Noções de linguística

INTRODUÇÃO

Dúvidas não há que adquirimos a lingua(gem). Ela não parece ser meramente um arcabouço de estruturas diversas cognitivas ou inatas. É, antes, um meio complexo e diverso que utilizamos para estabelecermos a comunicação entre as pessoas dotadas de faculdades linguísticas, sem a qual viveríamos um caos incontrolável. Restritamente, isto quer dizer que nosso pensamento só pode ser analisado pura e simplesmente em termos linguísticos, isto é, em termos de linguagem. Não quero com isso dizer que superamos, definitivamente, filosofias como as de Descartes e Hume que buscavam na intimidade vivencial a “verdade das ideias”. A ciência parece ter dominado o campo da epistemologia clássica e a metafísica foi jogada para um lado, posta a deriva embora frequentemente recorrente por diversos estudiosos da filosofia e da linguística. Acontece que a língua é o meio que principia todo o pensamento. Isto quer dizer que o ser dotado de linguagem só se torna possível no mundo pela afirmação de si próprio e do outro. Um estar-no-mundo baseado pura e simplesmente na linguagem, sem a qual não haveria a organização do pensamento.

Assim, viemos ao mundo dotados de certas estruturas racionais. Isso não quer dizer que estas estruturas bastam para compreendermos toda a complexidade do sujeito. Precisamos de conteúdos para ativar estas estruturas, sem os quais não poderíamos compreender todo este processo.

Neste sentido, a experiência da imagem é anterior a experiência da palavra, e esta é anterior ao pensamento. Viemos ao mundo com faculdades sensoriais que nos permitem ver o sol, ouvir sons, sentir uma brisa, o cheiro do mar, o gosto, a cor, a dimensão... “A imagem é um modo da presença que tende a supri o contacto direto e a manter, juntas, a realidade do objeto em si e a sua existência em nós. O ato de ver apanha não só a aparência da coisa, mas alguma relação entre nós e essa aparência”. (BOSI, 1977).

Há uma relação entre a realidade das coisas e a forma com que nos comportamos diante delas. Nisso se opera uma relação de completude, pois com nossa percepção sensorial adquirimos conteúdos, com nossa estrutura mental o organizamos, sem esta organização não poderíamos chegar ao conhecimento. Completude no sentido de que o sujeito necessita de certos elementos empíricos sem o qual não compreenderia a si próprio, nem o mundo no qual está inserido.

Duas características, portanto, parecem inerentes ao ser humano: uma puramente pensada – racional. Outra simplesmente sentida – sensorial. É pela linguagem que estas duas tornam-se possibilidades inerentes e primordiais.

Assim, é inevitável utilizarmos elementos racionais e empíricos em nosso processo de comunicação. Neste sentido, torna-se necessário a análise de enunciados que apresentam elementos destes dois campos de estudo. Este é o principal objetivo deste ensaio, realizar uma síntese entre nossa razão e nossa experiência – ou percepção sensorial – trazendo diversos elementos de teorias linguísticas.

Parece que a linguagem é matéria primordial do pensamento. Sem ela não haveria a organização de uma sociedade. Estou me referindo especificamente à linguagem verbal, visto que o conceito de linguagem vai além do elemento verbal no sentido de haver uma linguagem não verbal que também pode facilmente transmitir algum tipo de informação entre os falantes ou aqueles dotados de uma estrutura mental que possibilite o entendimento. Neste sentido, a linguagem – no sentido mais amplo do termo – remete, por conseguinte, a uma realidade material.

Ainda que se admita a existência de uma linguagem não verbal, ainda assim não poderíamos tirar dela o elemento racional, sem o qual não seria possível estabelecermos o processo comunicativo. Ao fazermos o gesto de balançar negativamente – ou afirmativamente – a cabeça precisaríamos compreender que nele, no gesto, está implícito o elemento empírico, mas também uma estrutura racional sem a qual não seria possível nem compreendermos, nem estabelecermos a existência de todo um processo de comunicação.

Nestes termos, linguística transcendental seria a realização da síntese entre duas faculdades inerentes ao ser humano: a faculdade racional que o permite ter certas estruturas mentais, e a faculdade das impressões sensíveis que o permite adquirir certos conteúdos. Tudo isso no que se refere à análise e exposição linguística. Se por um lado dispomos de termos lexicais que se referem apenas a elementos que só podem ser compreendidos por um processo ontológico ou cognitivo, por outro, também dispomos – na sua maioria – de termos lexicais oriundos de nossas impressões sensíveis. Portanto, enunciados que apresentam o cruzamento de elementos destas duas grandezas devem ser submetidos a uma análise mais precisa.

I - PRIMEIRA PARTE

1 - PRIMEIRAS COMPREENSÕES LINGUÍSTICAS

1.1 OBSERVAÇÕES ACERCA DO OBJETO DE ESTUDO DA LINGUÍSTICA

Linguagem (verbal) é um todo que se subdivide em duas partes: língua e fala. Assim, a linguagem seria heterogênea e se constitui por elementos variados. Pertenceria ao domínio individual e social. A língua é um conjunto de signos orais, objeto suscetível de classificação, um produto social adotado pela comunidade por um processo de convenção para permitir o exercício dessa faculdade pelos indivíduos. A fala é o aspecto prático da língua, o resultado das combinações realizadas pelos falantes. Língua e fala são interdependentes, pois a primeira torna-se uma condição para que a última seja produzida.

Ainda que resumidamente, o parágrafo acima foi colocado com o objetivo de contribuir para entendermos os conceitos de linguagem, língua e fala como parte essencial da análise de toda problemática que envolve a questão da linguagem – acerca de diversas teorias linguísticas – no seu processo complexo de enunciação. A princípio, de uma forma bem reducionista e imprecisa, costuma-se definir linguística como a ciência que estuda a linguagem, fato este que torna necessário fazermos uma breve análise acerca da possibilidade de compreensão do seu objeto real de estudo. Esta visão reducionista está presente, sobretudo, em diversos manuais didáticos onde apresentam a noção de que a linguagem faz referência a todo o processo de comunicação, ora utilizando signos linguísticos verbais, ora signos não verbais fazendo o percurso das línguas naturais como o português, o alemão, o inglês, etc, até um processo de comunicação que independe da língua e da fala, como é o caso de sinais de trânsito, painéis publicitários, sons fonéticos e gestos.

Há, portanto, uma linguagem não verbal repleta de significados. Talvez tenha sido pouco explorada pela maioria dos estudiosos deste campo de estudo e, por isso, não foi considerada como objeto de estudo da linguística.

O mérito de ter estabelecido o objeto de estudo da linguística é do suíço, Ferdinand de Saussure (1857-1913). Entre 1907 e 1910, Saussure ministrou três cursos de linguística na Universidade de Genebra. Três anos após sua morte, dois de seus maiores admiradores, Charles Bally e Albert Sechehaye reuniram anotações de alunos que participaram do curso e editaram um livro intitulado Curso de Linguística Geral (1916). Neste livro ficou estabelecido que o objeto primordial da linguística era a língua (langue), carregada de um sistema de valores que se opõem mutuamente. Seria um produto intrínseco na mente do falante de uma comunidade como um produto social. O que diferenciaria da fala (parole) que, para o estudioso, seria individual e está condicionada a fatores externos, muitos deles não passíveis de análise.

Parece que a visão reducionista que aponta a linguagem (verbal) como objeto de estudo da linguística surge de uma análise superficial dessa dicotomia língua/fala. A língua seria seu objeto primordial de estudo, ao posso que a fala, por conter elementos exteriores a língua, não faria parte de uma análise mais profunda da linguística. Acontece que o Curso de Linguística Geral trata-se de uma obra póstuma atribuída ao estudioso. Foi organizada por outros teóricos que sequer participaram dos cursos que originaram a obra, uma compilação de anotações de aulas, não um sistema organizado pelo próprio estudioso que ministrou os cursos. Isso não quer dizer que a obra seja desnecessária, antes contribuiu muito para o aprofundamento destas observações. Isso quer dizer que a obra modificou a forma de pensar de diversos teóricos da linguagem ao estabelecer a língua como objeto de estudo da linguística, fato este que tornou a linguística como ciência autônoma.

Obviamente, definir o objeto de estudo da linguística não é tarefa das mais fáceis. Ao realizar esta tentativa o estudioso pergunta-se: o que é a linguagem? De onde vem nossa capacidade de nos comunicarmos? Qual o meio que utilizamos para estabelecer um processo comunicativo?

Neste sentido, utilizamos a concepção de linguagem ora como representação do pensamento e do conhecimento, ora como código para a comunicação e, ainda, como forma de “ação interativa” entre os sujeitos de determinada comunidade.

O contexto que levou Saussure a definir o conceito de língua e a estabelecer a linguística como ciência autônoma era bastante claro. Foi o período mais fértil para a elaboração do método científico em que pese à busca por teorias capazes de explicarem qualquer fenômeno de acordo com uma perspectiva universal. Se por um lado o conceito de linguagem não serviria para o método científico, uma vez que linguagem – como tal – , por prescindir de concepções de ordem mental, abstrata e fisiológica, envolveria elementos que extrapolariam o campo da linguística, por outro lado, o conceito de língua pressupõe um sistema de signos, ou seja, uma estrutura formal passível de classificação e analisada em partes menores. Esses elementos organizados serviriam para estabelecer características pertencentes a todas as línguas, portanto, necessárias para estabelecer elementos de natureza universal, como requisito obrigatório para a elaboração do método científico. Por isso, surge o que podemos chamar de linguística da língua, ou em outras palavras, uma linguística centrada na concepção de língua como resultado do estudo conceitual sobre a linguagem verbal.

Neste sentido, a língua surge como objeto de estudo da linguística. Foi talvez a maior contribuição de Saussure. A partir disso surgiram diversas outras contribuições relevantes para a consolidação da linguística como ciência autônoma, além de servir como precursora de outras teorias acerca da linguagem como é o caso da semiologia ao estudar o fenômeno não verbal, posto à margem pelo método saussuriano.

1.2 A LINGUAGEM COMO POSSILIBIDADE DE CLASSIFICAÇÃO: O VERBAL E O NÃO VERBAL.

Grosso modo, o conceito de linguagem adotado aqui segue a noção de que a linguagem refere-se à capacidade geral que os seres humanos têm de utilizar sinais com o objetivo de comunicação. Entretanto, não se pode negar que outros seres, dotados de certa capacidade fisiológica, utilize algum tipo de comunicação, ainda que de forma instintiva. Acontece que nosso objetivo é o de analisar a linguagem como resultado de distintas faculdades inerentes aos seres humanos. Que a mesma seja passível de classificação, isso parece bastante claro, mas ainda não parece claro a noção que temos acerca de uma linguagem carregada de elementos distintos que, a primeira vista, parecem opostos e que jamais podem convergir para um único ponto e formar o todo.

Mais adiante, serão explicitados diversos elementos acerca dessa observação, por enquanto, é suficiente que fique claro que todo ser humano nasce com uma capacidade geral a qual é definida por muitos estudiosos – da Grécia antiga à atualidade – como linguagem ou como faculdade de linguagem, e que esta capacidade é passível de atualização, pois é o resultado de um conjunto de signos e normas que permitem a comunicação em determinadas comunidades. É por estar diretamente ligada a uma comunidade linguística, que a língua torna-se passível de mudança ou atualização.

A linguagem está presente em todas as nossas atividades cotidianas. A utilizamos, direta ou indiretamente, seja para nos comunicarmos com outras pessoas, seja para adquirirmos alguma informação na leitura de algum texto impresso como jornal ou revista, seja ouvindo alguma música. Sempre utilizamos algum aspecto de nossa capacidade linguística.

Fica claro, portanto, que a linguagem seja passível de classificação. Ora, se a interpretarmos como o meio em que as pessoas usam para passar algum tipo de informação, isto é, para se entender e se fazer entendido por um grupo social ou pela conversação com um interlocutor, torna-se imprescindível que se realize esta classificação. Neste sentido, haveria uma linguagem verbal – exposta a cima e constituída pela língua e pela fala – e uma linguagem não verbal, talvez menos representativa, mas que também atende a característica de representação. Sua principal expressão dá-se a partir de imagens e gestos. Os materiais que comprovam sua existência no seio de uma comunidade podem ser muito facilmente visíveis, como por exemplo, sinais de trânsito, painéis publicitários e, até mesmo, em um simples processo comunicativo como no gesto de balançar negativamente a cabeça.

Com isso, não podemos definir a linguagem apenas como uma faculdade – que os seres humanos têm – de associar uma imagem acústica com um som vocal. Ela acaba ultrapassando esta definição, sobretudo, no que se refere à possibilidade de uma linguagem não verbal. Por isso, não parece segura uma linguística centrada apenas na língua e na fala.

Neste sentido, não restam dúvidas de que é a linguagem – na sua abrangência – que mediatiza toda relação de sentido estabelecida entre sujeito e objeto. Isto quer dizer que está presente em todo processo comunicativo. É parte essencial para a organização da sociedade ou de uma comunidade ainda que particularizada, no que se refere a elementos linguísticos singulares, isto é, exclusivos da própria língua.

1.3 A IMAGEM COMO REQUISITO PRIMORDIAL DO NÃO VERBAL

Em uma linguagem não verbal entra em cena o sujeito interpretante. Ao visualizar uma imagem, o sujeito recorre a um conhecimento prévio que foi construído com o tempo, através da linguagem verbal, da observação e do processo de interação social. Assim, o não verbal perpassa o verbal de forma a se confundir com este, entretanto, o sujeito não destoa da possibilidade de um domínio vasto e diversificado da capacidade humana de comunicação. Da mesma forma que a linguagem verbal – compreenda-se aqui linguagem verbal como a realização da dicotomia língua/fala – a não verbal também apresenta inúmeras atualizações potenciais sugerindo conteúdos tanto sensíveis, quanto puramente pensados. É um fenômeno bastante complexo. Ora, a própria linguagem verbal suscita elementos imagéticos na mente de um leitor ou de um interlocutor no sentido de que a própria palavra, desde que oriunda de nossa observação sensível, só torna-se possível quando sugere determinadas imagens na mente do sujeito.

Só podemos entender o elemento não verbal pela nossa impressão sensível. O olho torna-se elemento primordial nesta aquisição. Ora, só é possível concebermos a imagem pressupondo o sujeito que a vê, sem o qual a imagem não teria sentido. O sujeito observa, qualifica, compara, destrói e reconstrói. Para ele, a imagem tem uma realização própria, no sentido de independer de sua presença no mundo, a imagem continua, embora – como o sujeito – estejam submetidas às leis da natureza.

Neste sentido, a cor e a forma coexistem sem a intervenção do sujeito. Obviamente só se apresenta para ele como fenômeno. Muitas vezes o observador confunde os fenômenos da imagem, com a coisa em si, isto é, a essência ou conhecimento absoluto e íntimo da própria coisa (imagem). E é exatamente neste ponto que elementos racionais convergem para o processo de comparação e síntese da imagem. Sendo assim, o sujeito dotado de certas estruturas racionais qualifica a imagem que antes se apresentava como coisa sem sentido, com exceção do aspecto de utilidade prática.

1.4 A LÍNGUA, A FALA, AS PALAVRAS E A ESCRITA

Como já foi dito: a língua é um conjunto de signos orais, objeto suscetível de classificação, um produto social adotado pela comunidade por um processo de convenção para permitir o exercício dessa faculdade pelos indivíduos. Se não fosse a língua, seria inconcebível a ideia de um grupo social. Desse modo, o signo linguístico se estrutura a partir da concepção de duas facetas: o significante que corresponde à estrutura formal da língua para permitir a combinação de regras que possibilitam a emissão de sons ou fonemas, bem como organiza e distribui estes sons através dos morfemas ou formas. A outra faceta corresponde ao significado que equivale ao conteúdo significativo daquilo que as formas da língua expressam.

A fala é o aspecto prático da língua, o resultado das combinações realizadas pelos falantes. Estas combinações referem-se a um plano de expressão que se concretiza por uma modalidade apropriada para transmitir informações. Quando uma pessoa de determinada comunidade utiliza a língua de seu grupo o faz de forma individualizada ou personalizada com o objetivo de produzir, à sua maneira, certas construções ou palavras. Língua e fala, neste sentido, são interdependentes, pois a primeira torna-se uma condição para que a última seja produzida.

Palavra, portanto, é a combinação entre fonemas e morfemas. Está presente em diversos aspectos da fala e perpassa, inevitavelmente, a escrita. Esta última refere-se à outra modalidade de expressão da língua. Foi objeto de estudo da maioria das pesquisas sobre a língua, desde os primeiros gramáticos hindus até nossa atualidade. Este privilégio da escrita não parece ocorrer apenas por motivos linguísticos, mas por uma série de elementos de status, pertencentes às comunidades que mais valorizaram as letras em detrimento da outra modalidade representada pela fala.

Somente a partir do século XX foi que as línguas naturais sem escrita passaram a ser um dos objetos de estudo da linguística. Com isso, a modalidade falada passou a ser mais estudada pela comunidade linguística e acadêmica, fato este que possibilitou o estudo das variações linguísticas observadas através de regras presentes na fala dos indivíduos. Neste sentido, fala e escrita são modalidades que não devem ser analisadas como elementos opostos, mas como continuidade e iteração social entre os falantes que as adéquam às variadas situações comunicativas acerca do uso da língua.

Leon Cardoso
Enviado por Leon Cardoso em 15/01/2015
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