O cantor pra ninguém.
A noite já caminhava trêmula, mal via a própria sombra,
mesas solitárias, cadeiras vazias, copos sujos pelas mesas
poucas luzes ainda insistiam em ficar acesas
e ele firme, tocando pra ninguém.
Já nem conseguia mais entender as partituras
a sua visão ficando cada vez mais às escuras,
o sono arranhando a alma feito cão arredio,
e ele cantando lá pra ninguém.
Fazia muito tempo que estava ali,
talvez nunca tenha saído dali.
Toninho das Letras era como o chamavam,
mas se falassem psiu também o achavam,
e ele se apresentando lá pra ninguém.
Rosto cansado, daqueles que vem quando volta da guerra,
ou indo pro cadafalso,
ou quando se perde todo calço,
e ele olhando pra quem, pra quem?
Ela nunca arredou pé dali,
sempre ficou firme até a última nota,
nunca ameaçou fazer meia-volta,
e ele agradecendo pra ninguém, pra ninguém.
Toninho cantava só pra ela, sempre cantou só pra ela,
conhecia cada veia daquela alma singela,
seguia com a respiração pra onde fosse,
no final era ela quem dizia amém, dizia amém.
Um dia os dois fugiriam dali pro mundo
espere pra ver, espere só pra ver.
Largariam tudo sem ninguém mais perceber,
fariam sua trouxa e até never more,
até never more.
Quando a gente gosta nada destoa, nada desacata,
nada vira musgo, nada vira nata,
a paixão se faz menos ingrata se for por uma barata.
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