UM RAP
perdeste cinco dedos de uma mão
e três da outra por descuido e desatenção
perdeste o pescoço numa mesa de jogo
por apostar com o diabo o próprio coração
perdeste ambos os pés na mesma ocasião
por andar muitas léguas sobre lava de vulcão
perdeste tua alva pele para a língua de fogo
por disputar com o diabo quem era dono da situação
só não perdes a mim pois não sou de se perder
recusaste uma benção por não professar religião
porém rezas quando à noite te levantas em aflição
recusaste uma prece de alguém à porta de casa
por julgar que talvez seja a graça algum tipo de prisão
recusaste meu abraço para manter tua pétrea opinião
de que ninguém é de ninguém para nos prevenir da desilusão
recusaste querer o quanto eu quero para não te cortarem a asa
por acreditar que és livre mesmo pagando prestação
só não recusas a mim pois não tens este poder
negaste frontalmente depender de quem te estenda a mão
caminhando descalça no escuro sem qualquer noção de direção
negaste até mesmo a minha mão quando percebi que caías
por tropeçares num sim e topares com um não
negaste conhecer o segredo das coisas pelo prazer da negação
mas não me enganam teus lábios que se comprimem em sinal de afirmação
negaste que carregas contigo a título de espada o capítulo trinta e oito de Isaías
só pra mostrar para o diabo que enfrentas Moby Dick sem arpão
só não negas a mim pois não negas me querer