal a fim de julgar as pessoas pelo simples facto de possuir um falar diferente dos demais. Através da fala, nota-se a exclusão social, fazendo com que a pessoa sinta-se como se fosse uma ilha, embora estivesse rodeada por pessoas.

Por aqui, basta-se dizer ‘’Marria’’ em vez de ‘’Maria’’, a primeira intenção que aparece na mente da pessoa preconceituosa, é que é mais um ‘’langa’’ diabulando por algumas artérias do nosso país. Sem um conhecimento profundo, a conclusão preconceituosa e bastante preocupante é aquela a que se chega.

O que certas pessoas não sabem, é que, do ponto de vista científico e não preconceituoso, a transformação de uma letra em outra, a troca de uma letra por outra, a adição de uma letra à palavra, quer seja no princípio, ao meio ou no final; a supressão no início, ao meio e no final da palavra; a nasalização e a desnalização de uma palavra; o deslocamento de um segmento silábico para outro, tem, decerto, linguisticamente, uma explicação científica. Por intermédio da Psicologia, História, Sociologia, Geografia, é possível obtermos respostas precisas sobre assuntos deste índole.

Vamos analisar, cientificamente, algumas palavrinhas mais constantes nalguns linguajares e ‘’que o grande Luís de Camões também sofria desse mesmo mal, já que ele escreveu ingRês (em vez de ingLês ), pubricar (em vez pubLicar ), pranta (em vez de pLanta), frauta (em vez de fLauta), frechana obra que é considerada até hoje o maior monumento literário do português clássico, o poema Os Lusíadas’’ (Bagno, 2007, pág. 39):

SaRdo, cuRtura, baRde, cuRpado, *aRguém e cRiente.

Ora, nas seis (6) palavras em apreço, nota-se, grafica e prosodicamente, a presença de R em vez de L, visto que o padrão culto da língua simplesmente registou saLdo, cuLtura, baLde, cuLpado, aLguém e cLiente com L e não R.

Sobre cuRtura, encontramos, num dos livros daquele que, actuamelnte, é visto como um dos mais purista e preconceituoso no que à língua portuguesa em Angola diz respeito, o seguinte:

‘’(...) CuLtura que se pronúncia e se escreve com letra L e não R (...)’’. (Almeida, 2011, pág. 13)

Na formação da língua que hoje utilizamos, a portuguesa, esse caso verificou-se indubitavelmente nalgumas palavras. Há muitas palavras que hoje escrevemos e pronunciamos com L, mas que no passado, na época em que a língua estava em desenvolvimento (e que ainda continua ), eram grafadas e lidas, à semelhança de saRdo, cuRpado, etc., efectivamente com R. Em outras palavras, houve uma troca de L por R. A isso, a Linguística Moderna, ciência responsável pelo estudo da linguagem verbal, dá o nome de ‘’rotacismo’’, que consiste na troca de L por R.

‘’Na visão preconceituosa dos fenômenos da língua, a transformação de L em R (...) é tremendamente estigmatizada e às vezes é considerada até como um sinal do “atraso mental” das pessoas que falam assim. Ora, estudando cientificamente a questão, é fácil descobrir que não estamos diante de um traço de “atraso mental” dos falantes “ignorantes” do português, mas simplesmente de um fenômeno fonético que contribuiu para a formação da própria língua portuguesa padrão. (Bagno, 2007, pág. 38)

Embora o português moderno passou a ser falado a partir do século XVI, alguns fenómenos pelos quais passou, e importa aqui nos conscientizar de que, em pleno século XXI, ainda se assiste a casos em que tais fenómenos linguísticos ainda continuam vivos. ‘’Não se pense, contudo, que o estabelecimento do português contemporâneo significou o término destes fenómenos evolutivos. Relembrando que a língua é um instrumento em constante evolução, alguns destes fenómenos continuam bem vivos e surgem, na oralidade, com uma interactividade surpreendente ‘’. (Matos, 2012, pág. 47)

Quem tem sido vítima do preconceito linguístico actualmente em Angola, é o senhor Bento dos Santos Kangamba, empresário e político, por demonstrar algumas construções frásicas orais que, segundo alguns preconceituosos, fere a integridade do bom corpo da língua portuguesa. Prometemos, em breve, pronunciarmo-nos a respeito.

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Referências bibliográficas:

ALMEIDA, José Carlos. (2011) Enxaguado & Ensaboado - Língua Portuguesa & Etiqueta. [s.l]

BAGNO, Marcos. (2007) Preconceito linguístico - o que é, como se faz. 49a. ed. São Paulo: Editora Loyola.

MATOS, João Carlos. (2012) Gramática Moderna da Língua Portuguesa. 2a. ed. Lisboa: Escolar Editora.

Por Caetano de Sousa João Cambambe.

CaetanoCambambe
Enviado por CaetanoCambambe em 28/10/2016
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