O ponto final no horizonte.

Pra escrever, a alma terá que estar desgarrada,

assim vai poder destravar todos os sentidos, até os esquecidos,

terá que se mostrar criança com toda sua graça,

terá que refazer toda cor, todo cheiro, toda ternura.

Pra escrever precisará saber embalar a dor,

precisará sentir quando os ventos não conseguirem mais se impor,

precisará renascer de si mesmo só pra ouvir o seu choro maior.

Pra escrever precisará pedir emprestado de Deus a sua luz,

terá que aprender andar no escuro, a ficar dias sem dormir, sem amar,

terá que entender que mesmo cicatrizada a ferida ficará com pouco de pus.

Pra escrever terá que inventar o fogo exatamente como da primeira vez,

terá que fecundar o próprio ventre milhares de vezes. E até mais.

Até muito mais.

Pra escrever terá que virar andarilho e fugir pro mundo,

terá que resumir toda sua vida num único segundo,

precisará escalar as montanhas da fé, seja lá o que isso for,

seja lá o que isso for.

Pra escrever precisará arrancar com os dentes as mortalhas que fazem calar a boca dos seus sonhos,

terá que virar um ermitão dentro de si mesmo até o sol pedir perdão,

terá que engolir cada grão de areia deste mundo sem nunca se engasgar, nem reclamar.

Pra escrever precisará ter medalhas pregadas no peito desnudo,

terá que fazer seu sangue correr bem mais rápido ou até pará-lo de vez,

terá que colocar a sua vida toda à deriva até sempre, até todo sempre.

Pra escrever terá que decifrar o que o gozo nunca ouviu de ninguém,

terá que saber atirar sem medo, sem dúvida, sem remorso, sem pena,

tem que tirar o tempo das garras da morte só pra fazer picadinho dele,

terá que abençoar o feio, adotar o áspero, abraçar o sujo, aninhar o podre,

terá que aprender a se fazer nascer de novo sempre que a vida mandar.

Pra escrever terá que ter a voz mansa quando os gritos baterem à porta sem cessar,

precisará encontrar a receita que o divino escondeu no fundo do seu baú, sem Ele desconfiar,

terá que agradecer aos céus que o ponto final apareceu no horizonte.

Terá que agradecer aos céus só porque o ponto final apareceu no horizonte.

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Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 14/04/2011
Reeditado em 14/04/2011
Código do texto: T2907845
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