Do tema de Free Zone ao Atirei o pau no gato
As cantigas e contos infantis tradicionais são permeados de violência, quando não, verdadeiramente sádicos, mas, enfim, são reflexos e reflexivos da própria violência que nos embala a vida.
A violência contida nas cantigas e ladainhas de criança, pela repetição e pela familiaridade, nos torna cúmplices das mesmas e muitos a repetem aos filhos, da mesma forma que alguns se tornam cumplices das violências ocorridas dentro do lar contra crianças, praticadas no seio da tradicional família brasileira.
Todo esse preâmbulo é só para explicar o efeito que a música que abre o filme Free Zone, de Amos Gitai, me causou. Só pela abertura e pela música já vale a pena assisti-lo. Os compositores, Hava Alberstein e Jaroslav Jakubovic, inspirados numa brincadeira infantil vão desvendando a violência que encobre essas cantigas, para contar a violência do Oriente Médio, sob o olhar feminino.
Publico aqui a letra traduzida da música do filme - que achei na internet - e após, uma tentativa de mostrar uma cantiga infantil, a "Atirei o pau no gato", em um desvirtuamento proposital dos versos originas da brincadeira infantil, misturando-a a ladainhas. Cometi os versos francamente inspirado na poesia do fileme, sem a categoria dos autores originais, mas retratando uma realidade igualmente contundente.
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1.
de Alberstein e Jaroslav Jakubovic - TEMA DO FILME "FREE ZONE"
Veio o açougueiro que matou o boi que bebeu a água
Que apagou o fogo
Que consumiu o bastão
Que abateu o cão
Que estrangulou o gato
Que devorou o cordeiro que meu pai comprou
Então veio o Anjo da Morte que matou o açougueiro
Que matou o boi que bebeu a água
Que apagou o fogo
Que consumiu o bastão
Que abateu o cão
Que estrangulou o gato
Que devorou o cordeiro que meu pai comprou
Por apenas dois suz
O cordeiro, o cordeiro
Por que você canta então o cordeiro?
A primavera não está aqui ainda, nem a Páscoa
Você mudou
Eu mudei este ano
E todas as noites,
Como cada noite
Eu fiz apenas quatro perguntas
Mas esta noite, me vem uma outra pergunta
Até quando durará esse ciclo infernal
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2.
De: Célio Pires, misturando cantiga e ladainha infantis e muita indignação à violência contra o povo pobre brasileiro.
Atirou no gato Totô
O gato chorou e calou
Horror, ô-ô
Todo mundo se admirou
Do silêncio que se fez
Então.
Cadê o gato Totô?
A polícia pegou
Jogou no mato-to
Cadê o mato?
Fogo pegou
Cadê o fogo?
Virou cinza
Que a chuva lavou
Levou-vou.
Silêncio
Que o dinheiro comprou...
E Totô, de onde veio
Menino?
Nasceu na favela
Na viela, lá, lá
Bem longe
Pra lá do Capão
Pão, pão
Que faltou
Não teve escola
Cola, cola
Aspirou e pirou
O pai se mandou
A mãe foi pro trabalho
Pouco salário
Totô
Sozinho ficou
Foi pra vida
Pegou malícia
Sem instrução
Aprendeu na rua
Na gangue
Bang-bang
Roubou na feira, ra, ra
Assaltou no comércio
Que reagiu
Contratou milícia
Na perifa, fá, fá
Que atirou
E não perguntou
Pro Totô
O que o afligia
Se teve chance, se, se
Se brincou
De gato to-to
Atirou sem dó
E a Dona Chica, cá-cá
Admirou-se, se-se
Do berrô, do berrô
Que o gato deu
Uaiiiiiiiiiiii!
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