O verbo ‘’cortejar’’ no português falado em Angola (por Caetano de Sousa João Cambambe)
O português africano, mormente o falado na República de Angola, está em constantes actualizações. Cada segundo que passa, cada minuto que passa, cada hora que passa, cada dia que passa, mais de lado está a deixar a língua portuguesa de Portugal, procurando, deste jeito, autonomizar-se. As características próprias, mormente os casos semânticos, lexicais, prosódicos, sintácticos, morfológicos, etc., distanciam-no das demais nações usuárias da língua de Camões e, por certo, conferem-lhe uma cara própria, uma identidade, uma imagem nítida que o deixa mais belo, mais elegante, mais charmoso, mais doce, enfim.
Algumas palavras utilizadas em Portugal, em Angola acabaram por ganhar novas características prosódicas e semânticas. Nalguns casos, chegam mesmo a assumir valores morfológicos e semânticos que antes não assumiam e que, efectivamente, tornam as duas línguas – Português Angolano e Europeu – nalguns casos , totalmente discrepantes.
Em Angola é habitual, em quase todos os lares, o uso do verbo «cortejar» sempre que o assunto é, nalguns casos, «confeccionar» alimentos. Nas nossas cozinhas, os legumes, a carne e as hortaliças são cortejados. Para que o tomate seja posto dentro da panela, é necessáriro que seja antes «cortejado», pois há mães que chegam até a questionar:
- Você não «cortejou» bem o tomate por que razão?
Parece – e essa é a nossa opinião – que o verbo «cortejar», no caso, ganhou um outro valor semântico. Valor este que só, de acordo com alguns dicionários, o verbo «esquartejar» ganharia. É impressionante!
De acordo com o Houaiss, dicionário electrónico da língua portuguesa, o verbo «cortejar», semanticamente, equivale a:
- Quando transitivo directo:
1. tratar (alguém) delicadamente, com cortesia, educação;
Ex.: logo que chegou à casa do amigo, cortejou-o.
1.2 fazer a corte a (mulher); lisonjear, galantear.
Ex.: galante, cortejou todas as mulheres da festa .
Era suposto, tal como os exemplos nos mostram, que o verbo em estudo, «cortejar», fosse empregado tal como se fez alusão; porém, não é, nalgumas ocasiões, o que acontece em Angola. No sentido em que foi usado anteriormente, falo praticamente do primeiríssimo exemplo, não há uma explicação, de acordo com os materiais que tive acesso, a respeito; todavia, o seu uso, em Angola, fez com que ganhasse um outro valor semântico ao nível local, o valor de «esquartejar». Por ora, não se sabe se, em Portugal, para o caso que fizemos alusão no início da publicação, faz-se o uso do verbo «cortejar» no lugar em que simplesmente pertenceria ao verbo «esquartejar».
Ex.: «corteja (esquarteja)» já o tomate.
Era – e o mais correcto – que se fizesse o uso, conforme alguns dicionaristas defendem, do verbo «esquartejar» que, semanticamente, equivale a «cortar em partes ou postas», «espostejar», «retalhar», «quartejar». Assim, a cebola e o tomate «esquartejar-se-ia», mas não é o que tem acontecido nalgumas cozinhas de Angola. Por aqui, quase tudo, em termos alimentares, é «cortejado».