A LIBERDADE... O CONHECIMENTO... A ARTE... O PREÇO... "Algumas músicas de Noel Rosa, principalmente para o pessoal da 4ª idade". (J.M.C.).

Algumas músicas de Noel Rosa.

Fita Amarela.

Noel Rosa.

Quero que o sol

Não invada o meu caixão

Para a minha pobre alma

Não morrer de insolação.

Quando eu morrer,

Não quero choro nem vela,

Quero uma fita amarela

Gravada com o nome dela.

Se existe alma

Se há outra encarnação

Eu queria que a mulata

Sapateasse no meu caixão.

Não quero flores

Nem coroa com espinho

Só quero choro de flauta

Violão e cavaquinho.

Estou contente,

Consolado por saber

Que as morenas tão formosas

A terra um dia vai comer.

Não tenho herdeiros

Não possuo um só vintém

Eu vivi devendo a todos

Mas não paguei a ninguém.

Meus inimigos

Que hoje falam mal de mim,

Vão dizer que nunca viram

Uma pessoa tão boa assim.

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Com Que Roupa?

Noel Rosa.

Agora vou mudar minha conduta,

Eu vou pra luta pois eu quero me aprumar

Vou tratar você com a força bruta,

Pra poder me reabilitar

Pois esta vida não está sopa e eu pergunto: com que roupa?

Com que roupa eu vou pro samba que você me convidou?

Com que roupa que eu vou pro samba que você me convidou?

Agora, eu não ando mais fagueiro,

Pois o dinheiro não é fácil de ganhar.

Mesmo eu sendo um cabra trapaceiro,

Não consigo ter nem pra gastar

Eu já corri de vento em popa, mas agora com que roupa?

Com que roupa que eu vou pro samba que você me convidou?

Com que roupa que eu vou pro samba que você me convidou?

Eu hoje estou pulando como sapo,

Pra ver se escapo desta praga de urubu

Já estou coberto de farrapo, eu vou acabar ficando nu.

Meu terno já virou estopa e

Eu nem sei mais com que roupa

Com que roupa que eu vou pro samba que você me convidou?

Com que roupa que eu vou pro samba que você me convidou?

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Conversa de Botequim.

Noel Rosa.

Seu garçom

Faça o favor de me trazer depressa

Uma boa média que não seja requentada

Um pão bem quente com manteiga à beça

Um guardanapo

Um copo d'água bem gelada.

Feche a porta da direita com muito cuidado

Que eu não estou disposto a ficar exposto ao Sol

Vá perguntar ao seu freguês do lado

Qual foi o resultado do futebol.

Se você ficar limpando a mesa

Não me levanto nem pago a despesa

Vá pedir ao seu patrão

Uma caneta, um tinteiro, um envelope e um

cartão.

Não se esqueça de me dar palitos

E um cigarro pra espantar mosquitos

Vá dizer ao charuteiro

Que me empreste uma revista, um isqueiro e um cinzeiro.

Seu garçom

Faça o favor de me trazer depressa

Uma boa média que não seja requentada

Um pão bem quente com manteiga à beça

Um guardanapo

Um copo d'água bem gelada.

Feche a porta da direita com muito cuidado

Que eu não estou disposto a ficar exposto ao Sol

Vá perguntar ao seu freguês do lado

Qual foi o resultado do futebol.

Telefone ao menos uma vez

Para 344333

E ordene ao Seu Osório

Que me mande um guarda-chuva aqui pro nosso escritório.

Seu garçom me empresta algum dinheiro

Que eu deixei o meu com o bicheiro

Vá dizer ao seu gerente

Que pendure essa despesa no cabide ali em frente.

Seu garçom

Faça o favor de me trazer depressa

Uma boa média que não seja requentada

Um pão bem quente com manteiga à beça

Um guardanapo

Um copo d'água bem gelada.

Feche a porta da direita com muito cuidado

Que eu não estou disposto a ficar exposto ao Sol

Vá perguntar ao seu freguês do lado

Qual foi o resultado do futebol.

Se você ficar limpando a mesa

Não me levanto nem pago a despesa

Vá pedir ao seu patrão

Uma caneta, um tinteiro, um envelope e um cartão.

Não se esqueça de me dar palitos

E um cigarro pra espantar mosquitos

Vá dizer ao charuteiro

Que me empreste uma revista, um isqueiro e um cinzeiro.

Seu garçom

Faça o favor de me trazer depressa

Uma boa média que não seja requentada

Um pão bem quente com manteiga à beça

Um guardanapo

Um copo d'água bem gelada.

Feche a porta da direita com muito cuidado

Que eu não estou disposto a ficar exposto ao Sol

Vá perguntar ao seu freguês do lado

Qual foi o resultado do futebol.

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Último Desejo.

Noel Rosa.

Nosso amor que eu não esqueço

E que teve o seu começo

Numa festa de São João.

Morre hoje sem foguete

Sem retrato e sem bilhete

Sem luar, sem violão.

Perto de você me calo

Tudo penso e nada falo

Tenho medo de chorar.

Nunca mais quero o seus beijos

Mas meu último desejo

Você não pode negar.

Se alguma pessoa amiga

Pedir que você lhe diga

Se você me quer ou não.

Diga que você me adora

Que você lamenta e chora

A nossa separação.

E as pessoas que eu detesto

Diga sempre que eu não presto

Que meu lar é o botequim.

Que eu arruinei sua vida

Que eu não mereço a comida

Que você pagou pra mim.

Feitiço da Vila.

Noel Rosa.

Quem nasce lá na Vila nem sequer vacila ao abraçar o samba

Que faz dançar os galhos do arvoredo

E faz a lua nascer mais cedo.

Lá em Vila Isabel quem é bacharel não tem medo de bamba

São Paulo dá café, Minas dá leite e a Vila Isabel dá samba.

A Vila tem um feitiço sem farofa

Sem vela e sem vintém que nos faz bem

Tendo nome de princesa transformou o samba

Num feitiço decente que prende a gente.

O sol na Vila é triste, samba não assiste

Porque a gente implora:

Sol, pelo amor de Deus, não venha agora

Que as morenas vão logo embora.

Eu sei tudo que faço, sei por onde passo

Paixão não me aniquila

Mas tenho que dizer:

Modéstia à parte, meus senhores, eu sou da Vila!

Quem nasce pra sambar chora pra mamar

Em ritmo de samba

Lá não tem cadeado nos portões por que na vila

Não tem ladrão.

Jura.

Noel Rosa.

Jura

Jura, jura pelo Senhor

Jura,

Pela imagem da Santa Cruz do Redentor.

Pra ter valor

A tua jura,

Jura, jura de coração

Para que um dia

Eu possa dar-te o meu amor

Sem mais pensar na ilusão.

Daí então dar-te eu irei

Um beijo puro na catedral do amor

Dos sonhos meus,

Bem juntos aos teus

Para fugir das aflições da dor.

Jura

Jura, jura pelo Senhor

Jura,

Pela imagem da Santa Cruz do Redentor.

Pra ter valor

A tua jura,

Jura, jura de coração

Para que um dia

Eu possa dar-te o meu amor

Sem mais pensar na ilusão.

Daí então dar-te eu irei

Um beijo puro na catedral do amor

Dos sonhos meus,

Bem juntos aos teus

Para fugir das aflições da dor.

Daí então dar-te eu irei

Um beijo puro na catedral do amor

Dos sonhos meus,

Bem juntos aos teus

Para fugir das aflições da dor.

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Não Tem Tradução.

Noel Rosa.

O cinema falado é o grande culpado da transformação

Dessa gente que sente que um barracão prende mais que o xadrez.

Lá no morro, seu eu fizer uma falseta

A Risoleta desiste logo do francês e do Inglês.

A gíria que o nosso morro criou

Bem cedo a cidade aceitou e usou

Mais tarde o malandro deixou de sambar, dando pinote.

Na gafieira dançando o Fox-Trote

Essa gente hoje em dia que tem a mania da exibição

Não entende que o samba não tem tradução no idioma francês.

Tudo aquilo que o malandro pronuncia

Com voz macia é brasileiro, já passou de português.

Amor lá no morro é amor pra chuchu

A gíria do samba não são I love you

E esse negócio de alô, alô boy e alô Johnny

Só pode ser conversa de telefone.

Três Apitos.

Noel Rosa.

Quando o apito da fábrica de tecidos

Vem ferir os meus ouvidos

Eu me lembro de você.

Mas você anda

Sem dúvida bem zangada

E está interessada

Em fingir que não me vê.

Você que atende ao apito

De uma chaminé de barro

Por que não atende ao grito tão aflito

Da buzina do meu carro?

Você no inverno

Sem meias vai pro trabalho

Não faz fé com agasalho

Nem no frio você crê.

Mas você é mesmo

Artigo que não se imita

Quando a fábrica apita

Faz reclame de você.

Sou do sereno

Poeta muito soturno

Vou virar guarda noturno

E você sabe porque.

Mas você não sabe

Que enquanto você faz pano

Faço junto do piano

Estes versos prá você.

Nos meus olhos você vê

Que eu sofro cruelmente

Com ciúmes do gerente impertinente

Que dá ordens a você.

Palpite Infeliz.

Noel Rosa.

Quem é você que não sabe o que diz?

Meu Deus do Céu, que palpite infeliz!

Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira,

Oswaldo Cruz e Matriz.

Que sempre souberam muito bem

Que a Vila Não quer abafar ninguém,

Só quer mostrar que faz samba também.

Fazer poema lá na Vila é um brinquedo

Ao som do samba dança até o arvoredo

Eu já chamei você pra ver

Você não viu porque não quis.

Quem é você que não sabe o que diz?

A Vila é uma cidade independente

Que tira samba mas não quer tirar patente

Pra que ligar a quem não sabe

Aonde tem o seu nariz?

Quem é você que não sabe o que diz?

Pierrô Apaixonado.

Noel Rosa e Heitor dos Prazeres.

Um pierrô apaixonado

Que vivia só cantando

Por causa de uma colombina

Acabou chorando, acabou chorando.

A colombina entrou num butiquim

Bebeu, bebeu, saiu assim, assim.

Dizendo: pierrô cacete

Vai tomar sorvete com o arlequim.

Um grande amor tem sempre um triste fim

Com o pierrô aconteceu assim

Levando esse grande chute

Foi tomar vermute com amendoim.

Até Amanhã.

Noel Rosa.

Até amanhã se Deus quiser

Se não chover, eu volto pra te ver, ó mulher

De ti gosto mais que outra qualquer

Não vou por gosto, o destino é quem quer.

Adeus é pra quem deixa a vida

É sempre na certa que eu jogo

Três palavras vou gritar por despedida

Até amanhã, até já, até logo.

O mundo é um samba em que eu danço

Sem nunca sair do meu trilho

Vou cantando o teu nome sem descanso

Pois do meu samba tu és o estribilho.

Eu sei me livrar do perigo

Num golpe de azar eu não jogo

É por isso que risonho eu te digo

Até amanhã, até já, até logo.

Feitio de Oração.

Noel Rosa.

Quem acha

Vive se perdendo

Por isso agora vou me defendendo

Da dor tão cruel dessa saudade

Que por infelicidade

Meu pobre peito invade.

Por isso agora

Lá na Penha vou mandar

Minha morena pra cantar

Com satisfação.

E com harmonia

Esta triste melodia

Que é meu samba

Em feitio de oração.

Batuque é um privilégio

Ninguém aprende samba no colégio

Sambar é chorar de alegria

É sorrir de nostalgia

Dentro da melodia.

Por isso agora

Lá na Penha vou mandar

Minha morena pra cantar

Com maior satisfação.

E com harmonia

Esta triste melodia

Que é meu samba

Em feitio de oração.

O samba na realidade

Não vem do morro nem lá da cidade

E quem suportar uma paixão

Sentirá que o samba então

Nasce no coração.

Positivismo.

Noel Rosa.

A verdade, meu amor mora num poço

É Pilatos lá na Bíblia quem nos diz

Que também faleceu por ter pescoço

O autor da guilhotina de Paris.

A verdade, meu amor mora num poço

É Pilatos lá na Bíblia quem nos diz

Que também faleceu por ter pescoço

O infeliz, autor da guilhotina de Paris.

Vai orgulhosa querida

Mas aceita esta lição

No câmbio incerto da vida

A libra sempre é o coração.

O amor vem por princípio, a ordem por base

O progresso é que deve vir por fim

Desprezaste esta lei de Auguste Comte

E foste ser feliz longe de mim.

O amor vem por princípio, a ordem por base

O progresso é que deve vir por fim

Desprezaste esta lei de Auguste Comte

E foste ser feliz longe de mim.

Vai, coração que não vibra

Com seu juro exorbitante

Transformar mais outra libra

Em dívida flutuante.

A intriga nasce num café pequeno

Que se toma para ver quem vai pagar

Para não sentir mais o teu veneno

Foi que eu já resolvi me envenenar.

Pra Quê Mentir?

Noel Rosa.

Pra que mentir

se tu ainda não tens

esse dom de saber iludir?

Pra quê? Pra que mentir

se não há necessidade de me trair?

Pra que mentir

se tu ainda não tens a malícia de toda mulher?

Pra que mentir se eu sei que gostas de outro que te diz que não te quer?

Pra que mentir tanto assim se tu sabes que eu sei que tu não gostas de mim?

Tu sabes que eu te quero

apesar de ser traído

pelo teu ódio sincero ou por teu amor fingido.

Pra que mentir

se tu ainda não tens a malícia de toda mulher?

Pra que mentir se eu sei que gostas de outro que te diz que não te quer?

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Dama do Cabaré.

Noel Rosa.

Foi num cabaré na Lapa

Que eu conheci você

Fumando cigarro,

Entornando champanhe no seu soirée.

Dançamos um samba,

Trocamos um tango por uma palestra

Só saímos de lá meia hora

Depois de descer a orquestra.

Em frente à porta um bom carro nos esperava

Mas você se despediu e foi pra casa a pé

No outro dia lá nos Arcos eu andava

À procura da Dama do Cabaré.

Eu não sei bem se chorei no momento em que lia

A carta que recebi, não me lembro de quem

Você nela me dizia que quem é da boemia

Usa e abusa da diplomacia

Mas não gosta de ninguém.

Foi num cabaré na Lapa...

Pastorinhas.

Noel Rosa e Braguinha.

A estrela d'alva no céu desponta

E a lua anda tonta com tamanho esplendor.

E as pastorinhas pra consolo da lua

Vão cantando na rua lindos versos de amor.

Linda pastora morena da cor de Madalena

Tu não tens pena de mim

Que vivo tonto com o teu olhar.

Linda criança tu não me sais da lembrança

Meu coração não se cansa

De sempre sempre te amar.

O Orvalho Vem Caindo.

Noel Rosa e Kid Pepe.

O orvalho vem caindo, vai molhar o meu chapéu

e também vão sumindo, as estrelas lá do céu

Tenho passado tão mal

A minha cama é uma folha de jornal.

O orvalho vem caindo, vai molhar o meu chapéu

e também vão sumindo, as estrelas lá do céu

Tenho passado tão mal

A minha cama é uma folha de jornal;

Meu cortinado é um vasto céu de anil

E o meu despertador é o guarda civil

(Que o dinheiro ainda não viu!)

O orvalho vem caindo, vai molhar o meu chapéu

e também vão sumindo, as estrelas lá do céu

Tenho passado tão mal

A minha cama é uma folha de jornal.

A minha terra dá banana e aipim

Meu trabalho é achar quem descasque por mim

(Vivo triste mesmo assim!).

O orvalho vem caindo, vai molhar o meu chapéu

e também vão sumindo, as estrelas lá do céu

Tenho passado tão mal

A minha cama é uma folha de jornal.

A minha sopa não tem osso e nem tem sal

Se um dia passo bem, dois e três passo mal

(Isso é muito natural!).

Quando o Samba Acabou.

Noel Rosa.

Lá no morro da Mangueira

Bem em frente a ribanceira

Uma cruz a gente vê.

Quem fincou foi a Rosinha

Que é cabrocha de alta linha

E nos olhos tem seu não sei que.

Numa linda madrugada

Ao voltar da batucada

Pra dois malandros olhou a sorrir.

Ela foi se embora

Os dois ficaram

E depois se encontraram

Pra conversar e discutir.

Lá no morro

Uma luz somente havia

Era lua que tudo assistia

Mas quando acabava o samba se escondia.

Na segunda batucada

Disputando a namorada

Foram os dois improvisar.

E como em toda façanha

Sempre um perde e outro ganha

Um dos dois parou de versejar

E perdendo a doce amada

Foi fumar na encruzilhada

Passando horas em meditação.

Quando o sol raiou

Foi encontrado

Na ribanceira estirado

Com um punhal no coração.

Lá no morro uma luz somente havia

Era Sol quando o samba acabou

De noite não houve lua

ninguém cantou.

Festa no Céu.

Noel Rosa.

O leão ia casar

Com sua noiva leoa,

E São Pedro, pra agradar,

Preparou uma festa boa.

Mandou logo um telegrama

Convidando o bicho macho

Que levasse todas dama

Que existisse cá por baixo.

Pois tinha uma bela mesa

E um piano no salão.

Findo o baile, por surpresa,

No banquete do leão.

Os bicho todo avisado

Tavam esperando o dia

Tudo tava preparado

Pra entrar enfim na orgia.

E no tal dia marcado

Os bicho tomaram banho

Foram pro céu alinhado

Tudo em ordem por tamanho.

O mosquito entrou na sala

Com um charuto na boca;

Percevejo de bengala,

E a barata entrou de toca.

Zunindo qual uma seta,

Foi o pingüim do Pólo;

O peixe de bicicleta

Como o tamanduá no colo;

O siri chegou atrasado

No bico de um passarinho,

Pois muito tinha custado

Pra bota seu colarinho.

E o gato foi de luva

Pra assisti o casório;

Jacaré de guarda-chuva

E a cobra de suspensório.

O porco de terno branco

Com um sapato de sola;

E o tigre de tamanco

De casaco e de cartola.

De lacinho à borboleta

Foi o cabrito faceiro;

E o burro de luneta

Montado num carroceiro.

O macaco com a macaca

Com rouge pelo focinho;

Estava engraçada a vaca

De porta-seio e corpinho.

Vou breviá o discurso

Pra não dizê tanto nome:

Lá foi a mulhé do urso

De cabeleira A la home.

Quando o leão foi entrando,

São Pedro muito se riu

E pro bicho foi gritando:

Caiu 1º de abril.