Que Raio de Mundo!
"Acabou-se o mundo"
Disse Raimundo
Tirando do fundo
Do bolso uma nota
E no fundo da alma uma porta
Trancando o remorso
Do maldito divórcio
E o desastrado "consórcio"
Que insistiam lhe cobrar
E sua última nota
Lhe comprou um rum
E ao questionar
"Mas só um?"
O dono do bar
Lhe olhou simpático
Com um quê de trágico
E desviou o olhar
"Então tá"
Suspirou Raimundo
Seu ódio profundo
Mas que podia fazer
Se naquele fim de mundo
Só ele aceitava lhe vender
Entre briga com um,
Dívida com outro
Se acabaram um a um
E dali a pouco
Só lhe restava esse fosso
Não que o dono ficasse contente
Mas não podia escolher cliente
Pois a economia estava decadente
E o país, embriagado
Tombava pra todo lado
E nunca ia pra frente
Caminhando de volta pra casa
Raimundo então se depara
Com uns jovens modernos
Com uma erva da braba
Por ali
Cena não rara
Oferecendo uma maneira
De "dar uma relaxada"
"Com isso não me meto
Que isso vicia"
Disse, erguendo soberbo, a garrafa vazia
Seu último gole o desesperou
"Mas como é que essa merda já acabou?"
Atirou ao chão a garrafa
Metáfora da esperança
E largou-se àquela dança
Que dançam os esquecidos
Os abandonados e os oprimidos
Os delirantes e os doidos varridos
Que dura como o amor eterno
E se acaba ao raiar do dia
Quando a Dona Agonia
Vem, ninguém sabe de onde
E encerra, solene, o jogo de esconde-esconde
E a vida passa
E a noite ele passa
Em cama, em papelão, em banco de praça
Esquecido na fumaça
Em fedor e desgraça
Mas até a vida passa
Raimundo
Imundo moribundo
Viu o fundo do mundo
Mundo que não tem fundo
Hoje, em sono profundo
É o exemplar vagabundo
Para quem tem de tudo
Ficar sossegado
Pois o mundo é justo