O feijão de Maria
Maria morava na periferia
Preferia voltar pro seu sertão
Mas agora vive feliz pela casa
Casou-se mês passado com o pedreiro João
João pelejava na pedreira
Também fazia bico carregando caminhão
Tomava uma pinga toda sexta-feira
Gosta da Preta Maria e também do seu feijão
A casa estava sempre arrumada
Não faltava animação
Flores na varanda
Um fugareuro aceso com feijão
João chegava sempre no final da tarde
Tomava um café enquanto assistia o jornal da televisão
Mas um dia João não voltou pra casa
Maria chorou de aflição
Procurou em todo morro seu amado
Mas João se perdeu na escuridão
Passou o tempo
Passaram os dias
Maria definhava em agonia
A casa mudou:
As cortinas rasgaram
As plantas murxaram
A calçada vazia era o retrato de Maria que continuava em agonia
Muitos meses no calendário
Nada de notícias de João
O armário ficou vazio
Veio o tempo de pricisão:
A televisão queimou
O butijão secou
O aluguel atrasou
Maria agora procura lenha no morro pra fazer seu feijão
Mas ela não come
Sempre guarda pro regresso de João
João não voltou
O tempo passou
Maria desalugou o barraco e vai voltar pro sertão
Já não nutre esperança de abraçar seu amado
Começou botar os cacarecos no saco
Pra ela tudo é desilusão
Vai pegar o trem das sete
Vai voltar pro seu torrão
Maria chora de saudade do tempo de felicidade
Chegou a hora de ir embora
Maria pegou o rumo da estação
Era uma agonia sem fim
Mas ao passar na rua Nascimento algo chamou sua atenção
Maria viu o dorso do seu amado amarrado a outra preta no botequim
A fúria não pode ser contida!
A alma de Maria ficou fria enquanto quebrava a cara da luzia
Lágrimas e sangue misturaram-se com a alegria dos curiosos da calçada
A mulheres rasgaram as roupas
Ficaram despenteadas
Aa duas foram parar na delegacia e presas naquela noite fria
João fugiu sorrindo
Era um daqueles praticantes do que chamam de bigamia
Enquanto corria não via o caminhão carregado de feijão que descia
João foi atropelado sem perdão
Agora não vai mais comer feijão
Nem enganar outras Marias
Na cela fria Maria chora seu sina
Era só uma menina quando chegou na cidade grande
Grande foi a dor ao saber da morte do amado
Sem João, pra quem ela vai fazer feijão?
Maria foi solta no outro dia
Decidiu também praticar a bigamia
Não voltou mais pro sertão
Também não faz mais feijão
Vive nas esquinas vendendo mais do que queria vender
Nos seus olhos não se nota mais alegria
Hoje ela é um tipo de alimento
Uma espécie de passatempo
Um prazer sem alegria
Uma vida sem viver