Quem disse que só o "tenho" pode "ter" e que o "vou" não pode "ir"? (por Caetano de Sousa João Cambambe)
Para (*) Edite Estrela et al (2014:76), 'a conjugação perifrástica é constituída por um verbo principal no infinitivo ou no gerúndio e por um verbo auxiliar, traduzindo as seguintes ideias: necessidade, disposição ou resolução, proximidade da realização, realização gradual da acção, realização prolongada da acção e futuro imediato'.
Em outras palavras, entende-se por conjugação perifrástica, ou seja, locução verbal a constituição de um núcleo formado por dois verbos, em que um assume a função morfológica de auxiliar e o outro a de principal.
Há locuções verbais em que aparece um só verbo. Não é coisa para espanto, caro leitor, pois esse mesmo verbo transforma-se em dois, qualquer coisa parecida. (risos) Isto é, assume o valor de auxiliar e principal ao mesmo tempo. Isso, de facto, não é motivo para tanta dor de cabeça, visto que há, na nossa língua, verbos que aguentam dormir com duas mulheres ao mesmo tempo. Ou seja, é simplesmente um homem que se reparte em dois e que vai dormir em Malanje e em Luanda (ao mesmo tempo), embora o verdadeiro fosse aquele que esteja em Luanda, tal como vimos no filme 'Matrix', em que o rei "subdividiu-se" em vinte ou trinta sei lá que... (risos)
No português contemporâneo, tem se usado muitas perífrases verbais (é o mesmo que locução verbal) com o propósito de se exprimir um futuro imediato, no caso da locução "vou ir". Há, também, o emprego de verbo no futuro. Todavia, as locuções verbais têm sido muito usuais, não só em Angola como também no Brasil. Falando em Brasil, os puristas de lá, segundo alguns amiguinhos linguistas que lá tenho, é o caso de Léo, tendem também considerar como erro a perífrase verbal perfeitamente grafada "vou ir".
Quem diz, e essa é a nossa opinião, que ‘’vou ir’’ é redundância ou erro, meu (minha) caríssimo(a) leitor(a), só demonstra o seu mais profundo desconhecimento da gramática e da Linguística. Se as estudou, então, 'malmente mal’ fê-los.
Você sabe como são formados os tempos ’’pretérito perfeito composto’’, ‘‘pretérito mais-que-perfeito composto’’ e ’’futuro composto" do verbo "ter" nos modos indicativo e conjuntivo? Então, como se forma? Se a própria gramática admite isso, então, não há motivo por que se deve considerar o ‘’vou ir’’ como uma construção agramatical e redudante, pois ela respeita a formação perifrástica.
Em locuções como aquela, o verbo apresenta o seu papel semântico pleno quando está, é claro, na posição direita, reforçando, expressivamente, a ideia anunciada pelo seu auxiliar, remetendo, pois, para um futuro imediatamente imediatíssimo. (risos)
Em frases em que aparece a perífrase verbal ‘‘Vou ir’’, o falante deixa claro a ideia, tal como em algumas perífrases acontece, de um futuro imediato, embora apareça, na construção sintáctica, um só verbo com duas funções: auxiliar e principal.
De acordo com (**) Cláudio Moreno (2011:228), actualmente, recorre-se muito à conjugação perifrástica, em muitos casos, para se expressar o futuro através de uma locução verbal formada pela seguinte estrutura:
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VERBO IR (indicativo, tempo presente) + QUALQUER VERBO NO INFINITIVO
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Desde que a mensagem seja transmitida e que o destinário compreende-a, qualquer verbo pode ocupar aquela vaga. (risos)
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IR +?
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É o caso de ‘’vou vir’’, que muitos, inclusive José Carlos de Almeida, consideram como erro. Erro?! Não! Errado é a forma menos reflexiva, filosófica, linguística e gramatical que muitos analisam certos casos linguísticos.
Por exemplo, em ‘’há-de haver’’, ‘’tenho tido’’, etc., passam pelo mesmo processo. Em frases em que elas constam, só demonstram os valores que em tais contextos assumem.
Actualmente, o verbo ‘’ir’’, ao que nos parece, está na lista dos auxiliares verbais mais bem usado (s), quando a gente deseja referir-se a um futuro perifrástico.
Não há, claramente, uma ideia de agramaticalidade ou de redundância, pois locuções como aquelas, simplesmente obedecem à regra perifrástica que as demais locuções cumprem.
Construções como ‘’há-de haver’’, ‘’vou vir’’ e ‘’vou vir’’, para Cláudio Moreno (2011), ‘’erradas não são; podem soar ainda um pouco estranho para muitos, mas outros já se acostumaram a elas (...)" pág. 229.
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(*) Edite Estrela et al, Saber Falar Saber Escrever, 2014.
(**) Cláudio Moreno, Guia Prático do Português Correcto, 2011.
Por Caetano de Sousa João Kambambe (doravante Caesoujoka).