Afago áspero
Quando de repente o sol foge do poente,
a lua também some do batente,
o vento desanda a limpar seus porões,
sabe lá onde isso vai dar?
O mar fica confuso, esquece seu fuso, desanda a correr,
descobre então que tem medo de morrer
corre pra sua mãe pedindo abrigo,
sabe lá o que isso vai gerar?
Os rios que antes viviam vadios, tanto arredios,
desnudam sua algazarra e caem na vida,
como mundanas loucas por um pedaço de carne viva,
ou pelo afago áspero de uma barba qualquer,
sabe lá o que isso vai ancorar?
As matas que sempre foram ingratas, surradas,
lubrificaram suas ancas mundanas e zuniram de vez,
ficaram arredias como os quebrantos bêbados da insensatez,
sabe lá o que isso vai gozar?
Os desejos sem dono fizeram motim,
colocaram todas suas fraldas num zarpão,
estirparam cada verruga virgem com a mão,
sabe lá o que isso vai atacar?
As conchas entenderam sua sina,
foram enfileiradas rogar praga pelos tombos devassos,
ficaram assim, mortas aos maços,
sabe lá no que isso vai atracar?
E nós, quem diria,
que pensávamos saber cerzir os sonhos,
ou dedilhar cada vértebra da dor,
ficamos assim, desgarrados do nosso próprio feitor,
cabisbaixos como nunca imaginamos estar,
então fomos embora daqui sem nunca mais olhar pra trás,
sabe lá o que isso vai suportar?
Nunca mais vamos olhar para trás.
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