Saudosa maloca
Se o senhor não está lembrado, peço licença para contar uma história. É uma história comum, dessas que se repetem pelas ruas de São Paulo, mas que guarda em si uma melancolia e uma beleza singulares. Era aqui, onde agora se ergue esse edifício imponente, que antes existia uma casa velha, um palacete abandonado. Foi neste lugar, seu moço, que eu, Mato Grosso e o Joca, decidimos construir nossa maloca.
A maloca não era grande coisa para quem olha de fora, mas para nós era um lar. Ali, no meio dos escombros e do abandono, erguemos paredes frágeis e um teto que mal nos protegia das chuvas. Mas o que importava? Dentro daquela maloca vivemos momentos de alegria, compartilhamos histórias, dividimos sonhos. Mato Grosso sempre falava sobre voltar para a terra dele, e o Joca, com seu violão, enchia as noites de música e riso.
Um dia, no entanto, a cidade, essa entidade impiedosa que engole espaços e vidas, decidiu que nossa maloca não podia mais existir. Veio o dono do terreno, acompanhado por homens com ferramentas, prontos para destruir nosso lar improvisado. Não queria nem lembrar desse dia, mas é impossível esquecer. Pegamos todas as nossas coisas, que cabiam em poucos embrulhos, e fomos para a calçada, assistir à demolição.
A cada táuba que caía, um pedaço do nosso coração se quebrava junto. Mato Grosso queria gritar, protestar contra aquela injustiça, mas eu segurei seu braço e disse: "Os homens está com a razão, nós arranja outro lugar". Tentava ser forte, mas por dentro a dor era avassaladora. Foi só quando o Joca, com sua sabedoria simples, murmurou "Deus dá o frio conforme o cobertor" que conseguimos nos conformar um pouco. Ele queria dizer que a vida é assim, cheia de perdas e recomeços, e que de algum modo, sobreviveríamos.
Hoje, vagamos pelos jardins bem cuidados dos ricos, pegando a palha que sobra e tentando encontrar um novo canto para chamar de lar. E para esquecer a tristeza que nunca nos deixa por completo, cantamos. Cantamos a nossa "Saudosa Maloca", relembrando os dias felizes que passamos ali. A melodia e as palavras são como um bálsamo, uma maneira de manter viva a lembrança daquele lugar querido.
Cada vez que entoo "Saudosa maloca, maloca querida, dim, dim, donde nós passemos dias feliz de nossa vida", sinto uma pontada de saudade e um calor no peito. Porque, apesar de tudo, fomos felizes ali. E essa felicidade, ainda que fugaz, ainda que pequena, ninguém pode tirar de nós.
E assim, a vida segue. O edifício alto se ergue indiferente às nossas histórias, mas nós continuamos a cantar. Pois enquanto houver memória, enquanto houver canção, nossa maloca viverá. E quem sabe um dia, entre um canto e outro, encontramos um novo lugar onde possamos construir outra maloca, outro lar. Porque a vida, apesar de tudo, insiste em continuar.