Jair Rodrigues: A Voz do Brasil

Artigo/Opinião (Homenagem)

A Voz do Brasil: Jair Rodrigues

Quando ouvi pela primeira vez o negrão jovial e seguro de si, Jair Rodrigues num aparelho de televisão movido à lenha, em preto e branco, lá em Itararé-SP, eu ainda era bem jovem e moleirão de tudo, mas mesmo assim fiquei sondando surpreso a presença cênica dele, e logo vi que, além da cara limpa, da voz brilhante, da ginga brasileiríssima, o rapaz tinha talento, luz própria, era mesmo a cara do Brasil, mais, era, verdadeiramente, A VOZ DO BRASIL.

Entre os cabeludos da jovem guarda – e eu era um rapaz que amava os Beatles, Tonico e Tinoco e Vinicius de Moraes - e os Festivais que depois revelariam Ivan Lins, Taiguara, Gonzaguinha ou mesmo Milton Nascimento, Jair Rodrigues, a cara e a coragem do Brasil, já era uma bela mostra límpida do que havia de melhor de reviçada verdadeira negritude nas cantorias gerais desse Brasil de tantas áfricas utópicas. O Jair Rodrigues que, cantasse o que cantasse – soando belas interpretações - era brilhante, encorpava a música, dava significado cênico, letral, rítmico, ali era a musica, melodia, harmonia e tudo mais num só plano corpóreo.

Disparada, então, santo Deus, um hino-terra. Um das dez mais belas e ricas composições de nossa MPB, foi a que o colocou para sempre no palco iluminado; estrela dantesca num mundo de tantas constelações, e onde ele reinou, reina e já deixa herdeiros. O Fino do Jair. E agora também os filhos do Jair. Com Elis, fez uma parceria que nunca mais será tão portentosa de completa e tão igual, a bela e a fera. Quem era quem? A pessoa é o que vale acima de tudo, e Jair, sempre sorrindo, sempre cantando o que pedissem, sempre embalando programas, animando shows, dando estilo, toque pessoal, dando seu quilate de artista completo, perfeito, brilhante na luz dos palcos. Ouvi-lo era ver a alegria contagiante, era sentir a música encorpada, era ver o samba ser samba, a MPB ser MPB, pois, se perguntasse, qual a verdadeira cara da MPB, poderíamos dizer, o Fino da MPB é o Jair Rodrigues. E não existe outro igual. Depois dele vieram no mesmo ramo, Milton, Martinho, Melodia, Macalé, mas Jair Rodrigues fez seu lastro, enriqueceu cantorias, iluminou canções, sendo por isso mesmo A Voz do Brasil. Limpa voz de menino que eternamente ele sempre o será, o filho-luz da Dona Conceição.

Quando precisando cantar sereno, noturno, cantilena, acalanto, modinha, quando precisando cantar triste, nênia, epifania, quando precisasse soar aguerrido, era a trombeta deste solo abençoado, a voz banzo, a voz dizendo de flores, amores, horrores, a voz descalça, a voz chã. Quem não gosta de samba, quando ouve Jair cantar, então se surpreende: Jair é o próprio Samba, como Cartola, Pixinguinha, Noite Ilustrada. Quando canta um trovador Belchior, Jair enternura galos, noites e quintais. Quando faz parceria, ele é a voz retumbante em brado retumbante. A Voz do Brasil.

Quem não gosta de música rural, quando ouve Jair Rodrigues cantar diz: ele é o campo, o mato, a voz de cantador de roça, a raiz, uma espécie de mazzaropi preto, com gingado preto, sangue, suor e lágrima pastoril. Jair Rodrigues pode cantar com a bandeira do Brasil costurada no dorso. Ele é uma bandeira por si mesmo. Gigante pela própria natureza. Ouvi-lo, é ouvir a voz dos campos gerais, das áreas metropolitanas, periferias e ramais de ferrovias entre contrastes sociais. Ele entra em cena, a luz vem antes. Ele soa, paramos para ouvir a sentição da interpretação. Ele conversando então, parece que falamos com um irmão, um pai, um filho, um ente encantado da Família Brasil que somos todos nós. Ele cantando, nos faz sentirmos em casa, e a nossa casa é a nossa emoção, sensibilidade, coração. Ele contando idas e vindas, luares e sertões, então é o nosso espírito que pelo sentir abraça o espírito cantador, o espírito trovador de Jair Rodrigues.

Deus colocou os abençoados olhos no Jair Rodrigues quando o criou, do próprio nome ficou o deslumbrado “já-ir...brilhar”, fazer sucesso, ser o sucesso. Colocar sonoridade vocal abençoada nas canções que energiza de si mesmo. Porque Jair ainda canta, viça, abençoa ricamente as canções com o seu dom, o seu soar como se, ele fosse não o intérprete, mas ele mesmo inteiro e pleno fosse puramente toda canção que canta, entoa, verseja, respira e ilumina. Jair Rodrigues é ele mesmo a canção, a música.

Que Deus abençoe Jair Rodrigues, lhe dê longa vida, para ele seguir cantando as nossas alegranças, as nossas lágrimas sonoras. Deus, quando quer saber o que há de bom na terra, olhando o Brasil, escuta Jair Rodrigues e se sente feliz com o resultado de uma pérola negra, artista de verve e sabedoria existencial, um verdadeiro instrumento humano dereprodução. Quando batemos palmas para o Jair Rodrigues, Deus no céu certamente tem muito orgulho dele e, lá no íntimo, certamente pede bis.

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Silas Correa Leite

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(O autor, poeta e compositor adoraria ter as sus canções interpretadas pelo Jair Rodrigues)