Desabafo
Desde criança o mundo sempre me disse
Coisas que só me deixavam cada vez mais triste
Como "sonhar é bom, mas não dá abrigo
E o melhor sonho que se tem é crescer e ficar rico.
E é por isso que vamos à escola".
O problema é que esse papo comigo não cola
E eu sempre rebelde me punha a desafiar
Se todo mundo luta pra fazer a diferença
Por que é que todo mundo é igual?
E por que que eu devo me igualar a todos eles
E ser mais um cidadão normal?
É assustador como tornaram banal
A desesperança e a indiferença
E como pregam que é apenas natural
Tanto medo, ódio, frustração e demência.
Por não me encaixar, não me escravizar
Fui taxado como um disfuncional
Inválido, com déficit de atenção
E tratado como um mero marginal
E nesse balanço eu fui desenvolvendo
Problemas com minha personalidade
A cada novo ano eu me vi crescendo
Cada vez mais longe da realidade
Uma voz, porém, sempre me guiava
pelo caos que foi a minha história.
Segurando a minha mão, foi me envolvendo
Na jornada pra buscar minha própria glória.
(estribilho)
Bicho papão se foi junto com boi-tatá, tutu marambá
Sai pra lá com esse medo, mando um oi para quem vem somar
O pesadelo acabou, agora é só acordar, força, levantar
Agradecer e caminhar, guiado por Oxalá
Vê bem:
Que essa voz segurou a minha mente,
Isso pra ninguém é segredo.
Me poupou de viver uma vida
totalmente tomada pelo medo
Sem pedir licença ou fazer cerimônia
Me puxava pra longe de chegar à vergonha
de ver meu corpo jogado, sangue derramado
mesmo quando o peso da cruz não era pesado
E muito impensado, me levava a derramar tinta
No caderno com desenhos, poemas, cifras e rimas
Como bem me levou para o centro do conflito
No tatame, queda, soco, chute, o grito de dor
Não indica a desistência, só o fervor
Com que tento manter a paciência - 1, 2, 3, tá fora!
Mais uma derrota! Mas o prazer de ver um sentido na vida
Amanhã vai me trazer de volta.
(estribilho)
Falei de ser quase exilado
Por não me deixar ser reajustado
Não me encaixar no mesmo velho quadro, bem
Os marginais de verdade me tratavam bem
Me diziam "Vem, que tu és um em cem.
Viva sem limites e não temais ninguém!"
E enquanto eu evito de julgar suas escolhas, agradeço à velha voz
Por me lembrar que eles poderiam se tornar o meu algoz.
Ainda assim pro empresário somos todos semelhantes
"Maldita mão-de-obra que também quer ser pensante"
E como retaliação eles ergueram um muro
Que tampasse o horizonte onde está nosso futuro
E que podemos lá chegar se trabalharmos duro
Mas duro mesmo é saber que nosso esforço
Só vai ter valor se um dia lhes gerar lucro.
(estribilho)
E questionando eu sigo, indignado
Ponto por ponto vou buscando o resultado
Satisfatório para saciar minha ansiedade
Pra renovar minha força de vontade
De seguir firme e forte nesse mundão
Resistindo a todo aperto no coração
E até lá deixo aqui meu desabafo, bem transtornado
Porque a vida segue, espero vocês do outro lado.