A Peleja do Violeiro
Marcelo Augusto, filho de Odete
Era um ditoso violeiro do sertão
Com sua viola alucinada
Alucinava as nuvens e rasgava o chão
E viajava de sul a norte
E toda sorte de gente vinha pra ver
Quando chegava, havia festa
E o baião comia até amanhecer
Essa história veio de longe
É de um tempo distante que já não sei
Naquele tempo Marcelo Augusto
Cantava a custo de um trocado pra comer:
“Durmo com a lua a tantas noites
Que de ciúme o sol castiga o meu coro
Minha viola vem quase muda
E a algibeira minha fome já matô”
E caminhava pela estrada
Quando de longe uma cidade avistou
Cidade adentro, pegou a viola
Chegou na hora que o sol se "alevantô"
E começando a cantoria
Fez umas trovas que seu pai lhe ensinou
Até que um homem de barba branca
Sacou a arma e o violeiro apontou
E disse: "Some, seu agourento!
Da tua laia aqui não quero não senhor,
Leva embora teu instrumento
E o pavoroso vento que lhe carregou!"
Marcelo Augusto, apavorado
Erguendo os braços disse: "Calma meu senhor,
Primeiro escuta a minha história
Não sou bandido, sou homem trabalhador
“Durmo com a lua a tantas noites
Que de ciúme o sol castiga o meu coro
Minha viola vem quase muda
E a algibeira minha fome já matô”
O velho disse: "Não me interessa
Ou vai embora ou lhe mato sem ter dó
Toma vergonha, larga a viola
Pega uma enxada e vai pra roça de jiló!"
O bardo disse: "prefiro a morte!
Numa enxada num pego nem prá olhá,
Sou violeiro e a viola
Me deu os calos que pra terra eu vou levar!"
O barba branca, perdeu o tino
Avermelhou e fez o jovem ajoelhar
E o povo conta que da igreja
Dava pra ouvir o jovem chorar e rezar:
"Virge Maria que todos os nó desata
Me salva dessa espingarda, que hoje eu não quero morrer
No fim do dia eu vô correndo pra igreja
E entrego na bandeja o que hoje eu ganhei pra comê
"Não me interessa a comida, eu tenho pressa de tê vida
Eu tenho fome de corrê pelo sertão
Eu como chumbo e cuspo bala, desafio o sete-pele
Se a senhora ouvir minha oração!"
Naquele instante, como uma bênção
Uma luz branca encimou Marcelo Augusto
Ao mesmo tempo, de uma janela
A flor mais bela se abriu como de susto
Do céu um anjo, tal a beleza
Da noite a lua uma princesa coroou
E no seu olho, tinha a tristeza
Que o céu corava e de Luzia a batizou
Ao ver o jovem beijando a morte
Como um estrondo o seu coração bateu
a deu um grito tão alto e forte
Que a cidade toda parou e tremeu
O pistoleiro contrariado
Partiu deixando pra trás um olhar fatal
E o violeiro admirado
Se apaixonou pela moça celestial
E conversaram por muitas horas
E um ao outro o coração se conquistou
Mas foi jurado, teve dimbora
E de mãos dadas a luzia se jurou:
"Eu vô mimbora pra muito longe
Vô batê perna nesse mundão-de-Meu-Deus
mas não se case e nem me esqueça
Eu voltarei o maior que se sucedeu"
Assim firmando essa promessa
Partiu deixando prá traz o seu grande amor
E essa parte foi mais bonita
De cada amante uma lágrima rolou
Depois do tempo de sete dias
Era de noite quando um homem se achegou
Com muita graça e tanta gíria
Em um piscar de olhos se apresentou:
"Eu sou o fogo que abraça a lavoura
O desespero, o absurdo um tenebroso sem irmão
Eu sou mais belo que a aurora da derrota
O deboche, a paródia, eu sou a seca, a solidão
"O sete-pele, a serpente, a vingança
Sou o fim da esperança em um buraco qualquer
Sou o poeta das causas que estão perdidas
Sou o dedo na ferida, eu sou o fogo da mulher
"Tenho mil nomes e muitas cores
Desperto amores em cada lugar que vou
Desfaço lares e piso flores
Conheço horrores que nenhum homem sonhou
"Mas ocê pode me chamá Bento
Que mais me agrada e é mais fácil de dizer
Eu apareço nesse momento
A custa duma cobrança pra lhe fazer"
O violeiro não era bobo
E como um raio a intenção adivinhou
Benzeu o corpo, pegou a viola
Que a sete dias quase a morte lhe causou
Era o Tinhoso com seu pandero
Que remexia como a fúria de um tufão
Era o viajante com suas cordas
Que dedilhava o lamento do sertão
Quem viu de longe esse momento
Acreditou que fosse o juízo final
Que os dois cantavam - não é invento
- E o céu brilhava com mil cores sem igual
Bendita seja a fé sertaneja
Que move morros e faz chuva desabar
Que o Inimigo caiu por terra
Ouvindo o sol maior da viola ressoar
Marcelo Augusto ficou pasmado
Quando de longe ouviu palmas de multidão
Todos gritavam e alguns choravam
Dizendo que a esperança chegou pro sertão
Foi recobrido de honras e glórias
De toda parte dele se ouviu falar
Foram cantadas suas histórias
E uma delas essa que se fez cantar
Voltou louvado para a cidade
Do pistoleiro que um dia o quis matar
Cedeu desculpas e ganhou bênção
Para levar Luzia até o altar.
-recitado
Esta história que aqui narrei
É bem real e disso eu sei
Reza a lenda que ele gravou um disco
Mais o direito autoral num permite falar disso
E se alguém divida do que o povo conta
Ponteie a viola e que conte outra!