A CAMPANHIA TOCOU.

Entre, por favor.

Sei que ficou na chuva, no portão.

Meu cachorro tá preso, vou mandá-lo parar de latir.

É bravo, viu? Sem raça definida.

Não precisa limpar os pés, não.

O barro está seco. Só bate os pés, por gentileza.

Bem vindo a minha mente, posso acompanhar?

Esta é a sala. Está um pouco desarrumada, a empregada não veio.

Não a paguei ainda - têm dois meses já, mas às vezes vem de graça.

Se quiser deitar no sofá, tire os sapatos apenas.

Posso ligar o som e te dar um licor?

Tenho muitos discos de vinil e uma radiola ainda.

Coloco um ventilador bem perto dos seus pés.

A temperatura muda aqui. Faz calor, faz frio.

A noite é que é mais quente. De dia, faz frio demais.

Piora o frio, pois não podo as mangueiras no quintal.

Posso abrir a janela? Mas lá fora faz muito barulho.

Em cima da prateleira tem fotos empoeiradas.

Há a foto da minha mãe.

Há a foto do meu pai, dos meus irmãos.

Todos morreram já, mas as fotos estão ai.

Os túmulos estão lá no fundo.

Os livros do armário estão rabiscados e com orelhas, mas pode ler, se quiser.

Marco as páginas que mais dizem coisas.

O banheiro, não liga não. Têm toalha molhada e água pelo chão.

Meus banhos são demorados. A navalha está na pia, com um pouco de barba ainda e sangue de um suicídio que tentei.

Pensei em pintar a parede, mas vou colocar papel apenas.

O quadro que você vê ai, comprei numa viagem.

Nem sei quem foi o artista que pintou.

É de um gato com uma menina.

Vem comigo? Vamos na cozinha.

Adoro o barulho da panela de feijão borbulhando.

Quer banana? Já tá quase passando. Posso fazer vitamina, quer?

Você faz tanto tempo que não me faz visita.

Aliás, ando muito só, dentro de mim mesmo.

Vou na cozinha preparar um café, você espera?

Quer com ou sem açúcar?

Eu ainda não paguei o aluguel. Pode ser que você ouça a campainha.

Pode ser o oficial de justiça, vindo me despejar, da minha mente.