O tempo sob o sol-ChicoDoCrato-ViniciusDeMoraes
O tempo sob o sol-ChicoDoCrato-ViniciusDeMoraes
ChicoDoCrato, Música, Voz, Violão, Sintetizador, Arranjo, Mixagem e Adaptação da Crônica de Vinicius de Moraes do seu livro, “Para Viver Um Grande Amor”. (Crônicas e Poemas Inéditos). Editora do Autor em 1962.
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O sol de domingo pôs na praia toda a população da zona sul.
Bateu de chapa na cidade falsa, em seus falsos arranha-céus, em sua falsa
comunidade, e aí pelo meio-dia as areias de Copacabana, Ipanema e Leblon crepitavam de mocidades atléticas, madurezas adiposas e velhices murchas, num desperdício de carne humana.
Jogos de bola, jogos de mão, jogos de olhares - a gente moça empunha-se com vigor ao cautério solar, enquanto os mais comprometidos com a morte resguardavam-se à sombra das barracas, dando um mergulho ou outro de curta duração e voltando ad locum suun inchando o peito e encolhendo a barriga.
Um espetáculo belo-horrível, para usar desse desagradável lugar-comum.
Vi uns poucos amigos meus, gente a beirar os quarenta, todos eles com os tórax começando a se aplastar em distensões abdominais mais ou menos consideráveis: essas irremediáveis deformações que o tempo impõe ao corpo que prefere viver a se conservar; as mesmas que noto em mim mesmo diariamente e cuja eliminação exige uma força de vontade que não tenho e nem quero ter.
Negócio pau, com que a gente sofre a princípio, depois acostuma-se porque não há nada a fazer. Vem tão rápido que mal se percebe.
Um dia se é um rapazinho esguio, de perna forte e peito dividido, a dar
"paradas" nos bancos da praia para as meninas verem; depois, súbito – um aborrecimento, um período duro, uma paixão, uma viagem - e se um homem com cabelos começando a embranquecer, os músculos docemente cobertos por uma leve camada de gordura, o fígado inchado, milhões de responsabilidades e uma missão a cumprir na vida.
Bis no final
Tudo isso vem de repente, quando menos se espera. E chega para todo
mundo, menos para os reservados, os que preferem se guardar para os vermes da terra. Essa dor do tempo, de que nenhum poeta falou muito direito ainda.
Mas é isso mesmo.
Hoje somos nós, amanhã serão eles, depois de amanhã são os filhos deles, nossos possíveis netos.
Esta joça toda caminha para a constelação de Órion desde há alguns milhares de séculos.
Em vista do quê, preparemo-nos para os pileques de fim de ano, que vêm aí. Mais um ano, meus amigos.
Estamos fritos.