O PÁO SECO E VENCIDO QUE NUNCA VIRÁ.
O tempo brinca com a vida, brinca com o tempo,
vai pra onde quiser, pára onde desejar,
manda prender, manda soltar, manda matar.
O tempo é alegoria, pura anarquia,
enxerga sem luz, respira sem ar,
pulsa sem coração no peito,
pensa sem um neurônio sequer.
Tempo é amigo, é ombro, é irmão,
por vezes vira carrasco pronto pra puxar a corda,
pode ser água abençoada que nos saciará a vida,
verdadeiro bálsamo pros dias que nunca deveriam ter nascido,
nunca mesmo.
Tempo é moleque, é doutor, é tradutor,
é tudo numa coisa só,
olha pra gente, ri até não poder mais,
pode ficar calado numa eternidade sem trégua,
vai saber, vai saber.
O tempo sacia ou nos indigesta a alma,
faz o nosso suor virar ferrugem, deixa nossa voz oca,
suas vértebras caminham feito bêbadas meretrizes pra onde der,
seu sangue calibra nossos sonhos com precisão maestral.
O tempo se anágua feito cabresto despencando nas estribeiras do medo,
destrona nossos desejos sem piedade ou culpa,
acaba velho, atirado num canto qualquer, esperando seu pedaço
de pão seco e vencido que nunca virá.
Nunca mais virá.
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