A TRISTE PARTIDA - LUIZ GONZAGA
A Triste Partida - Luiz Gonzaga
Meu Deus, meu Deus
Setembro passou / Outubro e novembro / Já tamo em dezembro / Meu Deus, que é de nós
(Meu Deus, meu Deus)
Assim fala o pobre / Do seco nordeste / Com medo da peste / Da fome feroz
(Ai, ai, ai, ai)
A treze do mês / Ele fez experiênça / Perdeu sua crença / Nas pedra de sal
(Meu Deus, meu Deus)
Mas noutra esperança / Com gosto se agarra / Pensando na barra / Do alegre natal
(Ai, ai, ai, ai)
Rompeu-se o natal / Porém barra não veio / O sol bem vermeio / Nasceu muito além
(Meu Deus, meu Deus)
Na copa da mata / Buzina a cigarra / Ninguém vê a barra / Pois barra não tem
(Ai, ai, ai, ai)
Sem chuva na terra / Descamba janeiro / Depois fevereiro / E o mesmo verão
(Meu Deus, meu Deus)
Entonce o nortista / Pensando consigo / Diz: "isso é castigo / Não chove mais não"
(Ai, ai, ai, ai)
Apela pra março / Que é o mês preferido / Do santo querido / Senhor São José
(Meu Deus, meu Deus)
Mas nada de chuva / Tá tudo sem jeito / Lhe foge do peito / O resto da fé
(Ai, ai, ai, ai)
Agora pensando / Ele segue outra tria / Chamando a famía / Começa a dizer
(Meu Deus, meu Deus)
Eu vendo meu burro / Meu jegue e o cavalo / Nós vamo à São Paulo / Viver ou morrer
(Ai, ai, ai, ai)
Nóis vamo à Sum Palo / Que a coisa tá feia / Por terras alheias / Nois vamo vagar
(Meu Deus, meu Deus)
Se o nosso destino / Não for tão mesquinho / Daí pro mesmo cantinho / Nois torna a voltar
(Ai, ai, ai, ai)
E vende seu burro / Jumento e o cavalo / Inté mesmo o galo / Vendero também
(Meu Deus, meu Deus)
Pois logo aparece / Feliz fazendeiro / Por pouco dinheiro / Lhe compra o que tem
(Ai, ai, ai, ai)
Em um caminhão / Ele joga a famía / Chegou o triste dia / Já vai viajar
(Meu Deus, meu Deus)
A seca terríve / Que tudo devora / Ai, lhe bota pra fora / Da terra natal
(Ai, ai, ai, ai)
O carro já corre / No topo da serra / Olhando pra terra / Seu berço, seu lar
(Meu Deus, meu Deus)
Aquele nortista / Partido de pena / De longe da cena / Adeus meu lugar
(Ai, ai, ai, ai)
No dia seguinte / Já tudo enfadado / E o carro embalado / Veloz a correr
(Meu Deus, meu Deus)
Tão triste coitado / Falando saudoso / Um seu filho choroso / Exclama a dizer:
(Ai, ai, ai, ai)
- De pena e saudade / Papai sei que morro / Meu pobre cachorro / Quem dá de comer?
(Meu Deus, meu Deus)
Já outro pergunta: / - Mãezinha, e meu gato? / Com fome, sem trato / Mimi vai morrer
(Ai, ai, ai, ai)
E a linda pequena / Tremendo de medo / -"Mamãe, meus brinquedo / Meu pé de fulô?"
(Meu Deus, meu Deus)
Meu pé de roseira / Coitado ele seca / E minha boneca / Também lá ficou
(Ai, ai, ai, ai)
E assim vão deixando / Com choro e gemido / Do berço querido / Céu lindo e azul
(Meu Deus, meu Deus)
O pai pesaroso / Nos fio pensando / E o carro rodando / Na estrada do sul
(Ai, ai, ai, ai)
Chegaram em São Paulo / Sem cobre quebrado / E o pobre acanhado / Percura um patrão
(Meu Deus, meu Deus)
Só vê cara estranha / De estranha gente / Tudo é diferente / Do caro torrão
(Ai, ai, ai, ai)
Trabaia dois ano / Três ano e mais ano / E sempre nos plano / De um dia voltar
(Meu Deus, meu Deus)
Mas nunca ele pode / Só vive devendo / E assim vai sofrendo / É sofrer sem parar
(Ai, ai, ai, ai)
Se arguma notíça / Das banda do norte / Tem ele por sorte / O gosto de ouvir
(Meu Deus, meu Deus)
Lhe bate no peito / Saudade de móio / E as água nos zóio / Começa a cair
(Ai, ai, ai, ai)
Do mundo afastado / Ali vive preso / Sofrendo desprezo / Devendo ao patrão
(Meu Deus, meu Deus)
O tempo rolando / Vai dia e vem dia / E aquela famía / Não volta mais não
(Ai, ai, ai, ai)
Distante da terra / Tão seca, mas boa / Exposto à garoa / A lama e o baú
(Meu Deus, meu Deus)
Faz pena o nortista / Tão forte, tão bravo / Viver como escravo / No norte e no sul
(Ai, ai, ai, ai)
EU ME ARREPIAVA QUANDO OUVIA ESSA MÚSICA NA MINHA INFÂNCIA
É O RETRATO DO NORDESTINO DAQUELE TEMPO
SALVE, LUIZ!
BOM DIA!