É duro dizer
Eh, doutor,
Você pensa que a vida é assim, seu doutor,
Fica se enchendo de leis e papéis
E achando que se protege.
Só que o contrato, seu moço,
Tem que ver os dois lados;
Esse negócio não ‘tá bem escrito,
E se o jogo virar, o senhor
Vai ver onde meteu a colher.
E também, meu senhor,
Outro doutor ‘tá dizendo
Que nesse papel tem erro à beça,
Que não tem como o senhor se guardar;
O doutor quis fazer armadilha,
Cuidado pra não cair nela,
Vai ser um enrosco danado.
Isso aqui não é ditadura
E o clarim militar já passou.
E depois, a gente ama esse espaço,
O que não dá pra engolir
É esse seu discurso sem pé nem cabeça,
Sem olho e pescoço, sem fim nem começo,
É curto e grosso, é osso duro de roer.
E o senhor ainda fica se achando
E dizendo que nossa causa sempre vai defender.
Pode voltar, que o samba
Hoje vai tomar novo rumo;
Leve no bolso o alfinete,
Deixe na mesa o apito,
A gente não quer mais tanto grito,
Não suporta mais seu maltrato
E merece respeito.
Devolva a nossa viola e o tostão
Que a escola juntou pra pagar
Água, luz e a limpeza do barracão.
Você veio de branco, mas a poeira sujou.
Você deixou que o seu nome relasse na fossa,
Agora não tem o que tire esse cheiro
E o seu tempo passou.
Eu tenho que entrar, é duro dizer,
Mas hoje quem ‘tá na roda
Também veio de branco, é daqui mesmo e já se formou;
Vem pra pegar o que o senhor nunca soube assumir.
Era simples, doutor,
Era só nos representar, ser honesto e escrever no papel
O que de boca era trato e gosto nosso
E deixar que o povo cantasse;
Mas esse seu comando desafinado
Acabou atrapalhando o compasso e o gingado,
Atravessando o salão.