Lucas e Pedro — Capítulo 2: Uma visita inesperada e suspeita
Era 15 de maio de 2017, às 13h15.
Lucas e Pedro haviam acabado de chegar da escola.
Como era de se esperar, Lucas estava com o uniforme ainda bem passado e limpo. Com um ar tranquilo de quem passou mais uma aula de educação física derrotando os integrantes do seu bonde em mais uma batalha ferrenha de xadrez.
Já Pedro estava bem suado, com a camiseta toda amassada e cheia de manchas. Havia jogado bola na aula de educação física, que era a última daquele dia. Jogou tão bem naquele dia que foi escalado para três times diferentes naquela aula. Jogou os primeiros 30 minutos sem parar. Até foi chamado para um quarto time quando formaram um último time, mas já estavam bem cansado. Os dois primeiros times que jogou ganhou com gols seus — ele realmente jogou como um camisa 10 aquele dia, você tinha que ver! — mas o último time perdeu e ele já não estava com tanto pique assim.
Normalmente, quando chegavam em casa, esquentavam o almoço no micro-ondas e se preparavam para comer.
Dona Sandra sempre chegava às 14h e, para não ficar com fome, eles já se adiantavam.
Com o prato na mão, Pedro ia pra frente da tv para acompanhar um programa de futebol que passava naquele horário. Como bom torcedor do coringão, queria saber se o time estava bem escalado para a próxima partida no meio da semana.
Já Lucas almoçava mesmo na mesa, com o celular ligado em algum anime. Não sei bem dizer qual anime era — porque ele sempre acompanhava algum diferente —, mas baixava de algum link pirata. Dizia que os “episódios” eram disponibilizados na noite anterior. Ainda que não fosse fluente em japonês, sabia muitas palavras e expressões por assistir legendado.
Naquela segunda-feira, porém, foi um dia bem diferente. A mãe já estava em casa e estava sentada no sofá. Ali também tinha um homem. Desconhecido até então, mas o rosto era familiar para os dois.
Chegaram fitando a mãe e o “convidado”. Até que ela se levantou e fez questão de apresentar aquele homem aos meninos.
- Lucas e Pedro, este o seu tio Cláudio, meu irmão. Ele veio passar algum tempo com a gente.
- Oi – respondeu Pedro.
- Prazer, tio – disse Lucas.
Mas era visível que ambos não tinham muito interesse em conversar ou conhecer mais a respeito do tio.
A mãe pediu que se sentassem e fizessem um pouco de sala para o tio, enquanto ela finalizava o almoço. Aparentemente o tio Cláudio já havia chegado fazia algumas horas. E, por ser uma visita, ela achou melhor fazer um almoço fresquinho.
Sem muita opção, se sentaram um do lado do outro no sofá em que a mãe estava antes. Era de dois lugares. Começaram puxando perguntas sobre como era a vida lá no interior e os motivos que levaram o tio àquela vista.
Cláudio era um homem alto, de cabelo comprido — ao menos para nós homens — musculoso e nem gordo nem magro. Cláudio era bem mais novo do que a mãe dos meninos e tinha 30 anos. Era irmão caçula de Sandra. Era 14 anos mais velho do que Lucas e Pedro.
A conversa havia fluído bem, mas alguma coisa deixava os dois desconfortáveis, só não sabiam o que era. Alguma coisa parecia não ir bem. Era uma visita muito repentina de um tio que eles viram quando ainda eram muito pequenos e uma única vez. Cláudio tinha praticamente a mesma idade deles quando os pegou no colo lá atrás.
Já sentado à mesa, com toda a família reunida — José aproveitou o movimento fraco do mercadinho e fechou para “filar o rango em casa” — Cláudio resolveu contar o que o havia motivado passar pelo menos uns 6 meses ali com todo mundo.
As coisa num tava muito bem lá em Zacarias. Nossa família viveu do plantio e venda do café. Mas passamos por um momento de seca lá. Nossa colheita no ano passado foi muito fraca. Saímos no prejuízo desde que eu me entendo por gente.
Como cês já sabem, pai e mãe morreu no começo do ano. Já estavam bem velhos e debilitados pela idade. Ele faleceu numa sexta e ela, no domingo. Ele morreu do coração e ela também. Ele farto de dias, e ela de tristeza.
Com o prejuízo do ano passado, fiz contato com todos os nossos irmãos. A Célia no Rio, Vocês aqui em São Paulo, o Marquinhos em Barueri e o Rodolfo lá em Maringá, e tive o aval de todos para vender nossa chácara, fechar o plantio do café e retomar minha vida em outro lugar.
Todos ficaram em silêncio. Bateu a bad em todo mundo. Já sabiam da morte do seu Leopoldo e dona Florinha, mas os meninos não sabiam de quão difíceis estavam as coisas lá no interior. Não preciso nem te contar como ficou o climão lá, né? Se você também estivesse lá, não teria uma reação diferente.
Cláudio havia prometido que não ficaria mais do que 6 meses. Iria conhecer a cidade, ver quais eram as oportunidades e, caso gostasse, permaneceria ali para sempre, mas buscaria ter seu próprio canto.
O pai dos meninos, para tentar mudar aquele clima pesado, resolveu falar das novidades de São Paulo, as atrações, os lugares que Cláudio poderia visitar e aproveitar. A conversa foi mais tranquila e foi possível arrancar algumas risadas.
Ainda que disfarçassem bem, Pedro e Lucas já haviam percebido que a privacidade tinha ido pelo espaço. Isso se confirmou quando souberam que dividiriam o quarto com o tio. Ele ficaria num colchão improvisado, ao lado da beliche dos dois.
Naquele dia, Pedro não foi bater bola nem Lucas maratonou suas séries favoritas. Resolveram fazer companhia ao tio na sala, enquanto a mãe foi cuidar dos afazeres e o pai foi retomar as movimentações na vendinha da família.
O relógio parecia passar devagar, mas tudo ia bem.
...
Era 11 horas da noite e todo mundo já estava na cama naquele dia. Normalmente, sem aquela ilustre presença do tio Cláudio, Pedro estaria numa resenha com os parças da escola e de jogo no WhatsApp, enquanto Lucas estaria assistindo ou lendo alguma coisa.
Ainda que Lucas estivesse assistindo no último volume ou Pedro estivesse gargalhando bem alto com os amigos, um não atrapalhava o outro. Já haviam se acostumado. Às vezes, Lucas dava um “pedala” no irmão quando ele começava a rir muito alto, mas sempre se acostumaram. Aos poucos, foram se acertando.
Naquele dia, se deitaram cedo e resolveram que era melhor descansar, o tio certamente estranharia aquela rotina de cidade grande. Porém, as coisas não saíram como esperado.
De repente, um pouco depois da meia-noite, Lucas acordou de um pesado. Quando percebeu que tudo estava bem, virou da parede do quarto — que era o lado para o qual dormia — e foi dar uma olhada se estava tudo bem com o tio.
Bom, Lucas faltou dar um pulo da cama. O tio não estava ali.
O menino deve ter passado quase 30 minutos em silêncio, pensando o que faria, mas decidiu acordar Pedro e contar o que havia acontecido.
- Ué, cadê o tio Cláudio? Não tava dormindo aqui antes? Não dormiu primeiro que nós? – perguntou Lucas.
- Ah, vei... na boa! Ele deve estar no banheiro. Vai dormir, cara. A gente tem escola amanhã.
- Já faz umas meia-hora que tou acordado, brou. Por acaso ele desceu pelo cano da pia?
Mesmo com sono, Pedro não se aguentou e riu.
Sem se importar, Pedro caiu novamente no sono. Dormia na parte de cima da beliche. Lucas, sem aguentar a curiosidade, se levantou e foi descer até a cozinha, para ver se o tio estava por lá.
Quando desceu, percebeu que o tio Cláudio estava no telefone e conversava com alguém. Lucas sempre soube que ouvir a conversa dos outros nunca é coisa de “gente com educação”, como diz dona Sandra, mas o começo o que o tio havia dito deixou o menino em choque.
Não vamos julgar o Luquinhas, você e eu teríamos feito a mesma coisa. Enfim, ele ouviu:
Então fica combinado assim. Eu fico menos tempo aqui, mas cê não pode dar bobeira. Eu num posso perder tempo. Minha irmã, meu cunhado e meu sobrinhos não pode desconfiar.
Ele ficou em silêncio enquanto ouvia a outra pessoa no telefone. Lucas não conseguia ouvir direito o que a outra pessoa falava.
Certo – respondeu Cláudio. – Eu tenho que desligar antes que alguém me veja aqui falando co’ cê. Cumpra o combinado. Eu não fiz tudo o que fiz à toa!
Era como se o coração de Lucas tivesse parado de bater por alguns segundos. Ficou trêmulo e teve medo. Quando percebeu que o tio havia desligado o telefone, subiu o mais rápido que pôde – evitando fazer muito barulho — e se jogou na cama.
A sorte de Lucas é que ele estava de meia e seus pés não fizeram tanto barulho. Mas, quando se deitou, começou a suar e sentiu as batidas do próprio coração.
Mesmo de olhos fechados, Lucas sentiu os passos do tio entrando pelo quarto e o barulho dele ao se deitar. Mil pensamentos passaram pela sua cabeça, mais de mil teorias conspiratórias, pensou em acordar o irmão quando percebesse que o tio caiu no sono; porém, não demorou muito para que dormisse também.
...
Não é preciso dizer que, no dia seguinte, ele acordou ansioso e não conseguiu se concentrar direito nas aulas. O que estranhou todos os seus professores daquele dia.
De volta pra casa, quando o sinal tocou, resolveu contar a verdade ao irmão. Pedro não deixou de pensar que era uma paranoia do irmão, mas disse que acreditava nele e que também gostaria de entender o que havia de tão estranho no tio.
Juntos, a caminho de casa, traçaram um plano. E começaram a colocá-lo em prática naquele mesmo dia.
E aí, tá curioso para saber qual foi o plano deles? Não vê a hora de saber no que o tio Cláudio se meteu? Então não perca tempo e leia o próximo capítulo da nossa história!