Lucas e Pedro — Capítulo 3: O plano perfeito
Assim que chegaram em casa, perceberam que não tinha ninguém. Pensaram o óbvio: a mãe ainda estava na venda esperando o pai voltar de alguma compra para o mercadinho, enquanto o tio estava na rua.
Resolveram fazer uma batida pela casa e ter total certeza de que o tio Cláudio não estava em casa. Eles precisavam esboçar melhor o plano para descobrir qual era o segredo do tio.
De repente, quando voltavam da busca que faziam em casa, foram surpreendidos por uma batida na porta. Era Luana, amiga de Lucas. Apesar de não ser tão próxima de Pedro, tinha um bom convívio com ele. Ela não estava sozinha, estava acompanhada de Caio.
Você talvez tenha estranhado essa visita surpresa, mas acontece que quase todo mundo da escola é da quebrada. A escola ficava a duas quadras da quebrada e quase todos os alunos matriculados eram de lá. Era raro alguém não ser, e se não fosse, certamente passava horas ali pois tinha muitos amigos que eram dela.
Diferente de quando já fizeram outras visitas, Luana e Caio estavam tão pálidos como uma folha de sulfite. Lucas não perdeu tempo e pediu que entrassem e fossem direto para o quarto. Já havia percebido que eles queriam contar alguma coisa que haviam visto.
Pedro rapidamente pegou alguns salgados, pedaços de torta e pão que a mãe havia feito pra casa. Ele imaginou que, pelo horário, eles não tinham almoçado ainda e pareciam ter ido correndo até a casa deles.
Primeiro, comeram um pouco e tomaram um copo de achocolatado. Depois, um pouco mais calmos, resolveram conversar sobre o que haviam visto.
Caio parecia nervoso, então Luana resolveu abrir o bico e contar tudo o que havia visto alguns instantes atrás.
— Lucas, eu me lembro que você nos contou que um tio de vocês do interior chegou ontem aqui, não é mesmo? — perguntou Luana.
— Sim... — Lucas olhou para Pedro como se dissesse: “tá vendo? O que será que ele já aprontou?”
— Então, eu não tenho uma boa notícia para dar a vocês.
Todos ficaram em silêncio. Não havia resposta alguma. É como se já soubessem que o tio havia feito alguma coisa. Engoliram seco, e Pedro tomou coragem para perguntar:
— Pode falar, Lu. Diz aí, o que você tá sabendo?
— Bom... eu nem sei o que dizer, meninos... — respondeu Luana meio relutante — Caio e eu estávamos voltando da escola quando passamos pela “rua da frente” — esse era o nome que o pessoal da quebrada havia dado a uma das ruas principais que havia ali dentro da comunidade — e ouvimos alguns “olheiros” e funcionários da boca falando sobre um novo integrante deles. Alguém do alto escalão.
O coração de Lucas parecia ter parado outra vez. Ainda que Luana não tivesse explicado tudo, ele começou a deduzir o que ela responderia.
— O novo integrante deles veio do interior e aparentemente era dono de várias biqueiras de lá. Se envolveu em alguma briga de facções e precisou fugir para cá. Agora que está aqui em São Paulo, é homem de confiança e assumiu uma grande função. Seu apelido parece ser “caipira”.
Nesta hora, a ficha dos dois irmãos caiu. Era coincidência demais para não ser verdade.
Se você nunca colocou os pés em uma comunidade — chamada de quebrada, favela e dentre outros nomes por quem nela mora — sabe que nem tudo é flores.
Se não bastasse com o descaso das autoridades em oferecer tudo o que os moradores daquela localidade vive, eles vivem no meio do fogo cruzado. De um lado, o crime organizado orquestra a venda de drogas ilícitas — que são adquiridas por todo tipo de pessoa. Desde gente muito pobre (que muitas vezes mora na rua) até aqueles que estacionam um carrão importado para encarar a fila e comprar entorpecentes.
Não é segredo também o mal que as drogas fazem. Se você já teve aulas do PROERD na escola, você ouviu falar que elas causam dependência e trazem vários problemas de saúde. Além disso, as drogas são o principal produto de venda do tráfico e financia grupos e facções criminosas.
Desde que os dois eram pequenos, José e Sandra sempre ensinaram aos filhos acerca dos problemas das drogas. Sempre contaram aquela história que você já ouviu dos seus pais que quem se mete no mundo das drogas tem apenas dois caminhos: a cadeia ou a morte.
Se a pessoa vai pra cadeia, é bem capaz de não ser ressocializado e entrar de cabeça no mundo do crime. Como acontece com muitos que trilham este caminho. Mas para quem vai pelo caminho da morte, desperdiça-se uma vida toda pela frente.
Conscientes disso, os dois temeram demais pelo tio, pela encrenca que ele havia se metido.
Lucas resolveu contar aos amigos sobre a conversa que ouviu no dia anterior e sobre o plano que ele havia feito com o irmão.
O plano consistia basicamente em dizer ao tio que alguém havia ligado no telefone de casa e falado que o plano não havia dado certo, que era preciso “abortar” o golpe. Eles realmente queriam fazer isso na mesa de jantar, à noite. O tio ficaria sem jeito, na frente da própria irmã e do cunhado, e precisaria entregar no que estava metido.
Porém, com aquela informação reveladora de Caio e Luana, eles realmente não sabiam como reagir. Pelo jeito, é eles quem precisariam abortar o próprio plano e pensar em outra estratégia.
Pedro, mesmo que estivesse receoso o tempo todo, realmente ficou apavorado. Alguns dos seus amigos do futebol, que também são da quebrada, sabiam de muitas histórias acerca do uso de drogas e de como o tráfico operava. Ele sabia que, assim como para muitos dos seus amigos, aquilo poderia ser o fim da linha para o seu tio também.
Toda aquela preocupação, por algum momento, o fez esquecer do jogo que havia marcado às 16h com os colegas. Não mandou mensagem no grupo do WhatsApp de resenha do grupo nem sequer foi pessoalmente avisar algum amigo do time. Simplesmente deu o cano enquanto estava tentando entender aquela revelação que os amigos do irmão haviam acabado de dar.
Com a aquele climão que ficou no ambiente, Caio e Luana entenderam que era o momento de partir. Não dava para ficar mais ali. Eles até tentaram discutir algum plano com os dois irmãos, mas eles não tinham cabeça para nada.
Uma chuva de possibilidades e problemas começaram a bombardear a cabeça deles. Queriam desmascarar o tio, mas estavam igualmente apavorados sobre o que fazer.
Sozinhos no quarto, andando pra lá e pra cá, mortos de fome já que não deu tempo sequer de preparar a comida, resolveram descer e comer. Por aquele horário, a mãe já estava em casa e certamente já havia começado a faxina.
Sandra havia percebido que os filhos já haviam chegado em casa e estavam no quarto; porém, achou que iria atrapalhá-los se aparecesse por lá naquele momento. Imaginava que eles estavam fazendo alguma coisa importante.
Estranhou que não viu os pratos e talheres na pia — sujos ou lavados —, então deduziu que eles não tinham almoçado. Como que na ponta dos pés, os dois desceram à cozinha e se sentaram ao redor da mesa de jantar.
A mãe percebeu que alguma coisa acontecia. Nunca havia visto os dois filhos tão sérios e com um comportamento tão igual. Nunca ficaram tão espantados, assustados e amedrontados daquele jeito.
Bom, e como mãe é expert em entender as coisas, rapidamente perguntou aos meninos acerca do que estava acontecendo. Mesmo com medo e receosos, resolveram contar tudo. Desde a conversa do tio no telefone à informação que Luana contou a eles.
Sandra ficou pálida e não sabia o que dizer.
Na verdade, a mãe dos meninos não sabia nem mesmo o que pensar. Primeiro, pensou que aquela história era muito maluca e, depois, chegou a pensar que pudesse ser verdade.
Os meninos, ao perceberem que mãe havia ficado abatida e preocupada, acabaram se sentindo culpados. Lucas não aguentou e disse:
"Mãe, eu sei que receber uma informação dessa não é fácil. Pedro e eu estamos sem cabeça desde ontem — pelo menos ele estava assim — desde quando ouvi a conversa do tio.
Sei lá, é como se descobrisemos que Obi-Wan de Star Wars era o Imperador Palpatine o tempo todo. Ou se descobríssemos que um professor de Hogwarts fosse o Lord Voldemort — ele só conseguia pensar nas comparações que seus amigos faziam quando queriam lhe explicar alguma coisa complexa — Eu sei que é difícil.
Antes de descer aqui e te contar tudo isso, Pedro e eu pensamos se a coisa mais certa se fazer era te contar ou não. A gente não queria te ver assim, mãe."
De repente, a agonia de Sandra passou e sua preocupação foi com os filhos. No que eles estavam pensando e passando naquele momento.
A mãe deles sabia que, naquele momento, um turbilhão de pensamentos também passavam pela cabeça dos filhos. Diferente dela, adulta, com quase 40 anos e casada a 20, ela deveria saber melhor como lidar com aquela situação do que seus filhos, que eram adolescentes e estavam passando por situação tão séria e adulta naquele momento na vida.
Com um coração que nem mesmo ela sabia explicar, a mãe dos meninos se ajeitou na cadeira, segurou na mão de Pedro — que estava mais próximo dela e disse:
"Meninos, eu fico muito feliz por vocês terem me contado toda essa história. A mãe de vocês não sabe o que dizer nem o que sentir nesse momento, mas fico muito feliz, muito feliz mesmo por vocês contarem isso para mim.
Jamais se esqueçam de que eu e o pai de vocês queremos sempre ser confidentes de vocês. Muito mais do que seus amigos de escola, colegas de jogo, de animes e qualquer outro tipo de amigos que vocês tenham.
Depois de Deus, eu quero que vocês sempre se sintam confortáveis e à vontade para falar comigo. Para abrirem o coração de vocês e contarem o que souberam, o que estão sentindo e pensando.
Eu sempre vou entender vocês e, é claro, estar ao lado de vocês.
Isso não quer dizer que eu vou concordar com tudo o que façam — muitos menos se for algo errado —, mas sempre estarei com vocês.
Agora, a mãe vai até a mercearia falar com o pai. Vou aproveitar que o movimento desse horário é fraco e que ele deve estar almoçando lá mesmo.
Vou conversar com ele, contar tudo e pensar em alguma coisa.
Prestem atenção ao que vou dizer: eu não quero que se preocupem muito menos se culpem por tudo isso o que aconteceu. A culpa não é de vocês, e nós vamos resolver isso."
Mesmo ainda preocupados e ansiosos para o que estava para acontecer, Pedro e Lucas se sentiram um pouco mais aliviados.
Sabiam que, independentemente do que acontecesse, tudo ficaria bem. Enquanto viram a mãe sair rumo à mercearia do pai, sentiram uma angústia no peito.
Em seguida, lembraram das vezes em que foram na igreja com a mãe e o pai. Sobre terem ouvido em uma dessas vezes que, no momento de angústia, Deus pode consolar e dar forças.
Não sabiam muito bem onde o pastor havia lido isso, mas lembraram de algo como: “Vinde a Mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e Eu vos aliviarei.”
Assim, resolveram ir ao quarto e fazer uma oração. Não sabiam direito como orar, mas se lembraram de como as orações são feitas na igreja e, como em uma conversa, pediram a Deus forças e proteção a toda a família.
Pensaram em pedir a proteção pela família, para que o tio Cláudio fosse para longe dali, para que não fizessem nada de mal com eles...mas, antes de tudo, tiveram uma ideia melhor: pediram a Deus que desse forças a eles e aliviasse a angústia que sentiam.
De fato, após aquela oração, sentiram uma profunda paz.
Algumas horas mais tarde, o jantar em família reuniria todos novamente. O tio Cláudio estaria de volta em casa. José e Sandra colocaram agora o seu próprio plano em ação.
Preparado para tantas revelações? Já imaginou como a história se encerrou? Não deixe de ler o nosso próximo capítulo.