A LIBERDADE... "A FÉ remove montanhas. Imagina só uma doencinha à toa?".
CIDADÃO
Tá vendo aquele edifício, moço?
Ajudei a levantar
Foi um tempo de aflição
Eram quatro condução
Duas pra ir, duas pra voltar.
Hoje depois dele pronto
Olho pra cima e fico tonto
Mas me vem um cidadão
E me diz desconfiado
“Tu tá aí admirado?
Ou tá querendo roubar?”.
Meu domingo tá perdido
Vou pra casa entristecido
Dá vontade de beber
E pra aumentar meu tédio
Eu nem posso olhar pro prédio
Que eu ajudei a fazer.
Tá vendo aquele colégio, moço?
Eu também trabalhei lá
Lá eu quase me arrebento
Fiz a massa, pus cimento
Ajudei a rebocar.
Minha filha inocente
Vem pra mim toda contente
“Pai, vou me matricular”
Mas me diz um cidadão
“Criança de pé no chão
Aqui não pode estudar”.
Essa dor doeu mais forte
Por que é que eu deixei o norte?
Eu me pus a me dizer
Lá a seca castigava
Mas o pouco que eu plantava
Tinha direito a comer.
Tá vendo aquela IGREJA, moço?
Onde o PADRE diz amém
Pus o sino e o badalo
Enchi minha mão de calo
Lá eu trabalhei também.
Lá foi que valeu a pena
Tem quermesse, tem novena
E o PADRE me deixa entrar
Foi lá que CRISTO me disse
“Rapaz deixe de tolice
Não se deixe amedrontar
Fui eu quem criou a terra
Enchi o rio, fiz a serra
Não deixei nada faltar”.
Hoje o homem criou asas
E na maioria das casas
Eu também não posso entrar
“Fui eu quem criou a terra
Enchi o rio, fiz a serra
Não deixei nada faltar”.
Hoje o homem criou asas
E na maioria das casas
Eu também não posso entrar.
Zé Ramalho.