Pantopômios - Em Busca da Pluma Encantada

Dois primeiros capítulos do primeiro livro da Saga dos Pantopômios.

Cap. 1 A Grande Fuga

A noite estava estranha. Era primavera e o céu deveria estar completamente limpo, com muitas estrelas e a lua cheia iluminando o negrume do céu. Mas não era isso que se via nos céus de São Paulo, uma densa nuvem cobria toda a cidade e não era a tradicional nuvem de poluição, era algo diferente. Os envolvidos em religiões diriam que era um mau presságio, mas ninguém dizia nada. Todos estavam dormindo.

Mesmo em uma metrópole como São Paulo, todos dormiam, se alguém estivesse acordado estranharia o silêncio da cidade, mas ninguém estava acordado. Ninguém podia estar acordado, era a lei, a lei dos líderes do Brasil, aqueles que dominavam o país e haviam separado o Brasil do resto do mundo como num passe de mágica.

Nem os brasileiros nem o restante do mundo se lembravam que um dia esse país havia existido. Tudo era muito estranho, muito estranho. Mas ninguém sabia explicar, todos dormiam, não era possível explicar nada.

Em meio a tanto silêncio um estridente grito ocupou todo o espaço, era alguém pedindo socorro, pessoas corriam e conversavam em desespero.

__ Rápido Dórothi, ou não vamos conseguir – gritava desesperadamente uma mulher enquanto corria. Essa mulher tinha a roupa rasgada, corria descalça e estava suja e molhada, ela era gorda e por isso não conseguia correr muito rápido.

__ Eu não agüento mais correr Helen, o Davi está chorando muito, acho que é fome. – reclamou a companheira que tinha um bebê em seu colo.

__ Se pararmos e o Pelegue ou o Dóran nos encontrar seremos mortas amiga, corra, salve seu filho. Eu estou grávida e corro mais que você, esforce-se mais um pouco.

As amigas continuavam a correr o mais rápido que conseguiam. Viravam pelas ruas sem rumo e não sabia aonde ir. Não tinha aonde ir, elas precisavam apenas de um lugar para se esconder, para fazer o que haviam planejado por tantos e tantos dias. Não havia mais retorno, ou devolveriam a paz ao Brasil, ou morreriam tentando.

__ Aqui, vamos – gritou Helen, puxando a amiga.

As duas correram por um beco. Viram um gato dormindo confortavelmente que sequer se mexeu com tamanho barulho causado pela dupla de amigas, ao virarem no fim da rua, uma surpresa.

__ Finalmente encontrei vocês – era Pelegue que exibia um sorriso horrível.

__ Por favor, nos deixe em paz – chorou Dórothi se afastando lentamente.

__ Mulher idiota. Nosso rei te deu todas as oportunidades, te deu tudo que você queria e é assim que você o recompensa? Com a traição! Espero que se lembre o castigo para os traidores. – o homem estava implacável.

__ Socorro – gritou desesperadamente Helen.

__ Cale a boca – ordenou Pelegue estapeando a moça que gritou.

__ Por que você não bata em alguém do seu tamanho? – gritou uma voz que vinha do alto de um pequeno prédio de dois andares que estava próximo a eles.

__ Homem. Saia daí e vá para casa, você deveria estar dormindo. Eu sou a lei e estou corrigindo essas rebeldes.

__ Pelegue, será que por causa do tempo não se lembra mais de mim? – disse o homem calmamente, até Dórothi estranhou que o homem soubesse o nome de seu perseguidor.

__ Como sabe meu nome? Identifique-se agora ou sofrerá as conseqüências.

Com um tranqüilo salto o homem chegou até eles como se flutuasse, Dórothi emitiu um pequeno som de admiração, Helen ficou em silêncio.

__ Quanto tempo não? – ele sorria para um Pelegue chocado.

__ Você, mas como?

__ Surpreso? Pois não deveria, achou que os pantopômios haviam se entregado? Estávamos apenas esperando o momento certo de atacar.

__ Miserável, quer dizer que vocês estão por trás dessa rebeldia, mas finalmente terei o prazer de derrotar você, Tremendo. – bradou Pelegue.

Foi então que Dórothi entendeu, aquele era o tal de Tremendo, o homem que convencera Helen de armar o plano, o plano que Dórothi aprovara e as levara para aquele beco escuro e sem saída.

Com um movimento rápido das mãos Tremendo lançou Pelegue na parede com uma violência que teria matado um homem comum.

__ Corram, rápido, saiam daqui. Temos um amigo no fim da rua que as levarão para um lugar seguro – ordenou Tremendo.

__ Não, você tem que vir comigo – desesperou-se Helen.

__ Helen, não discuta, saia daqui agora.

Dórothi puxou a amiga e ambas voltaram a correr. Helen olhou para trás a tempo de ver Pelegue lançando a sentença de morte sobre Tremendo, mas continuou correndo.

Na esquina encontraram um homem, as duas pararam assustadas.

__ Não tenham medo, eu vim ajudá-las, sou amigo de Tremendo, vamos. – ordenou ele.

Dórothi estava confusa, não correu, olhou profundamente para o estranho.

__ Eu te conheço. Já nos vimos em algum lugar, mas não consigo me lembrar onde. – disse ela

__ Não diga bobagens, nunca nos vimos. E corra agora se você quiser salvar a sua vida e a de seu filho – e o homem disparou a correr com as mulheres o seguindo.

Eles correram muito pelas ruas, não ouviam nada, o silêncio cobria todo o local. Parecia que o mundo tinha morrido, mas todos apenas dormiam sem saber que uma importante guerra se desenrolava pelas ruas da cidade. A guerra que poderia devolver a liberdade ao Brasil e colocar na normalidade a vida de todos, que mesmo sem saber viviam debaixo de uma forte hipnose para servirem a um único rei.

__ Por aqui, rápido – ordenou o estranho.

Agora eles não mais corriam apenas andavam rapidamente, o homem parecia procurar alguma entrada em meio a tantos prédios.

__ Vamos, entrem aqui. – ele apontou para um pequeno buraco no meio de um prédio, seria complicado passar por ali.

__ Qual seu nome? – perguntou Dórothi enquanto colocava Davi no colo de Helen que já atravessara o buraco.

__ Não é hora para conversarmos, se conseguirmos fazer isso teremos tempo para apresentações.

Assim que eles passaram todos se sentaram no chão.

__ Onde está ela? – perguntou o estranho

Dórothi e Helen se olharam, parecia haver dúvida no olhar de Dórothi que procurava nos olhos da amiga por algum tipo de resposta. . Então ela retirou do manto que protegia seu filho uma pena azul e muito linda que brilhava como se emitisse luz própria. Era uma visão encantadora.

__ A Pluma Encantada. – sorriu o homem

__ O que devemos fazer? – perguntou Helen.

__ Apenas escrever a sentença que Tremendo já disse para vocês, é simples, escreva.

Nesse momento uma forte explosão derrubou a parede do prédio, os três olharam surpresos para o novo arrombo e viram um homem de cabelos lisos, loiros e grandes, com uma horrível cara que lembrava um touro. Suas vestes eram pretas e cheia de símbolos. Ele sorria.

__ Então achei as fujonas.

__ Dóran? Mas como? – Dórothi estava surpresa.

__ Você realmente achou que teria chance contra mim? – ele se aproximava.

Dórothi entregou o filho a Helen beijando o rosto do menino, ela chorava muito.

__ Dóran, por favor, não faça nada ao meu filho, eu quem te traí, ele é apenas um inocente. – dizia ela

__ Eu sei, tenho certeza que a culpa é sua e da estúpida de sua amiga. – rugiu ele – apenas vocês e os pantopômios pagarão.

Dórothi continuava chorando e se aproximava do Rei.

__ Por favor, me perdoe.

__ O Rei dos cherícolas não perdoa traição Dórothi. Você traiu o homem que comanda esse mundo, essa dimensão. Você se enganou pensando que pudesse me fazer algum mal e foi estúpida em acreditar que algum homem, algum ser dessa Terra pudesse me fazer algo, eu sou invencível. Os cherícolas governarão essa dimensão para todo o sempre. – gritou ele.

Foi então que ela soube que deveria agir, era a única chance que seu filho e sua amiga ainda tinham, ela precisava demonstrar coragem agora ou então o Brasil nunca mais existiria novamente como sempre fora.

__ ARAPEL – gritou ela apontando as mãos para o rei dos cherícolas, uma forte luz amarela saiu de suas mãos, rostos saiam dessa luz. Eram os espíritos malignos de morte. Dórothi estava atacando o rei.

__ARAPEL – revidou o rei tentando se desviar do ataque da mulher e vários rostos de demônios se encontraram no meio e brigavam entre si.

__Corra, fuja daqui com o meu filho. Leve a Pluma, está nas mãos dele. Helen, se você conseguir fazer a sentença encontre meu diário, nunca deixe os cherícolas se apossarem dele. Nele tem a resposta, todas as respostas. – gritava ela se defendendo da sentença de morte.

O homem puxou Helen e a criança e ambos saíram correndo.

__ Você acha que pode me vencer mulher tola? – zombava Dóran enquanto fachos de luz amarela saíam de suas mãos e demônios mais poderosos surgiam. Nas mãos de Dórothi saiam pequenos fachos, ela estava se enfraquecendo.

__ Você é e sempre foi um estúpido Dóran, não consegue perceber o que está embaixo de seu nariz, homem idiota. – ela o desafiava.

Os olhos negros dele ganharam uma forte cor amarela, ele parecia realmente furioso, Dórothi sabia que aquele era seu fim, torcia apenas para ter conseguido atrasar Dóran suficientemente para que Helen escrevesse a sentença, era muito importante. Se todos se salvassem, seu sacrifício valeria a pena. Nesse instante com um grito de fúria Dóran esticou sua mão e disse olhando profundamente para a mulher:

__ ARAPEL – Dórothi arregalou os olhos, cambaleou um pouco e caiu. Ela fora derrotada pelo Rei dos cherícolas, estava morta. Dóran se aproximou de seu corpo inerte e com uma expressão séria balançou a cabeça saindo correndo.

Enquanto isso Helen e o homem estavam sentados utilizando a Pluma no meio da rua, sem qualquer segurança, mas o homem sabia que Dórothi merecia ser honrada, não poderia deixar aquela mulher se sacrificar em vão. Voando, num canto da rua apareceu o Rei dos cherícolas.

__ Me devolvam essa Pluma imediatamente – gritou Dóran.

__ Rápido, termine isso logo, gritou o homem para Helen.

__ Helen, devolva-me a Pluma e protegerei você, o menino e seu filho.

__ Meus filhos Dóran, são gêmeos e nem eles nem Davi viverão sob seu jugo. Davi e meus filhos terão menos de 5 meses de diferença na idade, eu os criarei. – disse a mulher

__ Estúpida, cale a boca e me devolva a Pluma ou morra – gritou ele.

Ela sorriu, ergueu a Pluma, tudo parecia em câmera lenta. O homem que acompanhava Helen olhou para Dóran que olhou para Pluma, Davi no colo de Helen parou de chorar como se soubesse que tudo estaria bem.

__ É o seu fim, Dóran – determinou ela e com força colocou a Pluma no papel, assinando a sentença.

__ NÃO – gritou Dóran tentando lançar o ARAPEL, mas era tarde demais, tudo começava a girar, Davi voltara a chorar e Helen sorria mais ainda. Não havia barulho apenas o terrível grito do Rei dos Cherícolas.

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Helen estava em sua casa, em seu quarto. Ela olhava o seu álbum de fotos, sua expressão era triste, muito triste. Ela olhava as fotos de sua amiga Dórothi, e já chorava, faziam treze anos desde que tudo aquilo aconteceu e ela ainda sentia tanta falta da amiga. Sabia que o sacrifício de Dórothi tinha sido por um bem maior, a amiga era uma heroína, uma desconhecida heroína.

Ninguém no Brasil sabia o que Dórothi havia feito, ninguém sequer lembrara que há pouco mais de vinte anos o país sumira do mapa e fora para outra dimensão, governada por cherícolas e pelo maligno Dóran, o rei dos cherícolas, mas cinco anos depois Dórothi salvou a todos, recuperou a dignidade dos brasileiros e trouxe o Brasil de volta ao mapa mundí, mas ninguém se lembrava de nada.

__ Minha amiga, quanta saudade – ela acariciou uma foto de Dórothi – obrigado por tudo, por tudo mesmo.

Ela guardou o álbum num armário, precisava se controlar, Davi não podia desconfiar para não fazer tantas perguntas. O menino merecia saber a história de sua mãe, mas Helen sabia que não podia contar, ninguém acreditaria e Davi não entenderia.

No mesmo instante em que fechou o armário, alguém bateu a porta de forma estapafúrdia.

__ Mãe, posso entrar? – berrou Felipe do lado de fora do quarto e quase derrubando a porta com socos.

Helen limpou o restante de suas lágrimas e foi atender o filho.

__Que houve menino? Parece que viu assombração, para que toda essa pressa?

Felipe saiu arrastando a mãe escada abaixo.

__ Corre mãe, vem ver o que está passando na TV.

Assim que chegaram a sala, Helen sentou-se no sofá, ao lado de Júnior, no outro sofá estava Davi sentado e Felipe foi sentar-se ao seu lado. A sala era muito bem decorada, com belas cortinas cor de gelo e com lindos babados cor de vinho. A cor permitia que a claridade do sol entrasse pouco na sala e deixasse o ambiente bem iluminado e muito bem arejado. No canto da sala havia uma estante com várias fotos dos meninos com todas as idades. Tinha a foto da festa de aniversário de Felipe e Júnior que fizeram 10 anos e jogaram bolo em todos os convidados; a foto do dia em que Davi caiu da bicicleta e voltou chorando como se o mundo tivesse acabado, e muitas outras. Além da TV, também tinha um sofisticado aparelho de som que complementava o ambiente.

Helen viu que estava passando uma reportagem sobre um assassino que já matara quatro pessoas e parecia não estar saciado.

“O bandido tem trazido pânico para os moradores da cidade. Todos se sentem inseguros e exigem das autoridades uma rápida captura para que a paz possa voltar.” – dizia a repórter.

__ Quem é o assassino? – perguntou Helen, ligeiramente trêmula.

__ Um tal de Pelegue – respondeu Davi sem tirar os olhos da TV.

__ O que? – gritou Helen se levantando.

__ Pelegue madrinha, a senhora já ouviu falar esse nome? – quem perguntou foi Davi, mas os gêmeos Júnior e Felipe pensaram o mesmo.

__Claro que não Davi, como eu poderia conhecer um assassino, e fique quieto porque quero ver o jornal.

“O assassino matou um idoso apenas porque o pobre velho estava em seu caminho, segundo fontes. Ele é perigoso e caminhava rumo a rua do País.”

__ Ele está vindo para cá – berraram Davi, Junior e Felipe ao mesmo tempo.

No momento seguinte a campainha tocou assustando todos na sala.

Cap. 2 O Estranho fim de Hélen

__ Você abre.

__ Não, você abre.

Discutiam os gêmeos Felipe e Júnior, ou Júnior e Felipe como Júnior gostava que todos se dirigissem, pois ele era o mais velho e não deixava que o outro se esquecesse disso nem um segundo sequer. Quem os olhasse pela primeira vez teria sérios problemas para identificar um e o outro, eram gêmeos idênticos, exceto pela pequena queimadura no queixo de Felipe, isso servia para que os amigos mais próximos os distinguissem sem dificuldade. De resto, eram completamente iguais, os profundos olhos castanhos, a pequena altura para seus 13 anos e os cabelos loiros e enrolados, dando aspecto ligeiramente angelical. Enquanto os dois insistiam em discutir para ver quem abriria a porta, Davi encaminhou-se tranqüilamente rumo a ela.

__ Pode deixar que eu abro.

__ Não. – gritou Helen com voz de pânico – deixe que eu abro, e vocês dois querem fazer o favor de parar com essa briga estúpida?

Helen então se dirigiu a porta, sua expressão era de medo, pequenas rugas apareciam no canto dos olhos, mas era por causa da tensão do momento. Mesmo nos seus 45 anos, Helen não aparentava ser velha, ao contrário, ela era até jovem. Loira com cabelos quase na cintura e tão lisos que mais pareciam macarrão, de belos olhos cor de mel, ela mantinha a forma física através de uma série de regimes e exercícios. Como ela mesma gostava de dizer, manter a forma era uma obrigação de todos.

__ Helen querida, quanto tempo! – sorriu o visitante.

Júnior, Felipe e Davi se espremeram no corredor para tentar ver quem era o inesperado visitante, mas não conseguiam ver nada, e Helen parecia petrificada ali na porta, não dizia nada nem sequer fazia um movimento de corpo.

__ Você vai me deixar plantado aqui fora depois de eu andar tanto tempo? – perguntou o homem parado lá fora.

Sem dizer uma palavra sequer, ela abriu passagem para que ele entrasse e os três meninos não gostaram nada do que viram: a aparência do amigo de Helen era da piores. Um homem com porte atlético e muito alto, olhos negros e um ar de superioridade que causava medo. Ele tinha uma careca lustrosa e um sorriso de canto de boca, que sempre dava a impressão dele estar tramando algo.

__ Vocês devem ser Júnior e Felipe. – disse ele dirigindo-se aos gêmeos e, para a surpresa de todos, foi a primeira pessoa que não confundiu os gêmeos.

Os dois apenas o cumprimentaram, sem conseguir dizer palavra alguma, a presença daquele sujeito causava um mau presságio no ambiente, parecia que estava faltando ar.

__ Como está grande o Davi, parece que foi ontem que vi aquele bebezinho lindo saindo do Castelo.

__ Vo-você me conhece? – perguntou Davi meio chocado.

Ao invés de responder, o estranho virou-se em direção a Helen.

__ Minha querida Helen, você pretende ficar até que horas aí parada nessa porta. Isso não são modos de receber uma visita tão importante.

Júnior caminhou decidido até a mãe e perguntou baixinho quem era aquele sujeito, as palavras do filho parecem ter tirado Helen do transe, porque ela olhou ao redor e apenas disse:

__Um conhecido. Garotos eu preciso conversar com este senhor um minuto a sós, vocês poderiam ir para o quarto?

__ Ah mãe... – reclamou Felipe.

__Agora Felipe.

Davi preferiu não dizer nada, dava para perceber que o visitante era não desejado e a madrinha não gostara nem um pouco de rever aquele conhecido. A dúvida que pairava em sua mente era como ela conhecera um sujeito tão sinistro, logo a madrinha Helen, que levava uma vida tão pacata e até meio anti-social, era a única no bairro que não ia as freqüentes festas que a Associação dos Moradores organizavam. Com esses pensamentos Davi acompanhou os gêmeos até o quarto.

__ Quem será aquele sujeito? – se perguntavam os dois, como se um pudesse responder ao outro.

__Eu acho que ele é um cobrador

__Eu já acho que ele é um antigo namorado da mamãe – todas as hipóteses passaram por aquele quarto nos minutos que se seguiram, uma mais estapafúrdia que a outra, na opinião de Davi.

__ Calem a boca. – brigou ele – vocês nunca cansam de falar besteira? Será que não percebem o clima péssimo que tinha na sala? A madrinha não estava apenas descontente por ver o cara, ela estava com medo.

__ Medo???

Davi sentou-se na cama de Felipe, como se desistisse de conversar com aqueles dois.

__ Será que a mamãe estava mesmo com medo? – perguntou Junior ao irmão.

O outro ficou um instante em silêncio, depois caminhou pelo quarto. O quarto em questão era dos gêmeos, muito bem decorado pela própria mãe que sempre adorara trabalhar com essas coisas. Tinha papel de parede azul claro e duas camas de solteiro perfeitamente arrumadas, no canto um computador que era o único da casa e de uso de todos, na parede próxima a janela o guarda-roupas embutido que era o mimo dos garotos, eles sempre quiseram um daqueles e fizeram a mãe reformar a casa para poder encaixar ele. Ainda havia uma escrivaninha de estudos com um pequeno abajur com luz florescente.

__ Claro que não. – disse ele finalmente – você é um panaca mesmo, acreditando em tudo que o Davi fala, não está vendo que ele está gozando com a nossa cara?

Mas Davi estava sério, mais do que sério, estava apreensivo demais para se preocupar com a opinião dos amigos. No seu íntimo ele estava preocupado, e uma pergunta não saía de sua cabeça. “De onde aquele homem me conhece?”

__ Vamos tentar ir à escada para ouvir? – sugeriu Júnior tirando Davi de seu devaneio.

Sem nenhum questionamento os três abriram lentamente a porta, que ultimamente insistia em ranger nos momentos mais impróprios, mas por pura sorte, naquele instante ela cooperou e não fez nenhum barulho; e pé ante pé, atravessaram o corredor rumo a escada.

Do alto da escada eles podiam ver a mãe e o estranho conversando, mas era impossível entender uma única palavra, descer as escadas seria muito perigoso, pois a mãe poderia vê-los ou ouvi-los e certamente os três estariam numa encrenca danada.

__ Não tem outra saída, o jeito é descer – sussurrou Davi para os gêmeos. E dito isso ele mesmo começou a descer lentamente para evitar qualquer barulho.

Logo eles estavam atrás da divisa entre o hall e a sala, agora poderiam ouvir o que Helen discutia e quem era aquele sujeitinho que invadira a casa como se fosse dele.

__ psti – fez Davi pedindo silêncio. Os três fizeram silêncio e começaram a ouvir a conversa.

__Helen eu não acredito que você algum dia achou que se livraria de nós. Isso é impossível minha querida, apenas estávamos esperando o momento certo para vir buscar o que é nosso por direito e herança e o nosso senhor sabe que você tem a localização exata da Pluma Encantada e ele quer saber – dizia o estranho.

__Pelegue, você precisa entender. Eu fiz um pacto de fidelidade com a Dórothi e pretendo cumpri-lo. Quando nós cometemos nosso erro, fizemos isso diante do nosso pacto, provando que respeitamos o contrato que assinamos e não pretendeu mudar isso agora, porque eu me mantive fiel ao tratado e vou continuar assim. Sobre a Pluma Encantada é uma loucura total achar que eu sei onde está, como eu saberia? – Helen argumentava demonstrando nervosismo em sua voz.

Pelegue... Então esse era o nome do cara. Davi entrou em pânico no mesmo momento em que ouviu a madrinha dizer esse nome, sua vontade era correr para a sala e protege-la. Aquele era de fato o sujeito que o jornal noticiara como um perigoso assassino e agora estava ali conversando calmamente com Helen, o pior é que Davi tinha a convicção que já ouvira este nome em algum lugar, mas não conseguia se lembrar onde. A conversa estava ficando cada vez mais estranha e sem sentido para ele e os amigos.

__ Helen, se você mantiver-se fiel realmente, não vai criar problemas para mim. Eu preciso voltar ao castelo, nosso rei me espera ansiosamente. E não venha tentar me enrolar, todos nós sabemos como você e Dórothi mudaram a sentença com claro interesse de nos prejudicar, a maldita Dórothi teve o fim merecido e você está tendo uma segunda chance, basta entregar o que eu quero – falou Pelegue e levantou-se de súbito – vou subir e buscar.

__ Não vai não! – e ela se colou parada a porta, a exatos dois metros de onde os meninos estavam.

__Tem certeza que quer fazer isso? – a pergunta mais parecia uma ameaça.

Davi começava a achar que iriam ter problemas com aquele sujeito e queria entrar na sala e pedir que a madrinha entregasse logo aquilo que o perturbado tinha ido buscar para que os deixassem em paz, o medo tomava conta de seu corpo, mas ele sempre enfrentara seus medos sem problemas. Apesar dessa coragem inexplicável, Davi não era forte, ao contrário, para seus 13 anos recém-completados (há exatos três dias) ele era até baixo. Além disso, era extremamente franzino, o que dava a impressão de uma pessoa frágil, mas ele não era e todos percebiam isso pelo seu olhar. Seus lindos olhos verdes refletiam inteligência e agilidade duas palavras que andavam com Davi o tempo todo e seus cabelos lisos e profundamente negros o deixavam ainda mais com a impressão de um garoto com idéias decididas e fortes. Ele fora criado com a madrinha e os gêmeos, nunca soube o que acontecera com sua mãe, sabia muito pouco sobre Dórothi, mas foi muito amado naquela casa e isso tinha feito dele muito forte, mesmo sendo excluído dos grupos no cotidiano. Ele não se importava, mas sentia um vazio terrível, era como se aquela não fosse sua vida.

Mas Davi não precisou invadir a sala, no momento em que Pelegue pegou Helen pelo braço um forte barulho veio da cozinha, era como se alguém tivesse arrebentado a porta e assustou a todos.

__ Meninos, o que vocês fazem aqui? – Helen estava mais preocupada com eles ali do que com o estrondo ou com a ameaça que acabara de receber – para o quarto imediatamente.

Nesse instante vindo da cozinha surgiram três homens completamente estranhos a Davi. Dois deles vestiam-se com blusa e calças brancas e uma capa preta amarrada junto ao pescoço, usavam óculos escuros e pareciam ser pouca coisa mais velhos que ele. O outro não, já era um senhor de idade e aparentemente cansado da vida, mas andava com vigor, tinha uma barba rala e branca e cabelos que lembravam o da Marge Simpsom, a não ser pelo fato de serem brancos e não azuis.

__ Pelegue! Só podia ser você mesmo. – disse o senhor.

__ Tremendo. Quanto tempo. Mas receio que você tenha chegado atrasado e vindo ao lugar errado. Aqui não há nenhum pantopômio, apenas cherícolas, e você sabe disso.

__ É o que veremos. – e dirigiu-se a Helen – suba você e os meninos, logo teremos resolvido isso.

Helen fez sinal para os três subirem as escadas e foi caminhando junto com eles, quando um grito assustou todos.

__ QUE ABSURDO É ESSE, VOCÊ VAI TER O QUE MERECE MISERÁVEL TRAÍDORA! ... HÁ-DAL!!! – era o Pelegue.

Quando Davi virou-se para olhar o que estava acontecendo viu Helen caída se debatendo como se estivesse morrendo afogada, mas não havia água. Ele não suportou ver aquilo e voltou correndo.

__ Madrinha!

__ Davi não! – disse o senhor de barba colocando-se entre ele e Pelegue.

__ Saia da minha frente AGORA. – ordenou Pelegue com uma voz de dar medo.

__ Você vai ter que me tirar se quiser – e dito isso, fez um gesto apenas com a cabeça e Pelegue voou indo chocar-se na parede.

__ Tirem eles daqui agora. – ordenou para os outros dois.

Os dois da capa pegaram Davi e os gêmeos e subiram as escadas sem olhar para trás, apenas conseguiram ouvir os gritos de Pelegue, mas não conseguiam distinguir nada. Felipe e Júnior choravam muito, estavam muito assustados e tinham a impressão de que sua mãe havia morrido afogada. Davi não chorava, não tinha lágrimas, mas estava inconsolável, aturdido e sem entender nada do que acontecia ali. Ao chegar novamente no quarto dos gêmeos, os dois da capa trancaram a porta.

__ O que está acontecendo aqui? Quem são vocês? O que querem com a gente? – as perguntas não paravam de serem cuspidas da boca de Davi.

__ Davi, eu sugiro que você se acalme e espere o Tremendo, logo ele se livrará de Pelegue e virá aqui explicar tudo para vocês e vocês dois não precisam chorar, tudo vai acabar bem.

__ Ah claro – gritou Júnior – eu acabo de ver minha morrer afogada SEM água alguma, minha casa é invadida por pessoas que parecem bruxos e eu não tenho com que me preocupar, nem preciso chorar.

__ Psiu – fez um dos caras da capa olhando profundamente para ele, e Júnior continuou falando, porém não saia som algum de sua boca. Felipe então se deitou na cama e chorou muito mais, Davi vendo aquilo foi até o amigo para consolá-lo, mas ele próprio precisava de consolo e de muitas explicações. Estava sentindo como se estivesse mergulhado no pior dos seus pesadelos, mas infelizmente no seu íntimo ele sabia que aquilo era verdade, uma aterradora verdade. Sentia medo, mas no fundo de seu coração sabia que aquilo estava acontecendo por um motivo, aquelas pessoas, aquelas palavras estranhas não eram estranhas a ele.

Com o ataque de histeria dos gêmeos eles não conseguiram ouvir o que se passava lá na sala, mas em pouco tempo ouviram passos ligeiros em direção ao quarto, sem abrir a porta e atravessando as paredes, surgiu o tal Tremendo, com um pequeno sorriso.

__Pronto, me livrei de Pelegue por um tempo, podemos ir.

Os caras das capas fizeram um sinal indicando que os gêmeos e Davi estavam ali em pânico e aguardando uma explicação.

__Ai! Isso não devia ser assim, eu nunca fui muito bom com explicações, mas vamos lá, não custa tentar. Garotos me ouçam com atenção e, por favor, não perguntem nada ainda, vocês terão todas as respostas logo, vou apenas resumir tudo. – ele notou então que Júnior falava, mas não saía som algum de sua boca virou-se então para os caras das capas e fez um gesto de reprovação, foi até Júnior e assoprou em sua boca, logo em seguida o som voltara as cordas vocais do menino.

__ Que diabo é isso? Vocês são demônios. Saiam da minha casa – berrava Júnior e Davi começava a achar que era melhor tê-lo deixado sem som.

__Fique quieto Júnior, ou então eu não explico nada. – disse o homem com dureza, mas sem ser rude.

Então Júnior viu que o melhor naquele momento era ouvir, Felipe se sentara na cama ainda chorando e assustado e Davi estava atento ao que Tremendo iria dizer, algo dizia que ele podia confiar naquele sujeito.

__ Meu nome é Tremendo Kal, sou um pantopômio e vim aqui por ordem do general dos pantopômios para salvar vocês de Pelegue, um dos príncipes cherícolas. De qualquer forma eu iria vir aqui busca-los para se alistarem ao exército pantopômio na semana que vem, mas esse ataque de Pelegue nos fez mudar de planos. Ainda bem que chegamos a tempo.

__ Chegaram a tempo? – sussurrou Felipe com voz chorosa – minha mãe está morta e você me diz que chegaram a tempo?

__ Acalme-se Felipe, um dia você vai compreender o que houve aqui e com sua mãe e vai se orgulhar. Agora precisamos ir, não é seguro ficar aqui.

__ Eu não vou a lugar algum com você – berrou Júnior.

Os caras das capas respiraram profundamente, eles não pareciam ser tão pacientes como o tal Tremendo, queriam sair logo dali.

__Davi, você diz o que? – perguntou Tremendo.

Davi não esperava pela pergunta, ele estava em estado de choque, não tinha idéia do que era cherícolas ou pantopimos (ou seja lá o que fossem), mas ele continuava a se sentir seguro com aquele homem.

__ Lipe, Júnior. Esse cara nos salvou daquele louco, acho que devíamos dar um crédito a ele. Eu sei que vocês perderam sua mãe e eu minha madrinha, mas já não temos o que perder, o melhor é irmos com ele para entender toda essa loucura.

__Muito bem, não esperava outra atitude de você – sorriu Tremendo satisfeito.

Os gêmeos continuavam em dúvida se deveriam ir ou não, mas por fim concordaram, menos pelo que Davi dissera e mais ao ouvirem um dos caras das capas dizerem que o tal Pelegue poderia voltar com reforços

__ Nós vamos do que? De carro? – perguntou Felipe limpando o rosto.

Os caras das capas riram e Tremendo abriu a janela com um estalar de dedos.

__Vamos voando!

Logo em seguida cada cara da capa pegou um gêmeo e Tremendo pegou Davi e pularam pela janela. Não dava para saber ao certo quem gritava mais, Felipe, Júnior ou Davi, pois os três tinham certeza que iriam se arrebentar no chão.

__ Abram os olhos garotos, que vista linda – dizia Tremendo.

Davi foi o primeiro a abrir e ficou estupefato, de fato ele estava voando, provavelmente por estar sendo seguro por Tremendo, mas a sensação era maravilhosa e se não fosse o aperto que tinha no coração por ter perdido sua madrinha, ele teria aproveitado melhor a viagem.

A viagem transcorreu tranqüilamente, à exceção dos momentos em que os “pilotos” faziam curvas e Felipe berrava que ia cair e morrer espatifado e acabava provocando o riso de Davi. A paisagem aos poucos foi se modificando, o ambiente urbano foi logo substituído pelo bucólico e em alguns momentos era possível ver alguns pássaros acompanhando os homens-voadores, Davi queria aproveitar a viagem, curtir aquele momento de intimidade com a natureza, mas sua cabeça não parava de rodar, cheia de dúvidas e tristeza pela perda da pessoa que mais amava no mundo, a madrinha, ele tinha medo de pensar o que o futuro estava reservando para ele e seus amigos, mas além de continuar confiando naquele homem estranho, ele sabia que estava indo para um lugar melhor, estaria indo para o lugar que sentia falta, em seu íntimo tinha certeza que estava seguro.

Lá do alto Davi pôde ver de repente uma ilhazinha no meio do mar distante, logo a paisagem foi aumentando e os gritos de Felipe também, que agora estava em pânico achando que cairia no mar e morreria afogado sem ajuda de ninguém. Assim que chegaram à ilha eles desceram, mas aquilo era completamente deserto e estranho, cheio de árvores gigantes, mas não havia um único animal, frutos, nada que lembrasse uma ilha de verdade.

__ Chegamos! – anunciou Tremendo.

__ Que ótimo – disse Júnior que acabara de descer – mas chegamos onde exatamente?

__Vocês verão. Sigam-me – e começou a andar em meio a tantas árvores imensas. Enquanto acompanhava o grupo, Davi imaginava se em algum lugar tinha visto árvores tão grandes quanto àquelas, mas no meio de tanta confusão aquele era o menor de seus problemas.

__ Estão preparados? – disse Tremendo parando de repente próximo a um coqueiral.

__ Se você dissesse o motivo disso, tudo ajudaria um pouco – Júnior continuava mal humorado, parecia que não ia colaborar muito mesmo.

__ Ora, para entrar no mundo dos Pantopômios!

__ Vamos, e seja o que Deus quiser – respondeu Davi com curiosidade e medo misturados.

Então o inimaginável aconteceu, Tremendo pegou uma folha do coqueiral e começou a escrever, a curiosidade se apossou dos três amigos e correram para ler o que ele escrevia, quase caíram de costa ao ler: “Pantopômios... civilização existente graças a seu Rei Pantopos, vida longa a Pantopos” em seguida, Tremendo soltou a folha que deu um forte chacoalhão e o coqueiral abriu-se como se fosse uma porta.

__Vamos. – e entraram na árvore.

Aquilo definitivamente não podia estar acontecendo, foi a conclusão que Davi chegou enquanto acompanhava todos. Não era possível que ele estava ali, descendo uma escadaria por dentro de uma árvore, após voar com outros homens e chegar numa ilha deserta.

“Provavelmente enlouqueci” era seu maior pensamento.

A escadaria parecia não ter fim, mas ao menos Felipe não estava mais estranhamente acanhado e parecia encantado com uma escadaria feita por folhas, ele até que estava se divertindo em pular nelas e ver que as folhas nem se mexiam, como se fossem de concreto.

__ Como pode? – admirava-se o menino.

E continuavam a descer, o que para Davi pareceram duas horas, mas na verdade não passara de cinco minutos, finalmente acabou e avistaram uma outra porta, agora de ouro, pequeno detalhe que fez com que os meninos ficassem boquiabertos.

__ Juan, abre você dessa vez. – disse Tremendo dirigindo-se a um dos meninos de capa.

O mais alto tirou os óculos escuros, então pôde-se ver seus olhos, eram de um castanho intenso, e ele finalmente sorriu para os três amigos e encaminhou-se rumo a porta de ouro.

Ele pôs os olhos num pequeno buraco que havia na parte de cima da porta que em seguida abriu-se ligeiramente.

__ Desculpe a franqueza – começou Felipe – mas cá entre nós Tremendo, as senhas que vocês usam são tão estranhas, primeiro uma frase sem sentido, agora esse negócio de verificação de olho. Coisa mais babaquinha, me diz quem criou isso para eu dar umas dicas. Com franqueza eu nunca vi senhas mais sem noção do que essas.

__ E desde quando você entende de senhas? Não sabia que trabalhava com senhas. Tem um escritório particular para isso? – zombava Júnior.

Tremendo nada disse, apenas riu gostoso como se a discussão dos gêmeos fosse tão sincera que merecesse palmas, ele de fato parecia não se importar que o menino zombara das senhas para a entrada em seu mundo, ao contrário, parecia ter concordado.

__Bem vindos a Cidade Pantopômia. – anunciou Tremendo.

Davi foi o último a passar pela porta e como os dois amigos já estavam ele também ficou boquiaberto com o que viu. Era de fato uma cidade, como uma cidadezinha do interior de São Paulo, muito bem organizada, pacata e com pessoas andando normalmente. Davi procurou algo que diferenciasse essa cidade das pequenas cidades que ele visitara nas férias com a madrinha, mas não encontrou.

Ele pôde avistar as casas que eram na sua maioria iguais, pintadas de branco com a janela de frente para a rua e com uma bela varanda e rede para balançar. O clima de paz era único, Davi não se lembrava de ter se sentido tão bem em algum outro lugar do mundo.

__Que doido – era tudo que Felipe conseguia dizer.

Tremendo esperou um tempo até que os garotos se acostumassem com o que os olhos viam e se pôs a caminhar, os garotos o seguiram, mas os caras de capas foram para outro rumo se despedindo apenas com um aceno de cabeça. No caminho indo-sabe-Deus-pra-onde todo instante eram interrompidos por um morador da cidade que cumprimentava Tremendo, que aparentemente era muito famoso ali.

Eles andaram por uns dez minutos, nesse tempo viram várias casas, todas idênticas, viram duas praças muito lindas, com árvores, parque para as crianças, viram farmácias, bares, lanchonetes, açougues, enfim, tudo que se tem em uma cidade. Estavam se aproximando de um enorme muro que apenas tinha escrito a sigla “QG”.

__Nosso destino final – anunciou Tremendo.

__ O que é isso? – perguntou Davi que se sentia mais curioso a cada minuto.

__ O Quartel General Pantopômio. Aqui nossos principais guerreiros são preparados para os combates, daqui saem os melhores pantopômios, em todos os sentidos.

__Nós vamos entrar para um exército? – perguntou Júnior com um estranho brilho nos olhos.

__ Não hoje, eu trouxe vocês aqui para que o general dos pantopômios possa explicar o que houve. Mas os treinamentos começam em uma semana e vocês três já haviam sido selecionados sim.

Nesse momento o muro abaixou para que pudéssemos entrar e Davi achou engraçada a idéia de um muro inteiro se abaixar ao invés de ter um pequeno portão, mas ele preferiu não rir, por achar que não era o momento mais apropriado e então viu que havia um portão, provavelmente era programado para abrir nas horas certas, mesmo assim a idéia do muro baixar era incrível.

O Quartel-General era diferente de tudo que os garotos imaginavam de um local para se treinar exércitos. Mais parecia uma casa gigante, ou uma pensão do que qualquer outra coisa. Com imensas salas, sem móveis e apenas com um grosso tapete verde, e com uma área verde que lembrava um campo de futebol, não fosse pelo tamanho gigantesco. Eles andaram um pouco pelo QG sem encontrar-se com ninguém, até que chegaram numa porta que estava sendo guardada por um rapaz que estava em posição como um soldado, mas não levava armas. Tremendo parou a frente dele e eles passaram a se olhar, como se estivessem se comunicando pelos olhos e em pouco tempo o soldado abriu passagem para que entrassem.

__ General, aqui estão ele. Missão cumprida.

Davi entrou timidamente pela porta na sala, que lembrava a sala da diretoria de sua escola. Um mundo de livros numa estante velha, uma TV num canto e uma mesa gigantemente velha, e atrás dela, um senhor mais velho ainda, que aparentava ter muito mais de 100 anos, coberto de rugas e com uma barba preta um pouco grande, mas muito bem cuidada. Ele tinha cabelos lisos e relativamente grandes que caiam nos olhos e davam-lhe um ar jovial. Por outro lado os óculos que ele usava, era de extremo mau gosto e antigo, mas lhe davam uma impressão de muita sabedoria.

__ Sentem-se, por favor – disse indicando três confortáveis cadeiras.

Os garotos sentaram quase que imediatamente, os três sempre foram muito observadores e falantes, porém naquele momento só conseguiam observar porque a impressão que tinham era que a língua estava colada na boca, não conseguiam conversar entre si na frente daquele imponente senhor.

__Vocês devem ser os gêmeos Júnior e Felipe. E você Davi. Muito prazer, meu nome é Baltazar Henrico e sou o general-geral do Reino Pantopômio. Reino a qual, vocês fazem parte a partir de agora”.

Davi queria dizer algo, mas aquilo era extraordinário demais para ele conseguir fazer qualquer comentário. Não sabia o que pensar, estava muito confuso e o tal Baltazar não parecia muito disposto a explicar nada.

__ Foi lamentável a forma como vocês se descobriram pantopômios, mas confesso que fico feliz pelo fato de Tremendo ter chegado a tempo e impedir que Pelegue levasse vocês.

__ Nos levasse para onde? Afinal, quem é aquele sujeito que matou nossa mãe? – Júnior estava com raiva.

__Seu nome é Pelegue. Ele é um dos líderes dos cherícolas, nossos maiores inimigos, mas vocês vão aprender tudo isso nos treinamentos que se iniciam em uma semana. Sugiro que não pensem nisso agora e nem se preocupem com isso, todos terão as devidas explicações no momento correto. Por hora basta saberem que hoje e amanhã é Luto oficial no Reino Pantopômio pela morte de Helen, a valorosa mãe de vocês. Seu fim foi muito triste, mas honroso, porque ela morreu salvando os filhos e o afilhado. Não se abatam com a morte dela, Helen cumpriu sua missão na Terra muito bem, ela fez o seu papel valendo-se até da morte se necessário, na verdade ela foi uma heroína.

__ Então quer dizer que ela morreu mesmo? – Felipe recomeçava a chorar.

__Sim, e infelizmente não conseguimos resgatar seu corpo, mas faremos um memorial para ela em nossa cidade. Acredito que os três estão demasiadamente famintos e cansados, vou chamar o tutor de vocês.

__ Quem? – perguntou Davi espantado.

Ignorando a pergunta de Davi Baltazar pegou um sino e os meninos imaginaram que ele o tocaria, mas ao contrário, ele o colocou próximo a boca e simplesmente disse:

__Tremendo, por favor, venha até aqui.

Em poucos segundos Tremendo apareceu dentro da sala como se pudesse sumir e aparecer quando quisesse. (na verdade Davi começava a achar que era exatamente isso mesmo).

__ O senhor me chamou Baltazar?

__ Sim, chamei. Como já havíamos combinado você é o tutor de Davi nos anos em que ele for menor de idade aqui. Agora com os imprevistos ocorridos hoje gostaria de saber se há possibilidade de você tornar-se tutor também dos gêmeos filhos de Helen. Acredito que o ideal seria que os três garotos morassem juntos, para sua rápida adaptação. – explicou Baltazar tranquilamente.

__ Por mim tudo bem. Vou adorar tê-los em minha casa.

__Vamos parando com tudo isso AGORA. – berrou Júnior se levantando – vocês dois conversam como se fossem nossos donos, as coisas não são assim não. Nós merecemos ao menos uma explicação para toda essa loucura. Afinal, nossa mãe foi morta, acabamos de saber que no meio dos humanos existem mais duas raças uma boa e uma má.

__ Ou seja, já sabem o necessário até aqui. – respondeu calmamente Baltazar – mas vocês não são obrigados a ficar aqui, é uma opção, porém, devo adverti-los que os cherícolas estão procurando vocês em toda a parte do planeta e o único lugar em que estarão seguros é aqui conosco.

__Eu quero mesmo encontrar esses tais, o cara que matou minha mãe é um desses. Vou me vingar – Júnior continuava irritado.

__ Não diga bobagens Júnior. – disse Davi – a gente não tem casa, não tem lugar seguro e esses dois até agora só nos ajudaram, não tem porque duvidarmos. Vamos dar o tempo que ele quer para nos explicar, daí decidimos. Só tenho uma pergunta.

__ Faça. – era o general.

__ O que exatamente é a Pluma Encantada? Ouvi minha madrinha e o tal Pelegue falando dela, o cara achava que a madrinha a tinha escondido.

__ É uma Pluma mágica vinda do distante Planeta RX31 e que, quem tiver em seu poder e utiliza-la para escrever uma sentença pode modificar a história de todo um lugar. Mas no momento ela está perdida. – respondeu tranquilamente o general Baltazar como se não tivesse preocupado com o assunto.

__ Mas... – ia prosseguindo Júnior

__Uma semana e começam as aulas, então terão muitas respostas.

__ Pois bem. – Davi levantou-se, ele estava estranhamente calmo. Tinha a convicção que estava no lugar certo, só estava inseguro do que viria pela frente.

Continua...