FICA COMIGO

FICA COMIGO

Wilson Mello

UM

Sexta-feira, 6h 15 min. O celular de Laura chama. É o seu despertador programado para acordá-la de segunda à segunda no período de aulas. Ela o pega e o desativa, com cara de sonolenta; boceja, deixando claro que uma preguiça, muito comum quando se acorda, a domina no instante.

Laura adora fazer horinha na cama e sabe que não deve chegar atrasada, pois já foi advertida por isso e até perdeu aulas em conseqüência de seus atrasos. Como é dia de prova de inglês, ela sabe que não pode faltar em hipótese alguma e a desculpa que estava doente não poderia se repetida; já era meio manjada.

O jeito é se levantar rápido e tomar um banho para se despertar complemente e depois uma xícara de café bem forte ela estaria novinha em folha.

Nunca mais fico até de madrugada no MSN, ela pensou, depois esboçou um sorriso, afinal valera a pena ter ficado teclando até mais tarde com Tiago.

Como estava um pouco frio, o primeiro contato da água do chuveiro fizera-lhe sentir um arrepio pelo corpo. A água já estava morninha e o banho, antes nem tão desejado, já era bem-vindo e causava uma sensação gostosa.

Laura tem 13 anos, é clara, de cabelos até os ombros e tem um belo sorriso, mas normalmente é muito fechada e se abre somente pra sua melhor amiga, Isabela. Os olhos de Laura são grandes e azuis, ela é filha de pais classe média. Seu pai é um militar, segundo sargento da PM e sua mãe professora do ensino fundamental, mas não trabalha na mesma escola que ela estuda.

Maria da Glória e Renato são seus pais corujas. Ele, mais conservador que ela, e muito rígido. Não sabe que a filha está de namorico com um colega de escola. Laura fica com ele às escondidas, e acha que não tem nada demais, afinal, todas suas amigas e colegas da escola ficam também.

A mãe desconfia, mas faz de conta que não sabe por que também não vê nada demais nisso. Fora adolescente e sabe o quanto é bom dar uns beijos. Maria da Glória chega a esboçar um sorriso quando se lembra de sua juventude: os melhores anos de nossas vidas, ela sempre diz para as poucas amigas.

Maria da Glória falou sobre sexo com Laura quando ela completou 13 anos, mas não aprofundou muito, foi bastante superficial, falando de doenças, gravidez e encerrou a conversa dizendo que Laura ainda era muito nova pra pensar em sexo, mas que no momento o importante era saber o que fora dito e caso encerrado.

-E sobre masturbação, mãe. – ela quis saber, depois de criar coragem e pensar mil vezes se lhe fazia essa pergunta ou não.

-Tou atrasada pro trabalho, depois falamos sobre isso.

E nunca que retomava o assunto.

No quarto de Isabela, Laura mencionou o assunto.

-Isabela, você é a única amiga que eu realmente confio. Tenho tantas dúvidas e quanto a minha mãe, cê sabe como é, né? Ela não fala coisa com coisa.

-Só tenho 14 anos, nem sei se posso te ajudar, amiga, mas fala aí.

-Bem, é que eu... cê sabe, né?

-Sei não, cê ainda não falou nada. Desembucha, vai.

-O Tiago e eu tamo ficando já tem três meses.

-Não vai me dizer que vocês já transaram! – Isabela sabia que tinha muitas garotas de sua escola que já transavam aos 13 anos e de casos de meninas até de doze anos.

-Não, não é nada disso. Ainda sou virgem, mas o Tiago fala nisso todo dia. Quero te falar é sobre siririca.

-E...?

-Você nunca tocou?

-Eu não. Não sinto vontade.

-Mas você namora há um tempão, mais de um ano.

-Laura o meu namoro é com respeito, não rolou nada demais ainda.

-Mas fala ai, você não fica excitada quando ele te beija... te toca?

-Fico, mas não é muito e eu paro antes que a coisa esquente. E que isso tem a ver com você?

-E que eu tou me masturbando e muito a fim de transar com o Tiago.

-Ih, amiga, vai devagar viu?

-Minha médica falou que é normal se masturbar. A gente ta conhecendo o próprio corpo.

-Até ai, tudo bem. Agora, seu eu fosse você não transava agora não, é muito nova ainda. Vai que você fica com o menino e ele sai contando pra todo mundo. Cê sabe como que menino é.

-Nisso você tem razão, Isa. O problema é que o Tiago fica me cobrando. Fala que se eu realmente gostasse dele, devia transar com ele.

-Nada a ver, amiga. Eu gosto do meu namorado e acho que ainda não é hora pra isso. Pelo menos por enquanto. E olha que eu tenho 14 e você só 13.

-Você tá é certa. Também morro de medo de me engravidar – confessou Laura.

-Deus me livre se isso acontecesse comigo.

-Não é bom nem pensar nisso, Isa. Meu pai me mataria. Do jeito que ele é, nossa, fico arrepiada só em pensar.

-Hoje em dia só engravida quem quer. Tudo mundo sabe como se prevenir. Quando chegar minha hora, já vou logo falando sem camisinha nem pensar. Ela ajuda a evitar a gravidez e doenças como AIDS, que não tem cura. – falou Isabela que tinha plena consciência do que dizia.

-Se meus pais ouvissem a gente falando disso, iam dar uma bronca. – Laura conhecia bem os pais e sabia que com eles o diálogo era muito raro e restrito. Falar de sexo com ela era tabu.

DOIS

- Caraca, Isabela, cê duvida que errei a terceira questão na prova?

-Fala sério, Laura, a gente estudou tanto sobre os advérbios de freqüência. Em casa você se saiu tão bem.

-Só que na hora fiquei muito nervosa e confundi tudo. O Tiago disse antes da aula queria ter um papo cabeça comigo.

-E ele te falou que papo cabeça é esse? – Isabela como era grande amiga de Laura, se preocupava com ela; nunca lhe disse, pois tinha medo de perdeu sua amizade, mas sempre a achou muito ingênua.

-Não. Ele ta vindo aí. A gente se fala depois.

-Me liga, Laura. À tarde vou dar uma saidinha depois do almoço, mas lá pelas três horas já tou de volta.

Elas se despedem com beijos nos rosto. Isabela sorri para Tiago que chega e envolve a cintura de Laura com seus braços fortes.

Tiago tem 18 anos e faz natação. É um ótimo nadador e até já ganhou medalhas em olimpíadas escolares.

-Que você queria me falar, Tiago? Me deixou curiosa.

Os jovens namorados sentaram-se no degrau de uma pequena escada que fica no pátio da escola e ficaram vendo todos os outros estudantes, que brincavam, riam, ou simplesmente andavam logo à frente.

-É sobre aquela parada que te falei – começou Tiago.

-Fala baixo, alguém pode ouvir – ela sussurrou.

-Então, vai rolar ou não?

-Pensei muito nisso e acho que não ta na hora ainda. Tou muito nova, cara.

-Que nada já tem treze anos; nessa idade aí, toda menina já transou.

-Mentira sua, a Isabela tem catorze e ainda é virgem – argumentou Laura, na defensiva.

-Duvido. Isso é papo furado. Ele gosta é de dar uma de santinha, isso, sim.

Laura ficou furiosa e Tiago percebeu isso quando foi levar suas mãos às mãos dela e ela as recusou num gesto rude.

-Não fala assim da Isabela que não gosto. Ela é minha melhor amiga – retrucou, levantando-se. - Vocês homens são todos iguais, só pensam naquilo. E já me decidi.

-Fala sério, Laura. Que isso agora? Nós somos namorados e todos transam.

-Só que ainda acho que tou muito nova ainda.

-A Rafaela e o Cássio já tão transando há um tempão e ela tem a mesma idade que você. E tem a Paula e o Alexandre. Só nós que tamos nessa ainda de beijinhos. Fala sério!

Tiago se mostrava impaciente com aquela situação. Ele queria transar com Laura, ela se achava ainda muito nova e despreparada para um compromisso tão serio, mas gostava dele e ficava dividida, pois tinha medo de perdê-lo.

Laura começa a caminhar, está visivelmente nervosa.

-Onde cê vai?

-Não te interessa. Não quero mais falar sobre isso.

-Quer saber? Então xau pra você. Acabou, viu?

Laura ouviu suas últimas palavras e saiu correndo para o banheiro. Lá se trancou e começou a chorar.

Droga, por que que as coisas têm que ser assim?

TRÊS

Depois do almoço, Laura foi até a casa da amiga Isabela. Trancadas no quarto, onde tinham mais privacidade, enquanto tomavam suco de laranja, Laura se desabafava, enquanto se debulhava em lagrimas.

-Vi na hora lá na sala de aula que alguma coisa não tava legal. Não te perguntei o que era porque aquele professor, o Jair, é muito chato. E grosso. Não tou a fim de levar patadas não. Depois você saiu correndo.

-O Tiago terminou o namoro. – Laura desabafou, enxugando as lágrimas.

-E por qual motivo, Laura?

-Porque eu disse que ainda tava muito nova pra transar com ele. Daí ele falou umas coisas lá e terminou comigo.

-Não chora, amiga. Que isso? Pra te falar a verdade, leva a mal não, mas acho que ele não é a pessoa certa pra você. Pelo que você me fala, ele só quer sexo com você.

-Você acha? – Laura perguntou, tomando um gole do suco, que estava geladinho, faltava só um pouquinho de açúcar.

-É o que eu acho, desculpa falar; toda vez que você fala dele, o que ele te disse e tal, só fica nesse lance de transar. Namoro não é só sexo, tem que haver amizade, companheiro, cumplicidade. Agora o carinha só pensa na perereca.

-Mas os meninos são todos assim, Isabela. Ou o seu namorado não fala em transar com você?

-Claro que fala, Laura, mas não fica insistindo, tocando no assunto toda hora. E já falei com ele que não adianta insistir; só vou me entregar quando sentir que a hora chegou.

-E quando é essa hora? Como que a gente sabe que ta na hora certa? Eu sinto vontade.

-Tipo assim... Ah! sei lá. A gente sente e pronto. E cê já pensou se a gente fosse transar toda hora que sentisse vontade?

-Por isso que acho importante se masturbar.

-Ih, você de novo com essa história.

Isabela coloca seu copo de suco na mesinha de cabeceira. Pega uma calça jeans nova, azul, com alguns adereços.

-Não é linda? Minha mãe me deu. Vou com ela pra festa da sala. Que você acha?

-Acho que vai ficar legal com aquele top cinza – sugeriu Laura.

-Eu tava pensando naquela blusinha linda que você tem. Cê me empresta ou vai usar ela?

-Empresto, claro, e também agora já nem tou mais a fim de festa coisa nenhuma.

-Se eu fosse você ia. O Flávio vai ta lá e ele é afimzão de você. Dá a maior bandeira o tempo todo. E ele é um gatinho, né?

-Sabe que nem reparei – disse Laura, já mais descontraída.

- Laura, até eu que tou namorando um tempão, de vez em quando tou umas olhadas pra ele. Os olhos dele são lindos. Cê ta marcando bobeira.

-A gente tem que ta afim pra ficar. Ficar assim, só por ficar não curto muito não. E o Tiago me dava cada beijo, amiga. Nossa. Nem te falo.

Acho melhor mudar de assunto. Senão já ate imagino onde esse assunto vai parar de novo.

-Você também, hem, Isabela? Por que será que tudo que a gente fala acaba sempre terminando em sexo?

-Sei lá. Eu na sou assim não.

QUATRO

À tarde, quando Laura entrou no MSN e teclava com Isabela, Tiago entrou. Ela ficou morrendo de vontade de começar um papo. Resolveu esperar e ver se ele tomava a iniciativa. Cinco minutos se passaram, e quando finalmente ela tomou coragem de digitar “OI”, ele começou:

-I aí, blz?

-Blza i vc?

-Blz tb.

Por alguns instantes a conversa esfriou. Laura ficou louca para dizer algumas coisas. Querendo reatar o namoro, mas pensando nas palavras de Isabela, decidiu ficar na sua.

Ele continuou:

-Aí, foi mal, hem?

-Verdade – digitou ela.

-Esquece aquilo que te falei.

-Ce não vai mais ficar insistindo em transar?

-De boa, aí.

Um sorriso surgiu nos lábios de Laura; aquela tensão toda que ela sentia quando viu que Tiago entrou no MSN desapareceu completamente para dar lugar a uma sensação gostosa, de prazer.

Ah, como era bom estar apaixonada.

-Cê vai na festa? – ele digitou no MSN.

-Ah, não sei. Tipo assim, tou pensando.

-Vai ser maneiro. Vai ta todo mundo.

-Ce vai também? – quis saber Laura.

-Não vou fazer nada mesmo. Vai ser legal reunir o pessoal da sala. E nenhum professor. Tou de saco cheio deles.

-Tem muito professor legal. VC porque implicou com o Walter e fica nessa aí.

-Que nada. O cara também fica me tirando.

-Ele é legal. Mas e aí, a festa vai ser mesmo na casa da Patrícia ou da Jéssica? – Laura se soltava aos poucos novamente e via a possibilidade real de reatarem o namoro.

-Da Jéssica.

-Legal, né? Lá é mais espaçoso e tem até área pra churrasco. Mas vai rolar sanduba também.

-Isso é mesmo. Também a Jéssica é da hora. E o irmão dela o Vinícius curte os mesmo jogos de vídeo que eu. Aproveito e faço uma parada com ele.

-Tá. – Laura não sabia se espichava mais a conversa ou se a deixava morrer, mas quando correu os olhos novamente na parte em que Tiago se desculpava, percebeu que seria uma ótima oportunidade de voltarem numa boa.

Entusiasmada, ela escreveu para Isabela no MSN:

-Miguxa, ele pediu desculpas. Ta arrependido.

Isabela respondeu:

-Sei lá, faz que vc acha que deve. Mas cuidado viu, que ele vai insistir de novo.

-Vai não. Ele prometeu. Bjus, depois tc com vc. Amulllllllllll.

Antes de ler o que Isabela respondeu, ela bloqueou o MSN da amiga e continuou somente com Tiago.

-Desculpa, eu tava com a Isa.

-Di boa. – respondeu ele. – Então a gente se encontra lá na casa da Jéssica.

-Melhor assim, meus pais não sabem que a gente ta ficando.

-Ficando ou namorando? – quis saber ele.

-Namorando, ela tratou de escrever logo, sorrindo novamente.

-Vamos namorar sério agora – escreveu Laura. Como a Isa e o namorado dela.

-Bleza intaum. Vou sair agora que tenho um treino no clube.

- Bjusss!!

- Amulllllllllllllllllllll – ela declarou.

E assim que ele saiu do MSN, ela soltou um grito de alegria.

Tiago é um cara legal, agora que a gente vai namorar sério, vou falar com meus pais, pensou Laura. E no mesmo instante um frio percorreu sua espinha.

Enfrentar seus pais não seria nada fácil. Sua mãe até que podia concordar com o namoro, mas seu pai... esse, ela duvidava e muito.

CINCO

À noite, enquanto seu pai assistia ao Jornal Nacional e sua mãe acabava de chegar da cozinha, depois de arrumá-la, Laura sentou-se no sofá e ficou olhando para eles, querendo puxar assunto e falar que estava namorando e queria trazer o namorado para que os pais o conhecessem.

Quando finalmente criou coragem de abrir a boca, seu pai começou:

- Olha só que desgraça. Não deu nada pra àqueles políticos ladrões. Roubam, não são presos e a ainda ficam com o dinheiro.

- Calma, amor. Assim você vai acabar sentindo um troço ai e ter um derrame.

- E não é pra menos. Onde é que estamos, meu Deus do céu? E nós que corremos atrás de ladrão, de bandido, assassino, ganhamos essa mixaria e nem temos estrutura pra trabalhar.

- Muda de canal, ai. É melhor, vamos ver a novela. – sugeriu Maria Da Glória.

Laura respirou fundo e ficou na sua, desanimada; depois foi para o quarto e se deitou ao som de Fergie, ouvindo Big Girls Don’t Cry, a sua predileta.

Os pais conversavam muito pouco com ela.

Que bom seria ter pais que dialogassem mais com os filhos, como os pais de Isabela, Laura pensava.

Tinha tantas dúvidas e angústias e sentia muito não poder se abrir com eles, numa conversa franca e amistosa.

Ao se lembrar de Tiago, um fiapo de sorriso surgiu e logo se transformou em um lindo sorriso, que lhe tomou toda a face.

No dia da festa dos colegas de sala, Laura vestiu-se com sua melhor roupa: um vestido preto com um pequeno decote. Ela sabia que estava linda. Fora com esse vestido que Tiago e ela ficaram pela primeira vez.

As palavras dele ainda soavam aos seus ouvidos como se tivesse sido acabadas de ser pronunciadas.

-Você está linda! – dissera ele.

E estava mesmo. Laura era linda e chamava muita a atenção. Seus olhos azuis pareciam mais duas pedras preciosas. Jéssica morria de inveja dela.

-Queria tanto ter olhos como os seus. Não gosto de castanhos, é tão comum e não chama a atenção. Ia fazer muito mais sucesso, garanto.

-Mas você é linda – Laura tentava animar a amiga enquanto comiam um pouco do churrasco com coca-cola.

Os pais de Jéssica não se importavam que ela trouxesse os amigos para festinhas. Até gostavam, sentiam-se rejuvenescidos e achavam melhor que ela os trouxesse para casa a ir para lugares onde não podiam saber como ela estava. Ali, sob seus olhares, eles se sentiam mais tranqüilos.

-Seu pai é o maior barato, Jéssica – comentou Isabela.

-É mesmo, ele é muito engraçado - continuou Laura.

-Mas, as piadas dele não têm muita graça, não, vamos combinar – rebateu Tiago, ao lado de Laura.

Risos surgiram. Como sempre, havia gente quieta num canto, vendo TV, outras contando piadas, outras se beijando meio escondidas e todo mundo comendo e se divertindo.

Laura era só sorriso. Estava muito satisfeita em estar namorando Tiago e lamentava ainda não ter tido a coragem de contar a seus pais sobre ele.

-Amanhã eu falo – ela prometeu.

Sabia mais do que todo mundo que não seria uma tarefa fácil chegar para o pai, um militar conservador, que não travava diálogo com a filha e que morria de ciúmes dela. A mãe, menos conservadora e mais aberta a diálogos, mesmo assim não era o que se poderia chamar de mãe moderna, e isso só dificultava as coisas.

-Nossa, acho que comi demais! – comentou Laura.

-Também, esses sanduíches da sua mãe, Jéssica, tão demais – observou Isabela que se divertia e estava feliz com a amiga Laura.

-O churrasco também tava uma delícia, do jeito que gosto bem passado – elogiou Laura.

Para Isabela, Laura era a irmã que ela sempre sonhou ter um dia. O mesmo pensava Laura, que tinha só um irmão de 17 anos e não era exatamente o que se poderia chamar de amigo.

Gustavo saíra mais ao pai e até já falava em servir ao exercito e fazer carreira.

-Seria tão legal ter um irmão para poder falar de tudo abertamente – comentou Isabela, quando Tiago se afastou para conversar com os outros amigos de sala.

-O Gustavo é que nem o pai. Cê duvida que ele tem ciúmes de mim?

-Pô! – Jéssica achava um absurdo irmão ficar com ciúmes de irmã.

-Verdade, Jéssica. Pergunta pra Isa que ela te fala. Não é, Isa? O Gustavo não tem ciúmes de mim?

-E como!!

-E o dia que ele me viu beijando o Tiago; brigou comigo, cê acredita nisso?

-Besteira dele. Ele também não beija a irmã de outros meninos? Então?

-Ele acha que ele pode beijar eu não.

-Ou, tipo assim, mas homem só quer pra eles, não é? – revoltou-se Jéssica.

-Pior, viu? – declarou Laura.

A festinha da sala de Laura foi tudo uma maravilha, o único incidente foi com Pedro Henrique e Juliano, que levaram rum misturado numa garrafinha de coca-cola e depois de beber acabaram pagando mico.

Tiago deixou Laura até na porta da casa dela, mas não animou a entrar. Passava das 11 h e Laura prometera aos pais que não chegaria muito tarde.

-Adorei a noite – comentou Laura.

-E eu adorei você. Você esta linda como da primeira vez que te vi nesse vestido.

Antes que Laura dissesse mais alguma coisa, Tiago a tomou nos braços e a beijou. O beijo, antes suave, delicado, passou a despertar a libido de ambos. Laura percebeu isso no momento em que Tiago a abraçou com mais força.

-Acho melhor a gente parar, Tiago. Meu pai pode ver a gente e aí cê sabe o rolo que vai dar, né?

-Nem quero saber.

Novamente eles se beijaram, desta vez mais rápido, só que com mais intensidade. Laura sentiu seu corpo aquecer e imediatamente soltou-se dos braços dele.

-Tenho que ir agora.

SEIS

Tiago mostrou-se mais calmo, não falando todo dia que saía com Laura que queria transar. Esses dois meses depois que reataram o namoro fizera a Laura muito bem. Ela já se interessava mais por ele e estavam sempre se comunicando, ou pelo celular, ou pelo MSN e ainda na escola, embora eles estudassem em séries diferentes.

Depois que acabaram de fazer o trabalho de Literatura, Isabela comentou:

-Ficou sabendo da Patrícia?

-Tudo mundo ta falando. Coitada, grávida. Ela tem a minha idade. Que azar também. Ela falou que engravidou da primeira vez.

-Não usou camisinha pode engravidar, sim da primeira.

-Nossa e o pai dela? Será que ele já sabe?

-Ela me falou que não. Não teve coragem de contar pra ele.

-É osso!

-É, mas na hora de fazer ela fez. Agora ela tinha que contar pro pai. Ela não vai esconder isso à vida inteira. A hora que a barriga começar a crescer, ai, babau.

-Eu é que não queria tá no lugar dela – desabafou Laura.

-Não ta, mas poderia ta. Ainda bem que você me ouviu. Ou você ainda pensava em ir pra cama com o Tiago?

-Não, eu não! – desconversou Laura. Mas no fundo, seus olhos brilharam.

A paixão que ela sentia por Tiago só crescia. Ela já nem olhava mais para os outros garotos e nem conversava com eles, achando que ele poderia brigar.

Isa sabia que alguma coisa na amiga mudara. Que Laura não falava toda hora em Tiago, mas que só de mencionar seu nome, seus olhos brilhavam.

E esse brilho no olhar a intrigava.

O Natal na casa de Laura fora legal. Muita comida, bebida, mas poucos convidados. Seu pai não era de muitos amigos e Maria da Glória muito caseira achou melhor não convidar ninguém.

Gustavo, esse sim, apresentara a namorada, que até então ninguém sabia que existia. Ela fora recebida de braços abertos por seu pai, que se orgulhava do filho estar seguindo seus passos como homem.

Maria Da Gloria foi gentil com Fernanda, sua “futura” nora, mas no fundo sentiu ciúmes do filho, que era muito mimado.

Laura gostou da garota e juntas conversaram muito. Até o quarto dela ela mostrou pra nova amiga.

-Nossa, legal o seu quarto. Tem até um computador só pra você – Fernanda derramou-se em elogios.

-O Gustavo não liga pra essas coisas de PC.

-Ah, eu adoro. Penso em fazer engenharia e sem computador isso é impossível. E você o que pretende fazer?

-Vou fazer direito, depois prestar concurso pra juíza. Doutora Laura Mendonça de Albuquerque. Gostou?

-Nome de juíza você já tem! – divertiu-se Fernanda e as duas riam bastante.

-Desculpe perguntar. Você e o meu irmão namoram muito tempo?

-A gente tava ficando. Isso tem uns dois meses. Parece que agora que ele me trouxe pra conhecer vocês que a gente vai namorar mesmo. Nossa ele é demais!

Pelo brilho nos olhos de Fernanda, ela podia imaginar exatamente o que ela queria dizer com isso.

-Vocês já...

-Sim. No terceiro encontro. Mas isso é segredo, hem?

-De boa, não conto nada não.

No terceiro encontro, pensou Laura. Quantos anos Fernanda tinha mesmo? Quinze. Pouco mais velha que ela.

Nisso, ela pensou em Tiago e sentiu uma vontade imensa de estar com ele naquele momento.

SETE

Quando Isabela reclamou que Laura não ia mais a sua casa com antes, e nem ligava pra ela, como sempre fazia, Laura alegou falta de tempo.

Isabela sabia que tempo não era problema para ela. As tarefas de casa não lhe tomavam tanto tempo assim e quando a via na rua com Fernanda, se deu conta que ela a trocara por uma nova amiga.

Isabela e Fernanda eram completamente diferentes. E, as duas, Laura e Fernanda ficaram inseparáveis. Sempre se trancando no quarto para confidências infindáveis.

Só na escola as duas se falavam, mas já não era como antes. Mesmo assim, Laura fazia questão de dizer que Fernanda era super legal, cabeça aberta e que a adorava.

Isabela, na sua, não dizia nada, só sentia que perdia a amiga aos poucos. E lamentava muito isso, pois sempre se deram tão bem.

Num domingo, quando Tiago e Laura tomavam um sundae juntos, Isabela passou por eles. Laura ia chamá-la para tomar sorvete com eles, mas Tiago a dissuadiu da idéia.

- Deixa ela, amor. Quero te curtir sozinho. Não te dividir com ninguém.

Então Laura só fez um aceno de mão para Isabela que percebeu que não seria muito bem-vinda ali, continuando sua caminhada.

Tiago levou uma colherinha de sorvete na boca de Laura e antes mesmo que ela o engolisse, ele a beijou.

-Eu te amo! – Laura se declarou a

ele.

-Ama mesmo?!

-Claro e você sabe disso.

-Eu também te amo e quero te falar uma coisa.

-Ih, que papo é esse, Tiago? Quando você tem com essas historias, sei não.

-Você sabe que sou homem e homem sente falta de sexo. E como eu não quero te trair, você tem que ficar comigo, Laura.

-Tiago, já falamos sobre isso.

-Agora é diferente, Laura. Agora estamos namorando sério e já faz um bom tempo.

-Seis meses.

-Então, Laura?! Já falei que não quero te trair, mas não dá pra ficar na mão assim. Você sabe disso.

-Eu também sinto vontade, Tiago, mas não sei se estou preparada. Ainda nem fiz catorze anos. Vamos esperar mais um pouco.

-Esperar até quando?

-Sei lá, quando eu tiver com dezesseis.

-Esperar quase três anos?! Olha, de boa, vai dar não. Fala sério. Ou você libera ou vou ficar com outras meninas aí que tão a fim.

- Não vai, não! – a voz de Laura tornou-se forte como um trovão. – Você não vai ficar com ninguém. É meu namorado!

- Eu tou avisando ou você fica comigo pra valer ou depois não reclama. Cê sabe que a Talita ta a fim de ficar comigo tem um tempão.

Laura se levanta da mesa e sai, chorando.

OITO

Foi um alivio para ela quando chegou em casa e não havia ninguém. Ela não estava a fim de conversar com seus pais; só com Fernanda, que não demorou a atender o seu telefonema.

- Eu se fosse você ficaria com ele. – aconselhou Fernanda.

- Eu não quero que ele me traia, ainda mais com a vaca da Talita.

-Vocês tão namorando seis meses, não é?

-Sim. Dia 23 completa sete.

-Você não precisa ter medo.

-Dói muito?

-Não, só um pouquinho.

-E sangue, saiu muito? Eu morro de medo.

-Comigo foi pouco, tem garotas que sangram mais. Normal, Laura. Vai, fica com ele e acaba com isso logo de uma vez, senão você perde seu namorado.

-Não, não vou perder ele. Tou super apaixonada por ele. E não vou dividir ele com ninguém, não vou!

-Será que eu não preciso ir ao médico primeiro não?

-Que nada. O que ele vai te falar eu mesmo te falo, sei tudo.

-Também tenho medo de ir, ele me receitar anticoncepcional e minha mãe descobrir e contar pro meu pai. E sem falar que engorda, né? Vai que ela descobre arrumando meu quarto.

- Amiga, te fala, fala pra ele goza fora, que daí não dá nada, não viu?!

-Vou pensar até amanha, daí eu decido. Brigada, miguxa.

Quando Fernanda saiu, Laura ligou para Isabela que não esperava seu telefonema tão cedo. Fazia mais de dois meses que elas mal se falavam.

- Um tempão que você não me liga. – queixou-se Isabela.

-Pois é. Só liguei pra falar um “OI”, só isso.

Laura queria contar para Isabela os últimos acontecimentos, mas já não tinha Isabela como sua melhor amiga; e no fundo sentia-se até mesmo um pouco constrangida em falar em sexo com ela, porque sabia que ela não aprovaria sua decisão.

-Tá com algum problema? – quis saber Isa, quebrando o gelo entre elas.

-Não, só liguei pra falar “OI” mesmo. A gente se fala depois então. Beijos.

Laura desligou.

Não vou contar para Isabela, sei como ela é, pensou Laura, com a decisão de se entregar a Tiago. E naquela mesma semana, ela decidiu ceder às investidas dele e marcaram para tarde, numa terça-feira na casa de Tiago, quando seus pais não estavam.

No quarto dele, ela estava nervosa e ele providenciou uma cervejinha pra que ela relaxasse.

- Beba um pouco, assim você relaxa, amor.

- Curto muito bebida, não – mas ela não hesitou em beber e realmente sentiu-se mais calma, tranqüila e à vontade.

Ele começou a beijar-lhe o pescoço, a nuca e rapidamente ela sentiu seu corpo arrepiar.

- Vai com calma, amor. Eu tou um pouco nervosa ainda.

- De boa – ele falou e já foi logo despindo a menina. Nua, ele fitava seu corpo virgem e ficava mais excitado.

Foram pra cama dos pais dele por ser maior e depois de acariciar-lhe por alguns instantes, ele entrou nela.

- Esquece da camisinha não – lembrou ela.

- Pô! até na primeira vez? – reclamou ele.

- Na primeira engravida também.

- Mas é muito ruim, é como chupar bala com papel.

- Tá, mas tem que gozar fora, hem?

Ele sorriu com a decisão dela e beijou-lhe todo o corpo e já na cama, começou a penetrar-lhe.

- Ai, ta doendo – ela se queixou.

- Dói um pouco mesmo, amor – ele justificou, mas tratando de acalmá-la com novas caricias pelo corpo.

Alguns minutos depois, finalmente ele conseguiu romper o hímen e Laura pôde senti-lo dentro de si.

NOVE

Algumas semanas depois Isabela chegou em Laura, antes da aula de educação física. Isabela adorava a amiga e não queria perder sua amizade que lhe era tão cara.

-Não tou a fim de jogar vôlei hoje – declarou Laura, com preguiça.

-Você sempre gostou de jogar; é uma das melhores. Se não jogar nosso time acaba perdendo.

-Coloca a Vera no meu lugar, ela vive reclamando que não tem chance de jogar.

O professor de Educação física aproximou-se chamando Laura para o jogo.

- Não vou jogar, não – Laura estava decidida e pela sua expressão, o professor sabia que não adiantava insistir.

- Então senta num canto aí e não quero saber de ninguém andando por ai, quem não for jogar é pra torcer.

Aquela lassidão tomou conta do corpo de Laura, e ela deixou-se deitar no cimento duro, debaixo de uma sombra gostosa e convidativa, com a cabeça recostada no colo de uma colega de classe.

- Quero que o mundo acabe em barranco pra mim escorar – foi o que Laura disse e depois nem quis saber de jogo coisa nenhuma.

- Se preguiça matasse, amiga.

- Imagino o motivo dessa preguiça – comentou outra amiga.

- Pior! – admitiu Laura.

Nisso elas caíram na risada.

As notas das avaliações de Laura começaram a cair; nada muito surpreendente, mas para quem estava acostumada a tirar só nove e dez, um oito já despertava a atenção.

Laura justificou que não estudava mais como antes, como quando freqüentava a casa de Isabela. Ela sabia que estudar com a amiga era ótimo. Ambas eram excelentes alunas e Isabela parecia adivinhar o que ia cair nas provas. Quase tudo o que estudavam caía.

Fernanda, a namorada de Gustavo, não saía mais da casa de Laura, só que ao contrário de Isabela, ela não ligava muito pra estudo.

Quando Laura mencionava a palavra namoro em casa, com ela era diferente.

- Só quando terminar o colegial – sentenciou o pai certa vez. – Não tem idade pra isso ainda não.

Com isso, seus encontros com Tiago eram sempre às escondidas; e sua mãe concordava com seu pai.

- Estudar primeiro, que namorado atrapalha estudar.

- Que bobagem! Uma coisa não tem nada a ver com outra – Laura disse tão baixinho que nem sabe se pensou ou disse mesmo.

Se suas amigas podiam namorar, por que ela não?

Esse era o seu grande dilema.

Se os pais não permitiam, namoravam escondidas do mesmo jeito. Então pra que proibir?

Essas eram suas perguntas, que até então ninguém as respondera.

DEZ

Existe uma idade ideal pra se apaixonar e namorar?

Laura teclava no MSN e descobria que algumas meninas com onze anos já namoravam, escondidas, lógico. Mas outras com 13 contavam com o apoio dos pais.

O que era melhor: namorar com o consentimento dos pais, mesmo que fosse em casa ou namorar escondida e longe deles?

Ela fez essa pergunta a muitas de suas amigas e pra muitas meninas no MSN, que ela só conhecia teclando.

A Lindinha_1015@hotmail respondeu assim:

_ Ah, tipo assim, eu tenho 14 anos, meus pais me deixam namorar em casa. Acho legal, melhor do que se não namorasse, mas fico com vergonha de beijar meu namorado na frente deles. Mas tirando isso, eu até que curto. A cidade ta ficando muito violenta e eu tenho medo de sair.

A Andessagatinha_11@hotmail.com, de 15 anos, foi de opinião diferente:

_ Até os 11 anos eu era BV, daí eu comecei a ficar com um menino da escola. A gente ficou um bom tempo. Com 12 anos rolou muita coisa, cê sabe, né? Daí a gente acabou ficando pra valer mesmo. Perdi a virgindade com 12 anos. Foi muito bom e a gente ta até hoje.

Nada a ver namorar com o irmão e pais segurando vela. Tou fora, eu tenho o direito de ter minha privacidade.

As opiniões divergiam. Chegando a ter um empate técnico.

Laura mostrou essa enquete para Isabela, que adorou sua visita.

-Laura, você não pode ir pelo que os outros te dizem. Às vezes uma menina de 15 anos é mais madura que uma de 17. Cada caso é um caso.

-Se meus pais não me deixam namorar e nem me dão a oportunidade de falar sobre isso com eles, você acha que eu tou errada em namorar escondida?

-Claro que não. Tudo mundo já namorou escondido. Nossos pais, os pais deles. A diferença é namorar escondida e com responsabilidade.

-Mas com o tempo de namoro algumas coisas acabam acontecendo. Aquelas intimidades, você sabe...

-Olha, acontece se a garota deixar. Eu namoro há mais de um ano e nunca deixei rolar intimidade nenhuma. E o Leo já ta vindo com esse papo de transar também. Já falei pra ele que não vou – Isabela estava decidida em sua opinião.

-Acho que é uma coisa que vai acontecendo naturalmente com o casal.

Isabela olhou bem fundos nos olhos de Laura, que ficou cabisbaixa.

-Então você acabou cedendo às pressões dele não foi? Você transou com o Tiago?

-Eu não queria perder ele.

-Só espero que você saiba o que esteja fazendo e que vocês estejam se prevenindo.

-Claro que sim. – ela mentiu - Falei com ele que sem camisinha não ira rolar. Poxa, Isabela, é tão bom.

-Tenho certeza que dever ser mesmo muito bom. Mas tudo na vida tem um preço, viu? Não se esqueça disso.

De volta para casa, Laura ficou pensando como que Isabela era tão careta. Fernanda era muito mais legal do que ela.

ONZE

No MSN, Laura teclava com Tiago todos os dias e com Fernanda também. Já com Isabela ela praticamente respondia às perguntas dela e normalmente era evasiva.

Maria Da Glória não tinha mais duvida que a filha estava com alguém. O brilho nos olhos dela era a prova disso. Só que achava que não passava de um namorico, ou melhor, um ficante.

- Filha, e esse garoto que você ta ficando é legal?

A preocupação de mãe era natural e defensável. Maria Da Glória sabia muito bem como os homens eram e se comportavam normalmente.

- Só peço pra que você tenha juízo, só isso. A cabeça no lugar, viu?

- Ih, de boa mãe. Que isso?! A gente ta só ficando.

Laura não gostava de mentir pra mãe, mas acreditava ser esse o melhor caminho de evitar problemas.

Como chegar para a mãe e dizer:

- Mãe, tou ficando com um garoto faz oito meses e a gente ta transando e eu estou apaixonada por ele.(?)

Não era fácil e Laura sabia disso. E quanto ao pai então? Ela tentou se ver numa situação como essa e simplesmente não conseguiu. A cena não se completava, como num filme com defeito.

Se for assim, então o melhor era fazer exatamente o que estava fazendo: ficar em silêncio.

Pensando bem, ela concluiu, o certo é viver minha vida e ninguém tem nada com isso.

Chegaria o dia que ela saberia que seus pais tinham, sim, algo a ver com isso. E muito mais do que ela poderia imaginar.

TUDO NA VIDA TEM UM PREÇO! Foram as palavras de sua amiga Isabela que ela recusava a levar em conta.

Com o tempo, teclando com garotas de diversos lugares do país e entre 12 e 16 anos, Laura não deve mais dúvida alguma que ela é que estava certa. Isabela que não sabia aproveitar a vida com o namorado, errada.

Que bobagem de preço era esse que Isabela falava? Que coisa sem sentido. De onde ela tirou isso?

DOZE

Quando os pais dela não estavam em casa, Laura em extrema ousadia, ligava para Tiago que não demorava a aparecer. E o sexo rolava solto. Como se o medo os deixasse ainda com mais vontade.

O proibido sendo mais gostoso.

Se era bom, não podia ser errado. Concluiu Laura.

Deus não iria criar coisa errada sendo tão boa.

Isabela não via dessa maneira. A questão não era ser bom e errado. E sim, estar preparada para encarar uma relação em uma idade onde o corpo ainda se formava e na cabeça havia tantos conflitos.

O que faltava à Laura, Isabela tinha em excesso, que era consciência de sua idade e das conseqüências de se entregar para um garoto que também não passava de mais um adolescente.

E se surgisse uma gravidez?

- Comigo isso não vai acontecer nunca.

- E por que não? – perguntou Isabela.

- Gente, acorda, é só o cara gozar fora. Transar com camisinha não ta com nada e dá muito mais tesão – falou Fernanda.

Laura e Isabela se entreolharam.

- Vai nessa, amiga, pra você ver o que vai te acontecer. Você que não se cuida pra ver – alertou Isabela.

- Helloooooooo! – começou Nanda – Nada a ver. Esse lance de camisinha é muito careta. E nossos pais não tão nem ai com a gente. Nem diálogo eles têm.

-Eu acho que se não tem diálogo a gente acaba fazendo tanto o certo quanto o errado – Laura foi na defesa de Nanda.

-A gente ta falando dos nossos pais que não conversam com a gente, mas nas escolas também a gente não pode contar muito. Um dia uma menina pediu a professora pra dar uma aula de educação de sexual e a professora não quis.

-E ela era professora de quê?

-De ciência, Nanda. Dá pra acreditar?

-Poxa. E quem deu a aula? Ou ninguém deu?

-Deu, sim. Foi o nosso professor de Português.

-Que professora, hem?

-Ainda bem que já trocaram ela. Tem outra coisa também, os pais de hoje tão passando a responsabilidade de educar os filhos todinha pra escola. E isso não é certo.

-Pelo visto sua mãe não falava com você francamente, Laura.

-Que nada. E ela ainda é professora, hem? Poxa! A gente podia ter um papo mais aberto. Um dia, cara, eu perguntei pra ela sobre masturbação e ela saiu de fininho.

-Nossa.

-A gente acaba aprendendo com as amigas ou nos bate papo da UOL teclando com a galera. A Diana é expert nisso, ela saca tudo de siririca. Ta viciada já, ela me contou que toca até na sala de aula.

-Nossa! – Laura e Isabela ficaram surpresas.

-Ela falou que tem as manhas dela. Muita coragem, na sala não toco não, mas já saí pra ir no banheiro. Na sala é muito arriscado, já pensou se alguém vê?

-Pior!!!

-Gente e a Deby que ta pagando pra to mundo. – continuou Fernanda.

-Eca que nojo! – Isabela fez careta.

-Isso é muito nojento mesmo, vamu combinar, né?

-Coloca nojento nisso.

-E, você sabe da Mandinha, né? Então, fiquei sabendo que ela bate por Ricardo e já bateu até no ônibus da escola depois da aula.

-Aquela lá bate pra qualquer um! – comentou Laura. – Dizem que ela faz programa. Ou o que tem de menina da nossa idade matando aula pra fazer programas, putz.

-Ah, isso já não sei – Isabela ficou mais na sua. – Sei que nunca fiz nada disso com meu namorado.

-Isa, de boa, fala que nunca rolou nada ainda – no tom da voz havia ironia.

-Nada, tou falando.

-Sei. Acredito – Fernanda fazendo cara de deboche.

-Eu acredito na Isa – defendeu Laura. Se ela falou que não porque é não e pronto.

-Ah, ta, mas fala que você não sente tesão? – Fernanda sempre provocando.

-Claro que sinto tesão, lógico, mas sei me controlar. Não é porque sinto tesão que vou sai pagando e batendo pros meninos, não é assim também.

-Isso é – concordou Fernanda.

-Ainda acho que os pais deviam discutir mais sobre sexo com os filhos – observou Laura.

- Mas deve ser muito constrangedor para eles ficarem falando sobre masturbação com a gente.

-Sei que quando eu casar e tiver meus filhos, principalmente uma menina, eu vou ensinar tudinho para ela.

-Esse negócio é meio complicado, se a gente parar para pensar. Nossos pais são de outra geração.

-Ah, tipo assim, não deve ser fácil também, né?

-Isso é. De qualquer forma, meu pai, por exemplo, eu tenho até medo de falar com ele.

-Seu pai é um babaca! – desabafou Fernanda.

-Hei, também não precisa ofender. Ele é meu pai.

-Ele acha que sua casa é um quartel.

-É o jeito dele.

-Eu não queria ter um pai assim, não. O Gustavo não tem nada a ver com ele.

-Tem mais do que você pensa. Viu, amiga?

-Você porque não conhece seu irmão direito.

-E nem quero conhecer. Ele vive pegando no meu pé. Eu não falo nada com ele que tenho certeza que conta tudo pro pai. Vamu mudar de assunto e pegar um filme pornô no quarto do meu irmão que a gente ganha muito mais!

- Vou fumar um cigarrinho primeiro. Pode ir arrumando o DVD lá que já tou indo – falou Fernanda, que fumava escondida dos pais. As amigas dela não sabiam, mas até maconha ela já usara por mais de um ano.

As meninas riram.

TREZE

Na escola não se falava em outra coisa a não ser nas férias de fim de ano. Os alunos estavam cansados de tanto estudar; os professores de tanto trabalho.

Descanso justo para todos.

Com o clima de brincadeira, as salas organizando festinhas e amigo oculto. O pessoal tava mais pra zuar que levar o restinho de aulas a sério.

- Também já acabaram as provas – Laura respirou aliviada. Não via a hora, ando com dores de cabeça e mal-estar.

- Com esse calor, você quer o que? – Isabela entrou na conversa. – Ontem tava quente, mas hoje ta mais ainda. E não ta chovendo mais como antigamente. Meu pai que fala isso.

- O meu fala isso também, Isa.

Isabela estava curtindo a reaproximação de Laura e qualquer conversa, por mais banal que fosse, era-lhe importante.

- À tarde vou fazer gelatina de uva, não quer ir e comer um pouco, não? Você sempre adorou gelatina de uva.

- Acho que vai ser uma boa idéia. Não tenho nada pra fazer mesmo. Eu vou levar um pedaço de bolo de coco que minha mãe fez – Laura se ofereceu.

- Ta combinado então. Lá pelas três e meia, pode ser?

- Pode. Vou levar meu CD da Fergie.

Laura percebeu também o quanto era importante a amizade de Isabela. A conversa que tinha com ela era diferente da que tinha com Fernanda. Foi aí que ela se deu conta que podia ter amigas para falar de diversos assuntos.

Isabela era a conselheira; Fernanda tava mais pra fofocas. E qual garota não gosta de uma fofoca?

Sim, Laura estava disposta a retomar a amizade com Isabela. Uma amizade que foi se esfriando aos poucos sem ela mesma saber o motivo.

Era tão difícil encontrar amigos leais, que não poderia abrir mão de uma amizade como a dela em hipótese alguma.

O importante que Isabela respeitava a relação que Laura mantinha com Tiago e, embora a tivesse aconselhada jamais a recriminou.

Sabia que seus conselhos eram para o seu bem. E tudo que era para o seu bem, era bem-vindo.

Se não podia falar com os pais francamente sobre sua relação com Tiago, ela tinha Isabela. Com ela, sim, poderia desabafar quanto quisesse e podia confiar nela, que ela jamais contaria a seus pais.

Já com Fernanda, não tinha tanta certeza assim.

Na situação dela, risco era o que não poderia correr.

Ah, como gostaria de poder contar tudo a meus pais e não precisar mais mentir.

CATORZE

Laura comeu boa parte do bolo que levou. Isabela ficou na sua, mas nunca a viu com tanto apetite. E ainda comeu três gelatinas.

- Hoje não almocei direito. Na hora eu não tava muito legal – justificou-se Laura, ao se dar conta que estava faminta.

Isabela limitou-se a rir, sabia que Laura adorava comer e por isso mesmo havia preparado tantas gelatinas.

-Aceita mais?

-Não, agora chega, Isa – falou Laura, levando a mão na barriga. – Acho que exagerei.

-Vou colocar o CD que você trouxe.

-Ta bom. – Laura falou com a voz meio apagada, acomodando-se no sofá.

-Mas e aí, quais são as novidades, miga?

-Nenhuma- murmurou Laura, com uma expressão de enjôo.

-Sabe o Juliano? Ele ta me dando moral.

-Acho que tou passando mal, miga.

Isabela abaixo o volume da música e foi ver o que a Laura tinha.

- Que você ta sentindo? Você tá pálida! – Isabela estava preocupada com Laura, nunca a vira assim.

- Tou querendo vomitar. Vou pro banheiro.

Isabela ajudou Laura ir até o banheiro e a deixou lá. De onde estava, não teve dúvidas que amiga vomitava.

Instantes depois Laura voltava, ainda pálida, com o rosto molhado, pois o lavara.

-Será que o bolo tava estragado? – quis saber Laura.

-Que nada. Você falou que era novinho; foi feito ontem.

-Então deve ter sido aquele pastel que eu comi na escola no recreio.

-Deve ser mesmo. O bolo não é não, também, nem fez digestão. Comida estragada não faz mal assim, no mesmo minuto não, eu acho.

Laura foi pra casa e se deitou. Já se sentia melhor. E jurou nunca mais comer pastel na sua escola.

Que droga, logo hoje que tenho um encontro com Tiago!

À noite ela já se sentia melhor, mas não conseguiu dobrar os pais e se encontrar com Tiago. Armava uma chuva daquelas e seu pai não deixou que ela saísse. Quando ele falava, era melhor não contestá-lo.

Emburrada, ela trancafiou-se no seu quarto e só saiu no dia seguinte, para o último dia de aula.

Havia tantas variedades de salgadinhos, quibes, coxinhas, pastéis, risoles que quando Laura chegou, ficou amarela como quando ficara na casa de Isabela. Ela não experimentou nenhum e mal esperou entregar seu presente de amigo oculto e voltar para casa.

Isabela que via tudo, disse-lhe que fosse a um médico, que não podia brincar com saúde. Certamente ela estava com algum problema no estômago.

Ela achou por bem ouvir a amiga e marcou uma consulta com o médico que já a olhara outras vezes. Isso há muito tempo, porque sempre fora saudável e não era de ter problemas de saúde.

- O que eu tenho, doutor? – perguntou Laura, com medo de ouvir que estava doente. – Estou doente, fala aí que doença é?

- Não, Laura, você não está doente.

O médico pôde vê-la se soltar e relaxar na poltrona, mas a olhou com olhos firmes:

-Laura, você está grávida.

Foi o instante de ouvir a última palavra de seu médico, ela sentiu uma vertigem que lhe apagou os sentidos por uma fração de segundos.

QUINZE

Grávida. A voz do médico entrara na sua cabeça e insistia em não sair. Grávida. E agora?, ela se perguntava. Tinha somente treze anos. Ela ficou tão aflita, que não sabia o que dizer, para onde ir, pra quem contar. Sentiu nojo de si, vergonha, medo.

E quando seus pais souberem? Esse era seu maior medo. Seu pai era um policial linha dura, um homem sem diálogo que achava que a filha ainda era só uma criança que brincava com bonecas e não sentia tesão.

De volta pra casa, ela parou no meio do caminho e, nauseada, vomitou na rua mesmo. Só uma senhora parou pra oferecer ajuda, que ela recusou com um gesto de agradecimento. Duas meninas que passaram por ela, riram e seguiram seu caminho, sempre dando uma olhadinha pra trás.

Laura precisava dividir o peso de tudo aquilo. O fardo era grande demais.

Ela entrou na igreja Santa Luzia, coisa que não fazia um tempão, e chorou em silêncio.

Sua cabeça parecia um turbilhão, uma bomba que podia explodir a qualquer minuto.

Como poderia ser mãe e cuidar de uma criança se ela ainda era pouco mais que uma criança também??? Ela se perguntava.

Como falar pra seus pais, se temia suas reações?? E na escola, quando todos soubessem, o que iriam pensar e falar dela?? Essas e tantas outras dúvidas eram seu grande martírio.

Pensou em procurar Isabela e contar-lhe. Sempre fora sua amiga, com certeza iria ajudar. Ligou o celular e avisou que tava chegando, que precisava urgente falar com a amiga. Seu tom de voz deixou Isabela muito preocupada, e mais ainda quando a viu entrando e indo direito pro seu quarto.

- Miga, você me deixou preocupada.

O Semblante de Laura estava tão mudado, aquele rosto meigo e angelical havia dado lugar a um rosto feio, descorado.

Quando Laura lhe deu a notícia e mostrou o exame, ela também ficou pálida, sem saber o que falar.

- Você não usou camisinha, por que, amiga??

- A gente usou algumas vezes, cê sabe o Tiago vive duro, a gente acabou bebendo um pouco e rolou.

Rolou, pensou Isabela, uma palavra tão inocente, mas que no momento estava tendo um peso tão grande.

_ E agora, Isa, o que eu faço??

- Você tem que contar pro seus pais, miga. Eles têm que saber. Nossos pais são nossos melhores amigos. Neles a gente pode confiar sempre.

- Isa, você não tá entendo, meu pai vai me matar quando souber que não sou mais virgem e, pior ainda, que estou grávida.

- Laura, claro que ele vai brigar com você. Lógico né?, miga, mas não exagera. É assim mesmo, na hora o mundo vai desabar, depois, você vai ver que com o tempo ele vai adorar a idéia de ser avó. É sempre assim.

Laura viu que com Isabela não dava mesmo pra conversar e foi falar com Tiago, afinal, ele tinha culpa no que aconteceu, ela não transou sozinha. Ele tinha que ajudar a resolver aquele grande “PROBLEMA”.

DEZESSEIS

Tiago era o grande amor da vida de Laura. O menino que sempre gostara na escola e com quem tivera bons e lindos momentos. Sabia que não seria nada fácil pra ele também. Tinha acabado de completar dezoito anos; uma vida inteira pela frente, assim como ela e, com certeza, não iria gostar nenhum pouco da idéia de ser pai.

Ele tinha que saber, afinal era o pai da criança. Gostasse ou não, tinha todo o direito de saber e o dever de ajudá-la nesse momento tão difícil porque estava passando.

Ah, se tivesse dado ouvido a sua amiga Isabela. Mas não, foi ceder às investidas do namorado e se sujeitou às pressões dele que a abandonaria se não transasse com ele.

No fundo sentiu raiva dele e de si por ter se deixado conduzir.

Com medo de que alguém ouvisse sua conversa, ela deu graças a Deus de encontrá-lo sozinho em casa.

- Tem certeza de que não tem ninguém aqui?

- já falei que não, Laura! – Tiago desconfiou que alguma coisa não estava bem assim que a avistou. Era óbvio que sua namorada tinha problemas. – O que aconteceu, amor? Por que você tá com essa cara???

Laura respirou fundo, e foi logo falando:

- Eu tou grávida, acabei de vir do médico.

A cara dele mudou completamente. Parecia que estava vendo uma assombração. Incrédulo, e incapaz de dizer uma palavra, ela mostrou-lhe o resultado do exame médico.

Olhava o exame e mais incrédulo ficava.

- Não, isso não pode ser verdade, Laura!

- Mas é, olha ai, tá escrito ai! Tiago, e agora, que a gente vai fazer??

- Eu não quero e não posso ter filho agora, não!! A culpa é sua, por que você não se cuidou???

- Minha culpa como assim??

-Você tinha que ter tomado pílula, Laura!

- A culpa não é só minha, Tiago. É de nós dois. Eu não transei sozinha!!

- Eu não quero nem saber, filho nem pensar. Laura, eu tenho dezoito anos e se seu pai souber que te engravidei, ele me mata. – Tiago estava mais transtornado que Laura.

- Quando a gente não usava camisinha, você gozava fora, não sei o que aconteceu, a Fernanda falou que não tinha perigo nenhum se gozasse fora.

- Vê com sua amiga lá o que você vai fazer, e pode ir dando um jeito de tirar essa criança que eu tou fora!

- Tirar?? – a voz de Laura era mais um sussurro. Nunca pensei em fazer aborto na minha vida, Tiago.

- Bobagem, é coisa simples. Já percebi que sua amiga a Fernanda saca muita coisa, procura ela, vê se ela sabe de alguém que faz um aborto; se não for tão caro eu ajudo, cê sabe que ando quebrado. Filho, nem pensar e se seu pai ficar sabendo, vai sobrar pra mim; não quero ser preso, você é menor. E quem garante que esse filho é meu mesmo?

Laura começou a chorar.

- É lógico que é seu, Tiago, cê sabe que nunca fiquei com mais ninguém.

- A única coisa que sei é que tou fora. Para não falar que não vou te ajudar, - ele levou a mão na carteira e tirou uns trocados – toma, vou pagar pra tirar a criança. E não volta mais aqui enquanto não tiver tirado.

Laura sentiu uma dor aguda, como se alguém enfiasse uma faca em seu peito. Já não chorava, apenas gemia.

DEZESSETE

Laura foi até a casa de Fernanda. No quarto, com a porta bem fechada e falando baixo, ela contou toda a história pra ela.

- Amiga, você tem que me ajudar – implorou Laura.

- Fica calma. Vou te contar um segredo... eu já fiz um aborto.

Aquela revelação mexeu com Laura, afinal Fernanda era somente um ano mais velha que ela.

- Não conta pra ninguém.

- Claro que não.

- Então, fiquei grávida do seu irmão e ele falou que não queria ser pai agora que ia seguir carreira no exército ou na PM.

- Nunca percebi nada.

- É simples, amiga, foi de boa, claro dói um pouco, mas não tem nada a ver como todo mundo fica falando não. Não é o fim do mundo.

- E onde você fez esse aborto? Quanto custou??

- Fiz com uma ex-enfermeira. Ela é acostumada, já fez dezenas e cobra 250 reais.

- Duzentos e cinqüenta reis – repetiu Laura, com os olhos parados.

- É. Não é caro se pensar bem. Com esse dinheiro dá pra comprar só um bercinho e o enxoval que tem que comprar depois? Não achei caro, não.

- Eu não tenho esse dinheiro.

- Ah, isso é o homem que arruma; seu irmão que pagou tudo, não gastei um centavo. Pede pro Tiago que isso é obrigação dele.

- Ele me deu um pouco de dinheiro, nem contei, - chorando: - Ele falou que o filho podia não ser dele, que não quer me ver mais se não tirar a criança.

- Esquenta não, miga, homem é assim mesmo, a maioria só quer comer a gente, depois quer nem saber.

- Não, não é assim não, eu sei que tem homem bom, eu sei. Só não tive sorte e me iludi com a pessoa errada.

- É, ta certa, miga.

- Mas não tem perigo mesmo??

- Claro que não, não ta vendo como tou boa e você mesma disse que nem suspeitava.

-É.

A idéia do aborto parecia a Laura a única saída mesmo.

- Miga, te falar, a dona joana, a curiosa...

- Não tou entendendo, curiosa, como assim??

Fernanda riu da ingenuidade da amiga.

_ Curiosa é como são chamadas as mulheres que fazem abortos clandestinos.

- Ah, ta.

- Então, só pagar que ela faz, foi ela que fez pra mim.

Dali Fernanda levou Laura até a casa da mulher que lhe faria o aborto.

- Quanto tempo você acha que ta grávida?

- Minha menstruação sempre foi irregular, comecei a sentir muito enjôo e cansaço, daí fui no médico, ele falou que tou no segundo mês.

- Vou te dar um comprimido, toma agora mesmo, que ele vai matar o feto; depois é só tirar.

Laura ficou pensando naquelas palavras; “Matar o feto” e sentiu um arrepio percorrer a espinha.

- Só que amanhã vem parente de fora e não vai da pra fazer aqui em casa, vai ter que esperar.

- Queria acabar com isso logo.

- Não tem lugar. Aqui não dá, vem uma irmã minha de Uberlândia.

- Vai ter que esperar, Laura – comentou Fernanda.

- Mas quanto mais esperar é pior. Meu pai tem uma casa perto da represa. É pertinho, meia hora só de carro.

- Pra mim, tudo bem. A gente vai cedo e volta logo. Assim evita muita coisa pra mim. Só que ai vai custar mais caro.

- Mais caro quanto?

- Mais cinquenta reais. Faço tudo por trezentos. Pronto.

- Eu não tenho esse dinheiro – Laura percebia que entrava num poço sem fundo.

- Me dá seu celular e fica certo.

- Mas ele vale mais! – queixou-se Laura.

- Sem dinheiro ou o celular nada feito.

Laura olhou pra Fernanda que deu de ombro, como se disse “parece que não tem outro jeito”.

A menina tirou o chip do seu celular e o entregou pra mulher.

Combinaram de irem no dia seguinte bem cedo na casa da represa, da família de Laura.

DEZOITO

Em casa, Laura evitava os pais a tudo custo; trancafiou-se em seu quarto e recusou-se a comer; nem água estava bebendo direito. Sozinha, ela ficou imersa em seus pensamentos, tentando relaxar com a idéia de que tudo terminaria bem. Afinal, se Fernanda fizera o aborto e estava ali, não sentindo nada, e saudável, então era porque não havia tantos riscos como se falava.

Ela ouve a mãe chamar na porta.

- Princesa, trouxe uma torta de chocolate pra você comer.

- Tou com fome, não, mãe.

E sua mãe abre a porta e entra.

- Quero comer não, mãe. Tou sem fome.

- Mas tá uma delícia. – Ela coloca a tigela de torta sobre a mesinha de cabeceira e abraça a filha.

-Depois eu como.

- O que a minha princesinha tem que tá com essa cara ai??

- Nada não, mãe. Só cansada um pouco.

- Não quer se abrir comigo?? Você sabe que além de ser sua mãe, sou sua melhor amiga. – Ela beijou a filha.

- Eu sei, mãe. Tou de boa, só quero ficar sozinha um pouco. Depois eu como.

- Ta bom; mas não se esquece que seu pai e eu te a amamos muito, mas muito mesmo.

Ela sorriu um sorriso forçado. Achava estranho ela dizer tudo aquilo, naquele momento e pensou em contar pra mãe que estava grávida, mas assim que viu o pai entrando no quarto, mudou de idéia. Tinha muito medo da reação deles, mais do pai que da mãe e não se sentia preparada para uma revelação como aquela.

- Eu já vou pra cama – o pai de Laura falou.

- Já tou indo também. – Ela beijou a filha de novo e foi saindo.

Nisso, seu pai se aproximou e deu um beijo nela também, coisa que não fazia um tempão.

Depois que os dois saíram, ela ligou o PC e entrou no MSN. Bloqueou todos seus outros amigos. Falava apenas com Isa.

- Amiga, e ai você contou pra eles??

- Não, não tive coragem – ela dizia enquanto chorava.

- Olha, agora ta tarde, mas amanhã eu vou ai na sua casa dar uma força na hora que você contar pra seus pais que você ta grávida.

- Brigada, miga.

Laura queria contar pra Isabela quer ia fazer um aborto, que já estava tudo marcado, mas preferiu manter segredo e poupar a amiga de mais aborrecimentos com ela.

- Amoooooooooo muito você, Laura. Conta comigo, miguxa, sempre, viu??

Laura começou a chorar.

- Você sempre foi a minha miguxa preferida, viu? – continuou Isabela – Minha maninha que amooooooo, que vive no meu core. AMUUULLLLLLLLLLLL PRA SEMMMMMMPRE!! – escreveu Isabela.

Vc tb miguxa, minha melhor miga do core mesmo. Amuuuuuullllllllll pra sempre.

Miguxa, manhã vo na aula naum, tah? Vo na casa da represa. Bjussssss

Eternamente amigas

Minutos depois, ela saiu do MSN e desligou o PC.

Laura não conseguiu pregar os olhos à noite e o pouco que dormiu teve pesadelos estranhos e acordou muito cansada.

Bem cedinho, levantou-se e vestiu seu uniforme de escola como sempre fizera. Tomou apenas uma xícara de café com os pais e nesse ínterim procurou ficar calada.

- Você tá com uma cara, filha, que foi? – perguntou seu pai.

- Nada, só não dormi direito.

Ela pegou o material escolar e fez o percurso de sempre. Assim não chamaria a atenção dos pais. Encontrou-se com Fernanda e a mulher que faria o aborto. Entraram no carro velho dela, uma brasília vermelha, ano 78 e partiram rumo a casa à beira da represa.

DEZENOVE

No quarto onde costumava ficar sempre que ia com os pais passar um fim de semana à beira da represa, Laura se preparava para fazer o aborto. Ela começou a tirar a roupa, ficando só de calcinha, transparecendo indecisão.

- Tira essa calcinha logo! – A mulher parecia nervosa – Na hora de dá a calcinha é tirada num segundo, agora fica aí com essa frescura. Vamu logo que não tenho o dia inteiro.

As meninas se fitaram em silêncio. Laura ficou constrangida, mas se despiu completamente.

- Com o comprimido que te dei ontem, o feto já deve estar morto – comentou a mulher.

- Senti umas coisas estranhas à noite, não dormi quase nada e tive pesadelos.

- Isso não é nada. Daqui meia hora a gente tá voltando pra casa.

Laura deitou-se e fazia o que lhe era mandado fazer.

Joana tirou do bolso um pequeno frasco contendo conhaque e deu uma boa golada, fazendo careta.

As meninas se fitaram, estranhando uma pessoa beber tão cedo assim e ainda prestes a fazer algo “tão importante”.

- Abre bem as pernas, agora.

- Vai doer?

- Um pouquinho só, nada demais.

- Que eu tenho medo de dor.

Joana soltou uma gargalhada de deboche.

- Tem medo de dor?? Mas na hora do bem bom cê gostou, né?

Laura, corada, nada disse, apenas abaixou os olhos.

Fernanda pegou a mão da amiga e a apertou.

- Cê vai ver, miga, dá nada não.

- Não tem anestesia, não? – perguntou Laura.

- Anestesia é cara, pelo preço que tou cobrando nem tem como. Se quisesse atendimento cinco estrelas por que não procurou uma clinica particular? – Ela virou-se pra Fernanda, que sentiu seu hálito nojento: Segura firme a perna esquerda dela, com muita força. A outra eu seguro com uma mão.

Fernanda obedeceu. As meninas estranharam muito o comportamento da mulher, na casa dela, ela parecia tão dócil.

Joana calçou luvas descartáveis e tirou de sua bolsa velha um bico de pato, desses que as meninas usam pra prender os cabelos e assim que Laura o viu, questionou amedrontada:

- Que você vai fazer com isso? Não vai enfiar isso em mim, vai? – a voz dela era de medo.

- Vou sim. Isso aqui não é nada perto do que já entrou ai. Você já agüentou muito maior e mais grosso que isso.

E rapidamente, sem que Laura contestasse, ela pegou o bico de pato e sem qualquer tipo de assepsia abriu a vagina de Laura, que deu um grito agudo e horrendo e apertou as beiradas da cama com toda sua força.

- Não grita, não! – a mulher reclamou. – Começou agora não dá pra parar. Furei a bolsa, agora é rapadinho.

Um líquido viscoso e nojento começou a sair da vagina dela e a manchar o lençol.

- Isso ta doendo muito!! – queixou-se a menina.

Laura suava muito e já estava arrependida do que fizera. Seu coração acelerava a cada instante; ela podia sentir cada batida, e subitamente, a mulher enfiou novamente o bico de pato pra tirar o feto.

- Páraaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa! Tá doendo muito!

- já mandei calar a boca!!

A mulher estava muito nervosa. Fernanda não a reconheceu, parecia outra pessoa.

- Na hora de fechar os zói e gozar não reclamou nem um pouco, né? Agora fica ai... Qual é?? – Joana estava zangada, parecia odiar o que fazia.

Sangue, muito sangue começou a sair de sua vagina e escorrer sobre o lençol que fora branco, mas que já não passava de uma enorme mancha sangrenta.

- Não vai demorar nada – falou Joana.

Fernanda forçou um sorriso sem graça pra Laura.

- Eu quero ir embora – ela declarou, tentando fazer força pra se levantar.

- Agora não tem mais volta, tem que ficar até o fim. Se o bicho não morreu à noite com o remédio, não tem mais como vivera agora.

BICHO. Era assim que Joana chamava um feto de um ser humano inocente. Que tipo de pessoa era aquela que não demonstrava nenhum tipo de sentimento? E quem afinal ali era pior? No fundo, eram todas iguais. Joana porque fazia os abortos, Fernanda porque já o fizera e o aconselhara a Laura, e a última porque consentiu em fazê-lo.

Joana, irritada, enfia de novo o bco de pato com mais força ainda tentando pegar o feto e puxá-lo, mas não conseguia.

O sangue não parava de sair, isso estava deixando a aborteira preocupada.

- Essa desgraça nunca aconteceu comigo!

Laura estava banhada em suor, respirava com dificuldade e como estava muito fraca, porque não jantara e tomara apenas uma xícara de café, e quase nada dormira, começou a sentir tonturas.

- Tem alguma coisa errada aqui – comentou Fernanda.

- Cale a boca, sua putinha! – esbravejou a mulher, tomando outro trago.

Todos ali sabiam que alguma coisa não ia bem.

Fernanda soltou-se de Laura e começou a andar de um lado a outro pelo quarto, muito ansiosa. Algo a preocupava, pois quando fizera o aborto tudo transcorrera bem diferente.

A mulher parecia mais aflita ainda. O sangue não parava de sair da vagina da menina. Subitamente a mulher tira uma “coisinha” toda manchada de sangue presa ao bico de pato. Era o filho de Laura.

Fernanda vomita e a mulher o joga para uma lata de lixo, próximo à cama.

- Esse desgraçado deu muito trabalho – queixou-se a mulher, passando a mão pelo rosto, manchando-o de sangue, tomando outro gole do conhaque.

Laura, mesmo tonta, viu tudo e começou a vomitar também, mas seu estômago estava vazio e não saiu nada a não ser uma aguinha nojenta e malcheirosa.

- Agora vamos dar um jeito nisso aqui e voltar.– falou a mulher, mas antes que terminasse, Laura começou a gritar de dor e desespero. Ela perdera mais sangue ainda. Já era só palidez.

- Fernanda, liga pros meus pais, for favor – ela implorou, com a voz agonizante.

A mulher e Fernanda se olharam rapidamente e nisso, a aborteira pegou suas coisas e foi saindo.

- Pra onde você vai? – quis saber Fernanda.

- Vou embora, é fria, essa menina tá morrendo. Vai sobrar pra nos duas, vambora!!

- Nanda, por favor, não me deixe aqui sozinha. Liga pra minha mãe. Eu to morrendo, fica comigo, não me deixa sozinha aqui, não.

- Vambora! – gritou a mulher.

Fernanda olhou pra Laura e viu que a situação ali parecia irreversível e não pensou duas vezes em se mandar.

- Foi mal, miga, mas não posso ficar, não. Já tenho problemas com o Conselho Tutelar e isso vai enrolar minha vida.

- Chama meus pais, por favor. Não me deixa sozinha aqui, pelo amor de Deus, fica comigo.

Laura começou a chorar e quando olhou pra o lado não avistou mais nem a mulher e nem Fernanda, mas pôde ouvir o barulho do motor do carro em funcionamento. Fora abandonada e estava ali sozinha e morrendo.

Lembrou-se de Isa, e lamentou muito não ter lhe dado o real valor e de não tê-la ouvido. Ela sim, sempre fora sua única e verdadeira amiga e a trocara por Fernanda, uma falsa que a ajudara a entrar naquele beco sem saída.

- Perdão, Isa – ela disse baixinho, enquanto chorava.

Lembrou-se de Tiago que por inúmeras vezes dissera que a amava mais que tudo na vida, mas que só queria mesmo seu corpo e a abandonou no momento mais delicado.

Ela tentou se levantar, mas não conseguiu. Pensou em ligar para os pais, e se lembrou que não tinha mais celular, que o dera como pagamento daquela loucura que fizera.

A cada minuto que passava mais fraca ficava. Tentou se levantar de novo; com muito esforço conseguiu. Foi até a lata de lixo e pegou o feto, e o levou ao peito, manchando-se ainda mais de sangue. Chorou como nunca havia chorado em sua vida.

- Perdão, filhinho – ela solução em prantos.

Muito fraca, caiu ao chão, batendo a cabeça com força, e novamente mais sangue saíra e agora pela boca também.

Ofegante, ela começou a rezar.

_ Pai nosso que estais no céu...

Não conseguiu terminar a oração.

- Meus Deus, me perdoa, estou arrependida. Me dá mais uma chance, eu não quero morrer, por favor. Pai, mãe, perdão... eu não quero morrer agora, Deus, perdão por tudo de errado que fiz, perdão por ter matado meu filhinho. Eu errei e estou arrependida, mas não quero morrer agora. Por favor. Por favor...

Aos poucos sua voz foi sumindo. O quarto escurecendo, até que finalmente Laura calou-se e a luz deu lugar a uma terrível escuridão.

WILSON MELLO
Enviado por WILSON MELLO em 04/05/2008
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