O Pierrô Retrocesso Cazuza - 50 Anos Blues-Brasil Sem Cazuza

Cinquenta Anos Blues-Brasil Sem Cazuza

O Clipe Sem Nexo do Pierrô Retrocesso Cazuza

“Quando eu estiver cantando/Não

cantem comigo(...)/Pois meu canto

é a minha salvação...”

(Cazuza)

Cazuza era um bicho-grilo, um porra-lôca, um transgressor, ou um cometa radical, um rebelde sem calças? Tudo a ver ou muito pelo contrário? Quem realmente era Cazuza, do enfoque freudiano ao de Jung, ou diria ser o cantor-compositor de língua presa e alma-arame, um Whitman tropical com sua angústia-vívere, e seu lado rock-dor-de-cotovelo, seu jeito-coiso cheio de estripulias criativas? Ouvir/Ver para crer.

Cazuza era danado de bom, mesmo que sempre fora do sério, ou fora de si. Um jovial trovatore pós-moderno com a sua metralhadora de magias, afinal, baby, era filhinho de papai e não achou nesse estereotipo convencional o seu modelo-blues de afetos e mimos retumbantes, porque, queria, muito estrela-purpurina, deixar sua marca de transgressão, sua causa vitae, seu jeito trancham todo próprio de ser e de parecer sendo. Isso e muito mais. Vai por aí o fox-trot do que Cazuza pipocava e era.

Cazuza se escondia, ou se revelava na arte? Precisam de ajuda das cartas dos universiotários? Frejat que o diga. Um self para o estrelato, isso é o que eu ele realmente era, sem tirar nem pôr. Pan-sexual por gozação (sem trocadilhos), queria bagunçar o coreto-propólis da vida e seu nodal de rabugentos. Homem-menina, Cazuza, acho, era mesmo meio uma espécie assim de Olívia Palito procurando um seu marinheiro-sombra-e-água-fresca em cada porto, em cada lótus, em cada marginária brasilis. Deu no que deu, literalmente.

Cazuza existiu mesmo, ou foi um sonho dentro do pesadelo carioquês e suas bandas de contentes por atacado? O tempo não pára, cantava ele, exagerando o rocambole de hortênsias, mas, na sua pureza de ser simples como um tomo de átomo, cantando piedades em impiedosos blues elípticos, que faziam parte do seu show. Ai de ti, Bahia da Guanabara. Cazuza era o Garoto de Ipanema que sempre esculashow seu próprio ego furta-cor. Saravá, legiões humanas e seus manés colloridos & abóboras sem vagens...

Cazuza foi sim, um pontapé no sacro, um chute na sombra palacial de ativos e passivos, num desbunde geral, dando uma banana pro seu ser-coivara meio Carmem Miranda e meio Dercy Gonçalves, amando o cantante secos & molhados Ney não porque o mato era grosso, mas porque a sensibilidade à flor da pele o fazia chorar lágrimas carecidas no escuro de seu ser sensível em mixórdia notívaga, paiol de poses e tantos trastes-neoliberais tantãs. Ainda bem, né não? Sorte da new-MPB que até ele não era nova, não era MPB, não era popular e nem brasileira. Pois Cazuza foi esse Lupíscínico carioca com mata-borrão de curtumes e ácidos, feito um jacinto cortado, podando a roseira dos papos aranhas. Viu só?

Cazuza pecou em durar tão pouco. Uma peninha. Faria um bem danado ainda estar vivíssimo et bom-bril presse país que tira tatus do nariz e arrota sórdidas estatísticas tucanas infames. Quem o viu cantar, sem ser cantor, quem o viu dançar sem ser mutante, quem o viu espetacularmente de-compor-se sem ser meio Noel/Blanc/Buarque/Veloso/Taiguara, deve imaginar o que ele também meio Grã Bethânia faria no rocambole farisaico de tins & tons & tais. Habemus Cazuza que, falando sério, muito bem sacava que, enquanto houvesse essa nossa banda-podre burguesia, era difícil frigir os ovos nas tâmaras-pirâmides-sândalos da poesia. Era o anti-hipócrita infernizado?

Cazuza nunca precisou dele mesmo inteiro pra sobreviver. Entrando numas, foi regente de um espetáculo em si mesmo, por conta de ser livre como um ácaro-ícaro com voz de taquara rachada. Perolizou-se musicalmente? Se não existisse, deveria ser inventando. Fez seu banzo ser pop, atirou um pau no guarda e caiu na gandaia, rindo-se dos estranhos no nicho da arte. Sabia o que sacava. Ensinava-nos a fazer rede e só sabia namorar, gatos e pedras, afins e maçanetas, pícaros e inglórios.

Cazuza era o espetáculo itinerante de si mesmo, mambembe-lusco-fusco, garnisé enfocando a cloaca hispano-américa com tanto pão de açúcar entre essa favela ordem e progresso que é sub-viver por desusos e tapuias, e o esgoto diesel dos caraminguás dos lazarentos na linha da miséria. Cazuza foi sincero na dor, meio puto no amor, mentiroso nas suas exageranças que renderam fios de navalhas, amuletos, associacionismos radicais e fendas de milagres. Corajoso como ele só.

Com idéias próprias, emergente sempre, batia penalidade máxima e defendia - vai que é tua, Cazuza! – porque, mesmo multimídia sabia que há um circo secreto em todos os totens e vacâncias. Amou não homens, mulheres, melancias, tri ou bis, mas, artes de tudo pessoas no sentido mais cósmico-lirial da palavra sã com imã. Amava Caetano que amava Malu Mader que amava Ney Matogrosso que amava Cazuza mas, só ele, Cazuza, morreu de HIV. Será o impossível? Desse mato quase saiu um Coelho Neto.

Cazuza era desbocado sincero, petulante puro, agressivo-doce, no seu panurgismo de cantares e gestuais, um noite-ilustrada-grande-otelo cor de mandioca brava descascada. Um dia tomou licor de ausência e, tiau, fui, deu com a cara e a coragem no tapume de seus conflitos com filtro. Bebia, fumava, amava a mãe e animais, por isso não cabia nessa porção quadradinha desse mundo démodé, em busca de um farol muito além do fim do mundo, via Teoria de Gaya.

Cazuza pecou por ser sincero ao extremo, pondo fogo na canjica do verbo viver intensamente? Deu o que tinha de dar. Imaginem-no, com oitenta e tantos anos a lá Caimy-Ataulfo-Carlito, compondo como um Rosa Noel/Pixinguinha/Erasmo Carlos? Aliás, tem gente que diz que, se o Caetano Veloso tivesse morrido de overdose, por exemplo, em London London, teria mais fama e charme (ou faria menos besteiras brastemps) do que Hendrix, Joplin, Renato Russo e até mesmo o Cazuza...

Cazuza era e não era. Sacava o longe no íntimo bisotê de si. Sabia ser totum no sua porção bandeira-dois, num salamaleque de víboras. Amou e foi odiado. Sabia que, o seu michê musical era uma espécie de bomba-relógio-de-neuras. Acreditava que era um rebelde e boicotou com chinfras e ataques histéricos contra todos os cacarecos posudos. Sua vida foi mesmo, meio bossa-nova e meio rock-and-rol (perdão aqui pra Rita Lee), um pierrô contra o retrocesso, parecendo sem nexo, mas, puro sexo e todo ele mesmo um vício-clipe. O tempo pára? Um trem pras estrelas.

Cazuza foi meio Nabucodonosor, meio Glauber, meio Garrincha, meio Inocência, meio Elis. Salvou algum? Só as mães são in-felizes?

Cazuza foi meio Cássia Eller, meio Ângela Ro Ro, meio Joãozinho 30, inteiro Marisa Gata Mansa, Fernando Pessoa, Garcia Lorca, Pasárgada e Shangri-lá.

Os seus ídolos morreram de overdose. Ele também deu-nos sua overdose vivencial pluralista.

Sem preconceito, pro dia nascer feliz, todo amor que houver nessa vida (o nosso amor a gente inventa?) ele amou e repintou com tantas iluminuras próprias o cálice transbordante de sua figura humana.

Maior abandonado, filho múltiplo, artista no tripé das contentezas & belezuras & invencionices (recolhes múltiplos) o desmanche Cazuza foi completamente blue. Um bruxo arlequinal, hermafrodita no casulo barão vermelho.

E não existem outros.

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Silas Corrêa Leite, Estância Boêmia de Itararé-SP-Brasil

Texto da Série “Eram Os Deuses Corinthianos?”

E-mail: poesilas@erra.com.br

Site pssoal: www.itarare.com.br/silas.htm

E-book O RINOCERONTE DE CLARICE no site

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