O ASTRO

Eu não tenho pistas de quem sou:

Procurei no rol do "Mau Pagador"...

Nem por acaso lá estava eu.

Será que eu era um errante judeu?

Perguntei pelo bairro, ninguém sabia...

Nenhum sinal, nem de batismo na pia,

Imersão evangélica, nem no candomblé;

Por causa da cor podia ser o Pelé...

Nem identidade, CIC, PIS-PASEP,SPC...

Eu não tinha origem, como podem ver;

Carta ou bilhete enviado por alguém?

Nem correio elegante: eu era um Zé Ninguém...

Se você souber,

Se você sacar,

Dê um pulinho aqui, refrão

Venha me contar...

Pelo meu estilo achei que era rico;

Sem nenhum no bolso? Duro é que não fico...

Procurei um banco, o mais importante,

E naquele dia me tornei assaltante.

Sem amor algum pra me consolar,

Dei de amar a noite, dei de vadiar...

Larguei à deriva meu pobre coração,

E numa dessas noites virei cafetão!

Se eu não era nada, tudo podia ser...

Senador, deputado, presidente, era só querer!

Me candidatei como "desconhecido" e logo fui eleito!

Mamei nas tetas do governo: Fui eleito prefeito!

Se você souber,

Se você sacar,

Dê um pulinho aqui,

Venha me contar...

Pra saber dos meandros lá do Vaticano

Fiz teologia, me tornei padre, tipo "anglicano";

Acordava cedo para rezar missa, quase todo dia...

E não sei porque, um dia fui acusado de pedofilia...

Revoltado e amargo me tornei "polícia".

Um local seguro mas cheio de malícia...

Descobriram logo que eu não era flor

Que se cheira de perto: No morro virei matador.

Sem nenhum caminho, sem nenhum trocado,

Eu roubei um terno e me tornei advogado;

Me deu certa vontade de estar com Jesus na Santa Ceia;

Fui barrado na entrada: acabei em porta de cadeia.

Se você souber,

Se você sacar,

Dê um pulinho aqui,

Venha me contar...

Daí eu fui pra Bahia e me tornei Filho de Ghandi;

Naquela de dançar fiquei excitado e o "meu" era grande...

Fui parar num clube onde só tinha mulher;

Não usavam canudinho e só comiam de colher...

Pra me afastar do mundo fui morar bem longe;

Num mosteiro oculto me tornei um sacro monge.

Saí pelo mundo todo iluminado, a fazer pregação;

Com viagens cada vez mais longas, comprei um avião.

Depois de tudo isso me tornei respeitado ufólogo:

Que me levou ao divã de um conhecido psicólogo.

Descobri na vida que fui esperma, filho, pai, avô;

Com um belo turbante passei a ler Tarô.

Se você souber,

Se você sacar,

Dê um pulinho aqui,

Venha me contar...

De filosofia eu nem aqui vou falar;

Nos gregos e modernos fui me alimentar...

Um telefonema me pôs no mundo normal:

Fui convidado a escrever coluna para um jornal.

Me chamaram para um "almoço nú" lá em Marrocos;

Preso em Istambul, meio alucinado, perdi o foco.

Escapei por pouco, acho que era quase meia-noite...

Aprendi que a Morte existe: eu vi sua foice.

Hoje, acabadão, subo no palco e é só por dinheiro;

Eu já fiz de tudo e meu amado pai quase que eu cheiro...

Já vivi em dois séculos: na quântica razão e na Belle Epoque;

Fui do samba ao rural mas hoje eu sou um astro do rock.