Domínio do medo
"Domínio do medo" foi feita em 94, quando eu estava trabalhando na "Autolatina", era um empregado da "Ford" dentro da fábrica da Volkswagen, e é claro que sofri com isso.
Eu estava muito angustiado e com vontade de largar tudo, o meio era diferente , as pessoas não eram a minha gente, me sentia fragilizado e sem forças para reagir, então me fechava a maior parte do tempo, pois percebia que não podia me abrir naquele lugar.
Sair de casa pelas manhãs era um desafio, um sacrifício ímpar ,de quem caminha ao cadafalso , ou a um pátio de orfanato. As vezes a tristeza era grande , então saia da minha mesa de trabalho sem dizer nada, e andava sem rumo certo, e quando retornava tudo continuava igual.
Naquele ano de 94 surgiam rumores de que a "Autolatina" tinha os dias contados, e que os funcionários da "Ford" voltariam para as origens, e isso me trouxe alento , e de fato , naquele final de ano foi a despedida , não cabia em mim de felicidade.
No ano 95 trabalhei como um louco no "Centro de pesquisas", não tinha hora pra sair, e acomulava funções, mas não me importava, estava radiante, recuperara a auto-estima, e trabalhar nunca foi problema para mim, estava habituado a fortes jornadas , além do mais estava motivado .
O período de dois anos e meio na Volks havia me debilitado, e precisei fazer tratamento, havia sentido raiva e medo, havia conhecido a maldade humana de perto,e o quanto as pessoas podiam ser ruins e machucar, e só a minha família é que me mantinha realmente vivo, e felizmente tudo havia passado agora,e a "Ford " estava contente comigo, eu me doava a nova equipe, como me doei a vida toda para ajudar os colegas, talvez porque eu mesmo não havia tido essa ajuda , e entendia as dificuldades dos demais, sempre parei o que estava fazendo por mais ocupado que estivesse, para auxiliar um companheiro, para mim isto passou a ser a minha bandeira .
Um dia levei o violão para um encontro no clube da Volks e toquei esta música, que muitos entenderam, e o recado foi dado , e mais ainda, cantado.
"Domínio do medo" revela o quanto lutei para acalmar a minha fera, e não me tornar igual aos algozes.
" Ter um coração,
Para sentir uma canção
E então surgir, do amanhecer
A emoção,
E domar a fera ,
Que existe aqui...dentro de mim,
Para ferir...para ferir,
Com seu manto negro
Fixa o horizonte
Tem que atravessar aquela ponte,
Mas ela se esconde,
Mas, ela se esconde
Para então surgir...não sei de onde."
Como fui parar na Volks ? Por incrível que pareça, sozinho . A " Autolatina" havia mandado uma rigorosa auditoria ao Departamento de Compras, e a metade dos oitenta compradores foram demitidos por justa causa. Nessa ocasião eu trabalhava na Logística da Ford, e frequentemente ia até a Volks levar ou pegar mercadorias, e um dia deixei o meu currículum dentro da caixa de entrada do diretor que selecionava os substitutos para os demitidos, e para surpresa fui chamado . Para mim era uma promoção e melhoraria meu salário, tinha três filhos e pagava aluguel.
O Departamento de compras passaria a funcionar com sistema eletrônico, que na época mal funcionava , pois havia sido criado as pressas, e estava incompleto. Me deram uma mesa , um telefone que não parava de tocar, e um arquivo fechado com fitas pelos auditores, e ninguém para poder me auxiliar,os novos colegas não me conheciam, o chefe também não, e eram todos da Volks, foi muito duro.
O chefe debochou de cara, disse em alto em bom tom, " preciso de um comprador , e me mandam um professor ", outros riram , sem levar em consideração meus 19 anos de Logística, e na verdade eu conhecia uma montadora melhor do que qualquer um deles. Quando voltei para a Ford , no início de 95, parecia que havia envelhecido dez anos em três, estava mais maduro, preparado para a função e sabia ser duro quando necessário, menos com os colegas, para eles era capaz de ficar até mais tarde se alguém precisasse da minha juda, o time era novo, e eu era o único que tinha bagagem , as duras penas.