Latim - Tópicos avançados
Latim - Tópicos avançados
Introdução
Conhecer o objetivo que se quer atingir em um empreendimento é
condição básica para que este seja realizado a contento. Considerando
que o curso de Letras é primariamente voltado para a licenciatura, é
imprescindível ter consciência da importância e da utilidade do estudo
de Latim para a formação dos futuros professores.
Não é novidade que vivemos uma crise educacional, difundida
pela mídia quando se fala dos resultados de pesquisas ligadas ao
desempenho dos estudantes. Contudo, vale lembrar que, mesmo antes
se tornar facultativo o ensino de Latim, já se fazia sentir uma crise no
aprendizado, situação creditada pelos especialistas à desvalorização dos
estudos latinos. Napoleão Mendes de Almeida, na introdução ao seu
livro Noções fundamentais de língua latina – curso completo para as 4
séries ginasiais (1959), enfatiza a importância dos estudos da língua
latina para um melhor desenvolvimento do raciocínio e da
concentração. Segundo ele, o Latim, considerado por muitos como a
Matemática das Letras, era um instrumento de valor imensurável no
desenvolvimento do espírito analítico, sendo também útil para o
exercício da calma e da ponderação, qualidades desejáveis para um
cidadão de bem.
Esta forma de se encarar os estudos de latim ainda é defendida
na atualidade por alguns saudosistas. Contudo, há também duas
outras possibilidades de se encarar o latim como disciplina. Na primeira
corrente encontram-se os imediatistas, para quem o ensino de línguas
dispensa o conhecimento do passado destas, justificando que hoje os
saberes devem ser mais pragmáticos e sucintos. De outro lado,
propostas mais realistas oferecem noções básicas da língua latina
visando a auxiliar na compreensão de expressões latinas bem como
esclarecer fatos e palavras da língua portuguesa.
Uma pesquisa feita com estudantes de Letras da UFSM
(Universidade Federal de Santa Maria – RS) constatou que o mito do
desenvolvimento da inteligência por meio do latim não está totalmente
descartado. De acordo com as respostas coletadas, parece que os velhos
mestres não estavam totalmente enganados a respeito da grande ajuda
do latim para a formação dos estudantes.
Não obstante, há que se considerar que, de acordo com a autora
da pesquisa, os professores daquela universidade procuram
desvencilhar-se do ensino puramente gramatical, procurando adequá-lo
à realidade por meio de uma metodologia atualizada, que se vale de
recortes de vários autores e propostas de ensino que fogem de técnicas
memorísticas sem vínculo com os demais elementos da cultura e da
civilização.
Assim, parafraseando o título de Sírio Possenti – Por que (não)
ensinar gramática – pode-se afirmar que não se deve estudar latim de
maneira descontextualizada, apenas decorando-se casos e declinações
de modo isolado, sem nenhuma ligação com a realidade atual. Por outro
lado, deve-se estudar latim com o objetivo de melhor conhecer a língua
portuguesa. Para isso é necessário que haja contextualização do estudo
e utilização de metodologia adequada, requisitos que podem ser
preenchidos com o auxílio das novas teorias de ensino e aprendizagem
de língua, desenvolvidas no campo da Linguística Aplicada. De igual
modo, o estudo do latim pode contribuir para fornecer bases sólidas
para estudos históricos da língua, estudos de análise sintática, estudos
literários e de crítica literária e até mesmo estudos sociolingüísticos.
Com base nessas premissas, o estudo de latim deve principiar
pela observação de palavras cuja etimologia venha a esclarecer seu
sentido atual, de modo a despertar no aluno a motivação pela
descoberta de novos termos para os quais a língua latina tenha uma
boa explicação. Tendo sido despertado o interesse do educando, este
estará pronto para ingressar no estudo sistemático da língua. Tal
estudo deverá passar necessariamente pelos casos e declinações,
seguido das conjugações verbais, entremeando-se as lições com frases e
pequenos textos que exemplifiquem o uso dos termos estudados.
1. ORIGEM E EVOLUÇÃO DO LATIM
Os latinos foram assim denominados por habitarem uma região
da Itália antiga chamada de Lácio (em latim, Latium), onde fica ainda
hoje a cidade de Roma. Eram seus vizinhos territoriais os etruscos e os
sabinos. Da união destes três povos originaram-se os romanos, povo
que conquistou o mundo antigo pela arte da guerra e, com a expansão
de sua língua e de sua cultura, deu origem também às diversas línguas
hoje faladas na Europa central e numerosos países da América. São as
línguas neolatinas (italiano, francês, romeno, espanhol, português), que
resultaram deste caldeirão cultural imposto ao mundo ocidental pelos
romanos ao longo de 500 anos.
O Latim não era a única língua falada na
península itálica. Naquela região também se falava o osco, o umbro, o
etrusco e o grego. No entanto, o latim prevaleceu sobre as demais,
ajudado pelas grandes conquistas militares dos romanos. Apesar de ser
uma língua bastante antiga, foi a partir do século III a.C. que o Latim
passou a adquirir uma forma literária, construindo-se aos poucos uma
gramática com regras explícitas, cuja consolidação se deu por volta do
século I a.C., que é considerado o período clássico do latim (com
representantes como Cícero, Virgílio, Horácio) e coincide com a época do
apogeu do império romano. No entanto, ao lado desta língua erudita,
castiça, falada e escrita pelas pessoas letradas, havia o latim popular,
que assumia formas mais livres e sem a precisão das regras
gramaticais, falada pelas pessoas do povo e, principalmente, pelos
soldados romanos, que participavam das guerras e conquistas. Foi
desta língua popular em confronto com outros idiomas, falados nas
diversas localidades por onde passaram as legiões romanas, que se
originaram as línguas românicas, dentre elas o português, o espanhol,
o francês, o italiano. O português foi o resultado da mistura do latim
com o galego, principal língua falada na região do Condado
Portucalense, que hoje corresponde à região de Portugal. Foi uma das
línguas derivadas que mais demorou a se formar, sendo provavelmente
este o motivo de ser o português tão semelhante ao latim.
Paralelamente a isto, a partir do século III d.C., com a expansão
do cristianismo pelo império romano, temos o período cristão da língua
latina, representado pelos escritores, sobretudo Santo Agostinho, São
Jerônimo, Tertuliano, Santo Ambrósio, dentre outros. Este latim com
influências eclesiásticas foi o que mais predominou no ensino do latim
em nosso meio, de modo especial com a matiz italiana da pronúncia,
ensinada nas escolas brasileiras até o início da década de 1960. Em
resumo, portanto, podemos distinguir o latim erudito em latim clássico
e latim eclesiástico.
O latim literário continuou a ser adotado e utilizado durante
muitos séculos pelos escritores cristãos, mesmo depois de não ser mais
falado como linguagem corrente na sua região de origem. Por influência
dos monges, o latim era utilizado também como idioma dos intelectuais,
filósofos e cientistas, que escreviam suas obras em latim, pela facilidade
de serem lidos em qualquer parte da Europa. Somente a partir do
século XVII, a literatura filosófica e científica passou a ser produzida em
língua vernácula.
Atualmente, a língua latina continua a ser adotada na notação
científica dos seres vivos, além de ter uso esporádico no ambiente
forense.
2. ALFABETO LATINO: COMPOSIÇÃO E PRONÚNCIA DAS LETRAS
O alfabeto latino primitivo era composto de 21 letras, não
contando com o J, o V e o Z. A letra K foi incluída por influência grega,
mas sua ocorrência é rara. As letras I e U tinham valores ora de
consoante, ora de vogal, conforme o contexto fônico do vocábulo. Por
exemplo, o I e o U tinham valor de consoante quando vinham
precedendo uma vogal, em qualquer posição na palavra. Nos demais
casos, tinham valor de vogal. Com o tempo, para facilitar as
transcrições literárias, foram incorporados os sinais Y e Z. Mais tarde,
no século XVI, foram incorporados à escrita latina também os sinais J e
V.
A pronúncia do latim é motivo de controvérsias entre os
especialistas. A mais difundida, na época do ensino de latim no Brasil
(até a década de 60), era a pronúncia eclesiástica, com forte acento
italiano, por influência dos padres da Igreja Católica. Os estudiosos da
gramática comparativa, na área de linguística, tentaram construir uma
pronúncia mais original, chamada de pronúncia restaurada. Há ainda a
pronúncia aportuguesada, que também era utilizada no Brasil na época
do ensino do latim nas escolas. Entretanto, para efeitos práticos, devese
adotar os mesmos valores fonéticos das letras na pronúncia
portuguesa, observando-se as seguintes particularidades:
a) as vogais mantêm sempre seu som original, em qualquer posição
que ocupem no vocábulo, evitando-se pronunciar o “o” como “u” e o
“e” como “i” no final das palavras.
b) os ditongos “ae” e “oe” pronunciam-se como “e” – ex. laetitia,
poena.
c) a sílaba “ti”, quando não for tônica nem precedida por “s”, será
pronunciada como “ci” – ex. iustitia.
d) a letra “x” tem sempre o som de “ks”, como na palavra “fixo”.
e) o grupo “ch” tem sempre o som de “k” – ex. brachium.
f) os conjuntos “qu” e “gu” pronunciam-se sempre como se houvesse
um trema no “u”, como em líquido e linguiça.
g) o grupo “ph” tem o som de “f” – ex. philosophus.
Não se usavam acentos gráficos em latim, porém alguns livros
didáticos usam os mesmos acentos do português, a fim de facilitar a
leitura. Como regra geral, atente-se para o fato de que não existem
palavras oxítonas em latim.
3. ESTRUTURA DA LÍNGUA LATINA
3.1 - DECLINAÇÃO - O latim é uma língua declinável. Isto significa que
é fundamentada na sintaxe e por isso a terminação das palavras muda
de acordo com a sua função dentro da frase. Por isso, substantivos,
adjetivos, numerais, bem como os particípios dos verbos em latim
também alteram a terminação de acordo com o contexto. A isto se
chama ‘declinação’. São cinco declinações, dentro das quais se
enquadram todas as palavras latinas. No dicionário latino encontra-se o
nominativo singular seguido da terminação do genitivo singular. Esta é
a forma para se identificar a que declinação pertence a palavra. Ex.:
Rosa, ae; avus, i; manus, us.
Usa-se o genitivo para identificar as declinações porque uma
declinação pode abrigar palavras com nominativo cujas terminações são
diversas, enquanto o genitivo conserva sempre a mesma terminação.
3.2 – CASOS – As palavras latinas são declinadas de acordo com a
função sintática que desempenham na frase: Nominativo (sujeito,
predicativo do sujeito), Acusativo (objeto direto), e assim por diante.
Essas funções são os casos latinos, que correspondem aos termos da
oração em português.
CASO FUNÇÃO DA PALAVRA
Nominativo Sujeito ou predicativo do sujeito. Ex: Rosa pulchra est.
Genitivo Complemento restritivo, regido pela preposição “de”.
Ex: Fragrantia rosae. (adj. adnominal, mas com a
preposição DE): Fragrância de rosas
Dativo Objeto indireto. Ex: Puella donat rosas Rosae.
Acusativo Objeto direto; Ex: Puella amat rosam.
Vocativo Vocativo: Rosa, pulchra es.
Ablativo Complemento que indica modo, meio, origem, condição,
lugar, tempo. Ex: Poeta rosis suspirat. (Adj. Adverbial)
3.3 - DESINÊNCIA - Chama-se desinência à parte final da palavra, que
se altera de acordo com a sua função sintática; chama-se radical à parte
fixa da palavra. Assim, todas as palavras têm um radical e uma
desinência. Isto vale para verbos, substantivos, adjetivos. Note-se
apenas que os verbos se conjugam, enquanto as outras palavras se
declinam.
3-4 - RAIZ x RADICAL - Raiz é o núcleo etimológico da palavra; encerra
seu significado original. Radical é uma raiz expandida por meio de
afixos. Uma mesma raiz pode originar mais de um radical, dos quais
derivam palavras com diferentes sentidos.
3.5 – GÊNEROS – Além do masculino e do feminino, há também o
gênero neutro ('neuter', que significa 'nem um nem outro'), referente às
palavras que não são masculinas nem femininas. Convém lembrar que
nem sempre o gênero da palavra latina corresponde ao do português
3.6 – ARTIGOS - Não há artigos na língua latina.