Noite de gelo
Noite fria de inverno, um livro e uma vida solitária , que se fundem em final de noite, quando as letras descem dos olhos e ficam na alma.
A velhice ( se é que é assim), se reencontra com a sua própria existência. Aqui está o que faz sentido, e o que nunca fará, são as peças de um quebra-cabeça que nunca se completará, e não formará a imagem por inteira.
O medo sempre volta em formas tão diferentes, sombrio e gelado como nesta noite, definido e impiedoso, dominante e desafiador como costuma ser, fazendo pactos para poder retornar, soberano sempre, e hoje ao cansaço e a reflexão da leitura , me deixo refém , por hora.
Lá fora a imagem da noite, os prédios da cidade, com algumas das suas inúmeras janelas iluminadas, cada uma com a sua própria "noite de gelo", mas na minha sala parece que só uma lua pode iluminar, então o livro pesa no meu colo, ou serão as suas idéias , já nas últimas páginas...
A ficção urbana, poética e lírica, desconcerta o humano , crua e paradoxal, trceira pessoa amparando a primeira, sem tocá-la , tempos distintos estes, os mesmos que retonam a Sartre e a Kafka, num existencialismo perturbador.
As letras trazem os medos da vida e da morte nas entrelinhas, medos tão diferentes que chegam a se mirar , que trazem lembranças e tocam o corte, flagelo e remissão.
Não sou a personagem do livro, mas é para mim que está escrito, então eu sou...umbilical, alguém como eu, como você, qualquer um. Se você se chamasse "Você", eu não poderia lhe perguntar, " Como vai você ?", pois você me responderia ; " Você está bem, e você ?", e não saberia como te responder .
As verdades podem decepar o tempo, veladas, sofridas, doídas, sem véus ou mistérios, nuas e decifráveis, e agora embriagado pelo sono e histórias, com as reflexões filosóficas, deixo-as guardadas na ficção para obter algumas respostas.
Relendo entendemos as distintas maneiras do conteúdo, muito embora seja a mesma escrita, o que significa que nunca somos o mesmo leitor. E há quem fale em limitações ! Como se a alma humana tivesse ...Não sei do que somos feitos , além de sensibilidade que como a última gota, completa a fórmula da matéria.
Se não temos a verdade é porque ela não nos pertence, e nos permitimos o julgamento e o perdão. Grandes tolos que somos ! Caminhamos " al borde" ignorando o planalto , segurando a vida entre os dedos, estreitos e frágeis, temendo que se derrame e se rompa.
O consumado, como disse o poeta Arnaldo Antunes, plageando a sagrada palavra, repassando as páginas do mundo particular, rvivendo neles a luz e a sombra, e o controle nauseante da solidão.
O prisma da visão masculina, o chuveiro, o café, o recobrar-se de um torpor, senso plural de um singular, cada cinco segundos de uma pulsação, a metrópole que chama gritando por nomes. Como vestir-se para o jantar ? Como não morrer, quando o coração não deixa de pulsar ?
A loucura é subjetiva, tanto quanto real , invasão egoísta, ouvindo a própria voz para que não se apague, e para não romper uma vertigem. E a memória fraca de uma velha cantiga, que começamos a assobiar , buscando as notas e as sílabas mentalmente, raspas de algum tempo , e que agora são acordes de uma vida, que precisamos ensaiar.
O tom da voz é culpa e piedade, ecos de existências do verbo ser, o que não se pode tocar.
A neblina esconde o ponto , tornando a travessia muito difícil, e apesar do manto negro sobre os ombros, somente o coração nos protege.
A vida é mais do que momentos de falsas risadas, embustes e aparências, o tempo não se mede assim. O tempo é uma farsa do homem, ele também gira para trás, em uma dimensão que ainda não conhecemos.
Uma travessia rio acima, seguida de um cardume de peixes negros que seguem ordenadamente, como os anos da vida que percorremos, guiados para o mar, e lá se espalham em definitivo, e então já não nos pertencerão. O mar abre-se imenso, ao final dessa subida, onde somos guiados pelo som do seu clamor, forte , claro, em águas revoltas e espumadas, e segue-se firme em braçadas definidas e constantes, onde as ondas sempre estão acima da nossa linha de visão. O dia é claro, muito azul !
A razão plena é a imortalidade, e por isso morre-se na estupidez, a razão é um presente divino, o qual não conhecemos , por hora um trono e um calabouço, um dia porém a luz !