TEMPUS BEBADUS
Que tempo é esse, meu senhor,
que se acanha de manhã e de noite descama,
que não tem asa nem casa,
faz a gente cair feito dominó,
feito dominó.
Que tempo é esse, meu feitor,
finge estar dormindo e nos pega de surpresa,
faz a gente virar uma simples presa,
deixa a gente desarmado, desalmado,
com vontado de tudo esquecer,
tudo esquecer.
Que tempo é esse, diga lá,
que parece bêbado mas tem a lucidez de Deus
que nos impregna de medos, de teias, de âncoras,
depois fica calado pra sempre,
ou até nunca mais, nunca mais,
Que tempo é esse, meu amigo,
salpica sal nos nossos olhos sem pena,
faz nossa alma ficar tão pequena
mal cabe num grão de feijão,
vive em decomposição,
decomposição.
Que tempo é esse, estranha criatura
deixa nossa visão tão escura
coloca todos nossos desejos num bueiro frio,
num abafado pio,
eterno cio.
Que tempo é esse, seco e enrugado,
corta o peito com afiado machado
fazendo sangrar até se cansar,
até se casar.
Que tempo é esse, se sei não digo
parece tão amigo, tão antigo,
nunca vamos ver de verdade,
leva longe a nossa mocidade,
faz a gente estilingar os sonhos pra longe
faz o que temos de mais forte virar monge,
e morrer banguelo numa viela qualquer.
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